1984, parte 2

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A segunda parte da saga da Toleman ao longo de 1984

Dando continuidade à nossa narrativa sobre os avanços obtidos pela equipe Toleman ao longo de 1984 seguimos para a América do Norte, onde seriam realizadas três corridas em sequência, a partir do Canadá.

Montreal, 17 de junho

No embalo das brilhantes atuações na Corrida dos Campeões e em Monte Carlo, Ayrton Senna era o homem do momento no Circuito Gilles Villeneuve. Convidado pelo Departamento de Educação Física da McGill University para participar de uma conferência sobre medicina esportiva, ele chegou ao Canadá uma semana antes da corrida e teve sua evolução física atestada pelos doutores Jacques Dallaire e Jacques Bouchard.

Nos treinos, entre uma e outra entrevista, o paulistano fez bom uso do sistema de injeção eletrônica com dois injetores por cilindro para largar na 9ª colocação. Na corrida, no entanto, o aparato não poderia ser utilizado por falta de informações sobre o consumo de combustível que iria acarretar. Ainda assim, na primeira volta Ayrton superou a Lotus de Nigel Mansell, e a partir da 11ª passagem começou a tirar proveito dos problemas enfrentados pelas Ferraris. Primeiro com Alboreto, fora da disputa por problemas no motor, e depois com Arnoux, obrigado a fazer uma inesperada troca de pneus.

O francês voltou à pista logo à frente de Senna, mas foi superado enquanto seus pneus ainda estavam frios. Ayrton a esta altura ocupava a sexta posição, mas logo iria começar a perder os freios e a lutar com uma alavanca de câmbio que ora travava, ora saltava. A rigor, sua mão direita em breve começaria a sangrar por causa disso. Tendo levado o Toleman até o fim apesar da mão em carne viva, ele ainda viu o ponto pela sexta colocação escapar-lhe por apenas 20 milésimos de segundo – a diferença que o separou do Lotus de Nigel Mansell ao fim da corrida.

Enquanto no pódio o vencedor Piquet mostrava o pé queimado pelo radiador instalado no bico do Brabham, Senna era atendido no ambulatório do circuito.

Detroit, 24 de junho

Com apenas duas corridas em pistas de rua no currículo, Ayrton já tinha razões suficientes para acreditar que neste tipo de palco seria possível brigar por melhores posições. E, de forma quase inevitável, acabou guiando de maneira excessivamente ambiciosa.

Nos treinos de sexta, andando entre os mais rápidos, usou demais as zebras na chicane final, perdeu o controle e bateu com gosto. Após grande esforço da equipe, no entanto, a sétima posição no grid confirmou a boa forma do conjunto.

Ao colher as sobras da batida múltipla na largada, Senna teve que recorrer ao carro reserva. Ainda assim, até sofrer uma quebra na suspensão dianteira na 21ª volta, ele aparecia à frente da Williams de Rosberg e da Tyrrell de Brundle, que iria terminar na segunda posição.

Dallas, 8 de julho

A exemplo do que havia acontecido em Detroit, Senna atacou sem reservas as esquinas de Dallas para conseguir sua melhor posição de largada até então, fechando a terceira fila.

A ânsia pelo protagonismo, no entanto, cegou o brasileiro para o fato de que aquela seria uma corrida de sobrevivência, para carros e pilotos. Começando com tudo ele ocupava a quarta colocação ao fim da primeira volta, e ensaiava o bote à Renault de Warwick quando acabou rodando e caindo para o fim do pelotão.

Eventualmente Senna iria abandonar a vinte voltas do fim com problemas de transmissão, após tocar levemente um dos muros que delimitavam o bizarro circuito texano. Um erro infantil? Não na opinião de Pat Symonds.

“Minha lembrança favorita de Ayrton aconteceu em Dallas. (…) Após a corrida ele estava perturbado e realmente não conseguia entender como havia tocado o muro. Nós estávamos sentados, revendo a corrida, e ele disse: ‘é impossível que eu tenha tocado o muro. O muro moveu-se’. Eu disse: ‘Sim, claro que se moveu…’ Aqueles eram enormes blocos de concreto…”

“Mas ele foi tão insistente, e eu tinha tanta confiança no rapaz, que acabei dizendo ‘ok, então nós temos que ir lá e conferir isso’. Daí nós andamos até o local onde ele havia tocado o muro, e quer saber? O muro havia se movido. (…)
Alguém atingiu uma extremidade do bloco e o empurrou, fazendo com que a outra extremidade se voltasse alguns milímetros para dentro da pista. Ele estava pilotando com tanta precisão que aqueles poucos milímetros, e eu estou falando de provavelmente uns 10 milímetros, foram suficientes para que ele atingisse o muro, em vez de escapar por pouco.”

“Aquilo realmente abriu os meus olhos. Eu sabia que o garoto era bom, mas aquilo me deu a dimensão do quão especial ele era. Não apenas a pilotagem, mas sua total convicção, a análise e depois a conclusão: eu não posso estar errado, então o muro deve ter se movido. Qualquer outra pessoa teria dito: ‘merda, como eu consegui errar dessa forma?’ Mas a convicção dele era simplesmente impressionante. E ele estava certo.”

Interlúdio 3: Nürburgring, Campeonato Mundial de Endurance, 15 de julho

Dois meses após sua impressionante vitória na Corrida dos Campeões, Senna estava de volta a Nürburgring para dividir o volante de um Porsche 956 com Stefan Johansson e Henri Pescarolo numa prova válida para o Campeonato Mundial de Endurance. Ele jamais havia pilotado um carro de corrida fechado antes, e seu primeiro contato foi apenas no treino vespertino, debaixo de chuva, depois que seus companheiros haviam monopolizado a direção com pista seca pela manhã.

Ayrton marcou o melhor tempo do time com pista molhada, sétimo no geral. A equipe partiu da nona posição, mas perdeu oito voltas com um problema de embreagem. No fim, o trio terminou na oitava colocação.

Sobre a participação do futuro tricampeão, o chefe de equipe, Reinhold Joest, relatou a Autosport: “Ayrton foi muito rápido desde o início, sobretudo na chuva – tanto no treino quanto na corrida. Ele também demonstrou muito interesse em todos os aspectos técnicos do carro. Fez muitas perguntas aos engenheiros, e disse que tinha algumas ideias sobre o que poderia ser feito para melhorar o desempenho. Por fim, ele nos entregou um relatório de três páginas!”
“Havia algumas ideias muito boas ali, e algumas nós chegamos a usar. O Porsche 956 sempre teve um problema de subesterço, mas nós fizemos algumas mudanças baseadas no que ele disse, e foram de grande ajuda.”

Brands Hatch, 22 de julho

A sexta-feira começou com uma boa e uma péssima notícia para a Toleman. Afinal, enquanto Senna liderava a sessão não oficial e marcava o 4º melhor tempo no primeiro treino classificatório, seu companheiro Johnny Cecotto sofria um sério acidente que terminaria por encerrar sua carreira na F1.

Utilizando turbos da Holset de especificações maiores, Ayrton possivelmente teria melhorado seu tempo no sábado, caso não tivesse sido atrapalhado por Arnoux em sua primeira volta rápida, e por Niki Lauda em sua segunda tentativa. Ainda assim, o tempo de sexta foi bom o bastante para lhe valer a sétima posição no grid, a 1,03s da pole de Piquet.

Uma má largada viu Senna cair para a nona posição, que virou oitava tão logo ele superou a Lotus de Mansell na Paddock Bend. A partir daí, demonstrando que o carro evoluía não apenas em velocidade, mas também em confiabilidade, Ayrton manteve um ritmo consistente enquanto diversos adversários ficavam pelo caminho. Por fim, o brasileiro superou na pista a Lotus de Elio de Angelis para conquistar a terceira posição e subir pela primeira vez ao pódio na F1 com pista seca. Um resultado que, sob diversos aspectos, refletia muito melhor a evolução do conjunto do que a performance em Mônaco.

A terceira e ultima parte desta história a gente conta em nosso próximo encontro.

Forte abraço, e tenham todos um excelente fim de semana.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

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