Ah… Spa!

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Esta coluna é uma franca e simples declaração de amor a Spa-Francorchamps.

Abra a volta em velocidade. Mal o cronômetro disparou e já é hora de frear, bem na placa de 100 metros. E freie forte, só tome cuidado para não travar os dianteiros, sobretudo o direito. Tangencie com calma o grampo La Source em primeira marcha, à direita, a menos de 70 km/h. Tracione bem, pois agora o desafio é um mergulho vertiginoso rumo a uma sequência esquerda-direita insana de quase 5 G chamada Eau Rouge, fazendo com que você suba tão rápido quando havia descido. Ah, sim, tudo levado até a sétima marcha, sem tirar o pé, pois, te garanto, o nível atual de downforce permite isso. Se você fez o trecho a menos de 300 km/h, ou falta temperatura nos pneus ou falta bota

Uma leve corrigida para a esquerda, a Raidillon, e pronto, depois de tanta exigência física, há um pequeno descanso para você recobrar-se. É uma reta enorme. Chame-a de Kemmel – você logo se lembrará que o passão de Häkkinen em Schumacher em 2000 aconteceu nela. O trabalho agora é apenas o de pisar fundo e alcançar a velocidade máxima do dia – uma besteirinha de 330 km/h. Aproveite esses 10 segundos de reta para curtir o vento no capacete; só as ondulações podem incomodar um pouco.

httpv://youtu.be/stS_mDVwBVY
Onboard de Nico Rosberg em 2011

Ao fim do retão, suba no freio novamente na placa de 100 metros, puxe quatro marchas para baixo e faça a sequência direita-esquerda-direita da Les Combes, saindo dela embalado em quarta. Depois de uma pequena reta, na qual dá pra puxar até a sexta, ingresse na Rivage, uma curva à Hungaroring, de raio longo e feita em segunda marcha, em ligeiro declive – um trecho bem diferente de todo o resto do circuito, tal como foi a La Source, lá no comecinho.

Vá agora para uma curva chatinha (a única chata, eu juro – e nem dói, é bem rápida) feita em terceira, à esquerda, com raio bem curto. Cuidado, o carro normalmente sai de frente. Hora de buscar mais cargas laterais insalubres. Após a retomada de velocidade até a sexta, beirando os 290 km/h, aponte à esquerda e seja extremamente mal-educado com a curva a seguir: entre sem pedir licença. Ela chama-se Pouhon e vai te exigir uma redução para a quinta no meio de seu raio – obedeça para não visitar a área de escape. E fica o aviso: algo em torno de 4,5 G te puxará para o lado contrário, prepare o pescoço.

Uma vez vencida a Pouhon, mais um trecho divertido para contornar: o rápido S da Fagnes. Primeiro para a direita, depois para esquerda, sem baixar dos 200 km/h e testando o limite de aderência do carro. Não ataque as zebras. O próximo trecho é a Stavelot… ops! Agora é curva Paul Frère, rebatizada em homenagem ao piloto-jornalista belga que faleceu há dois anos. É feita em terceira, para a direita. Nessa, tenha cuidado para não empolgar-se e sair de frente.

Após tantas curvas divertidas, um novo trecho de aceleração psicopata. A sétima marcha, oba, volta a aparecer no cardápio. Você agora está na Blanchimont, uma sucessão de curvas rápidas que totalizam quase 20s de pé cravado. Chegamos à tomada da Bus Stop, um novo e fortíssimo motivo para você socar o freio. Esse trecho, bem é verdade, já foi mais legal: era composto de duas chicanes bem curtinhas, mas decidiram passar uma borracha nela e redesenhar com uma chicane só, com a primeira perna feita para a direita, assim que você operar a sempre miraculosa redução da sétima para a primeira marcha. Pronto, agora é só retomar a aceleração e cruzar a linha de chegada. Foram sete quilômetros de passeio pelos bosques verdejantes das Ardenas em pouco mais de um minuto e 46 segundos.

Isso é Spa. Um circuito sem contra-indicação.

Se o adjetivo “desafiador” encaixa-se perfeitamente ao atual circuito de Spa, tal verbete deve ser multiplicado várias vezes quando falamos do traçado antigo utilizado até 1970, com exatos 14.100 metros e uma velocidade além do limite da sanidade. Guarld-rails e ares de escape? Evidentemente não. Para segurar os carros, só havia barrancos, espectadores e casas ao redor da pista, composta por rodovias locais – ligavam as cidades de Spa, Malmedy, Stavelot e o vilarejo de Francorchamps.

Antigamente, após a Kemmel, que não era perfeitamente reta, Les Combes era uma curva toda à esquerda, em descida estreita e o trecho velho corria todo “por fora” da pista nova. A fusão acontecia na Paul Frère. A Bus Stop não existia e a largada era depois e não antes da La Source, no mergulho para a Eau Rouge.

httpv://youtu.be/8a0eZvfwEp8
Keke Rosberg em 1983

Desnecessário dizer que a mudança de layout foi por questões de segurança. A edição de 1960 ilustra bem isso. Foi um fim de semana tão trágico que pode ser comparado a Imola 1994. Nos treinos de sexta-feira, Stirling Moss quebrou pernas, algumas costelas e o nariz porque sua Lotus 18 azul da equipe Rob Walker teve uma falha de eixo. A coisa foi pior para o conterrâneo Mike Taylor, também de Lotus 18, particular: a coluna de direção quebrou numa curva e ele foi ejetado, quebrando uma árvore (!) com o corpo. Encerrou ali mesmo sua carreira. Mais tarde, ele processou a Lotus e foi indenizado.

httpv://youtu.be/hxOwxsob67Q
1961, atmosfera e corrida

Quando o nível de tragédia parecia ter atingido o máximo, duas mortes durante a prova, na mesma curva, a Burnenville. Com um Cooper-Climax, Chris Bristow capotou e foi decapitado na 9ª volta. Apenas meia hora depois, Alan Stacey, numa Lotuas 18 oficial, morreria em acidente no mesmo trecho: um pássaro teria atingido sua cabeça, fazendo com que voasse para fora da pista na volta 17. Jim Clark, que venceria quatro edições naquela década, falava abertamente que odiava o circuito.

Ainda houve o famoso episódio de 1966, na intensa chuva que foi captada pelo mítico filme Grand Prix. Quem contou bem essa história foi o meu brother Márcio Madeira, um texto que homenageava os 70 anos de Jackie Stewart no “Últia Volta”.

A F1 elegeu Spa velha incompatível após 1970 e faria visitas à Bélgica apenas em Nivelles e Zolder. O circuito, como o conhecemos, só começou a integrar a F1 em 1983 – há cenas lindas de Keke Rosberg abanando na Eau Rouge num Williams-Cosworth no referido ano. De lá pra cá, edições fantásticas aconteceram, como em 2000, quando Häkkinen fez “a” ultrapassagem em cima do Schumacher e que rendeu outro texto do Madeira. Isso sem mencionar edições chuvosas – muito comuns por lá. Tenho especial lembrança de como a de 1998, vencida por Damon Hill na Jordan-Mugen.

Fica realmente muito difícil lembrar de alguma corrida chata acontecida nessa fase “moderna”, muito mais rica em recursos audiovisuais. Mas fica a constatação de que o desenho da pista foi feliz em preservar intacto o desafio da pista, adicionando a ela a segurança de que tanto carecia. Um mito renovado. E apaixonante.

*Coluna publicada originalmente em 19 de agosto de 2010.

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

5 Comments

  1. Bruno Salgado Lima disse:

    Porque Jim Clark odiava tanto Spa?

  2. Mauro Santana disse:

    Spa é TOP, como muito bem descreveu o amigo Lucas Giavoni.

    Lembro da edição de 2014 o Rosberg tentando retirar uma bandeirinha que ficou presa na antena de seu Mercedes em plena reta Kemmel.

    Pista de verdade!

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  3. Robinson Araujo disse:

    Colegas do GPto

    Excelente texto. Mesmo em um simulador para PC pode se perceber que Spa é diferente, algo insano e delicioso de se apreciar.
    Silverstone e Hockenheim foram totalmente mutiladas e em nada mais lembram os vistosos circuitos de alta que já foram, tendo sobrado, portanto, somente o grande circuito Belga.
    Aqueles caras da década de 60 era realmente loucos, pilotos no verdadeiro sentido da palavra, até mesmo pensando que ganhavam muito pouco comparado a hoje.

    Ao colega Fernando Marques legal saber que passou as férias em Cabo Frio.
    Meus pais moram lá desde que se aposentaram em 2001, o mesmo que meu avô fez em 1984, e sempre que posso visito o local. Entretanto no reveillon de 2014 para 2015 tinha tanta gente na cidade que fiquei incomodado, sendo que em certo momento as ruas travaram, ficando o transito parado por 6 horas, com isso tento ir em momentos menos badalados pois o local é lindo e revigorante!

    Temporada de 2016 chegando e a Williams jogou esta notícia de que o novo FW é extremamente evoluído e mais veloz que seu antecessor. Aguardemos. Pena é pensar que se isto realmente acontecer e tiverem chance de disputar um título o finlandês Bottas tenderá a ter aquele algo a mais que leva a vencer na tabela de pontos.

    Que venha logo março!

    • Fernando Marques disse:

      Robinson,

      este ano logo após o Natal fui passar uns dias em Cabo Frio na casa de meu genro. A casa fica no distrito de Unamar, no Condominio Orla 500. O reveillon foi do jeito que eu queria. Junto com a minha familia e num lugar bem tranquilo e sossegado. Com a praia a 50 metros da casa, curti muito meu neto na base do churrasco e uma boa cerveja gelada. Tenho um primo que tem casa naquela ilha de casas geminadas logo depois da Capitania dos Portos no canal de Itajuru, em frente a rua dos Biquines.. Já passei um reveillon lá também. Foi muito bom mas tinha uma regra. Sair de carro nem pensar. E ir a praia muito menos ainda. O negocio era curtir a piscina do condominio.O visual vale a pena. A verdade é que a Região dos Lagos na alta temporada é de muita gente e confusão. Minha mãe nasceu em Praia Seca (Araruama). Meu avô tinha salina. Sou frequentador de PS desde que nasci. Atualmente carnaval fico longe de lá. quando a alta temporada acaba aí vou lá curtir o que Praia Seca em de bom.

      Fernando Marques

  4. Fernando Marques disse:

    Olá amigos!!!
    Feliz 2016 para todos!!!
    Estava curtindo umas férias em Cabo Frio – RJ com a família. Foi bom parea dar uma carregada na bateria e esquecer um pouco do trabalho.
    Show de bola do GEPETO em relembrar belas colunas e suas histórias.
    SPA já foi odiada pelo Jim Clark mas hoje não tem como deixar de ser a preferida de 10 entre 10 pilotos da Formula . Afinal ela ainda resiste aos avanços de tecnologia e segurança da Formula 1. Até quando não sabemos ….

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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