21 anos depois…

Briga de gigantes
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O eleito
03/10/2022

No fabuloso livro “Fórmula 1 – Pela glória e pela pátria”, Eduardo Correa faz um apanhado dos brasileiros na F1 de 1970 (estreia de Emerson) a 1994 (morte de Senna). O período coincide com o jejum de títulos da seleção brasileira em Copas do Mundo e, como consequência, de um “orgulho esportivo” transferido dos gramados para as pistas.

Meu objetivo aqui, no entanto, não é tratar desse tema, mas de outra definição dada por Edu no livro: as categorias, ou níveis, de pilotos.

Edu os classificou em cinco grandes grupos (talvez 6, se considerarmos que muitos estrearam, apenas passaram pela F1, e foram embora sem deixar rastros – esses talvez seriam os pilotos pagantes –, seja angariando patrocinadores, seja significando alguma possibilidade de ROI para a equipe em termos mercadológicos, ou apenas aquele que era “Mais barato e cobria a necessidade de momento” do time).

A eles:

  • Jovem Leão
  • Ganhador de GPs
  • Móveis e Utensílios
  • Campeão
  • Grande Senhor das Pistas

Resumindo: um estreante pode rapidamente ascender à categoria de Jovem Leão ou terá o destino dos pagantes; o jovem leão pode ganhar algumas corridas, mas só se torna um ganhador de GPs se o fizer com alguma consistência, e deverá ser um frequentador de pódio; se as vitórias em GPs forem raras e dependerem muito de contextos e combinação de fatores, ele se torna um móveis e utensílios, mas, para ascender à categoria de campeão, ele, obviamente, precisa de um título, no entanto, deve disputar mais de uma vez, e precisar ser um top 3 em algumas temporadas.

Superando isso, mesmo que se vença mais de um campeonato, só é possível se tornar um Grande Senhor das Pistas se houver, de fato, um domínio – e este domínio não significa empilhar recordes, mas se tornar a referência, aquele que, qualquer equipamento que pilote, é sempre um “contender”.

Tomando emprestados esses conceitos e os transferindo para 2022:

Max Verstappen pulou de ganhador de GPs para Grande Senhor das Pistas em menos de dois anos. Hoje, ele é o piloto dominante, aquele que subverte a lógica, aquele sobre quem os sites/casas de apostas sempre pagarão menos em caso de vitória, mesmo que ele largue do fundão.

Sebastian Vettel, que foi o GSP na primeira metade da década passada, fez o maior regresso já visto e se tornou um Móveis e Utensílios, prestes a ser enviado para algum Mercado das Pulgas.

Fernando Alonso está num caso curioso: ele nunca se tornou um grande senhor das pistas, de fato, porque foi um campeão consistente quando esse cargo pertencia a Schumy, e nos 7 anos seguintes houve uma mescla entre ele, Vettel, Hamilton e Button. Mas o fato é que, hoje, Alonso não pode ser chamado de M&U, afinal, performa em ótimo nível, supera o jovem leão Esteban Ocon com regularidade, e pode vir a beliscar uma vitória ocasional. É um campeão, de fato.

Lewis Hamilton exerceu o senhorio das pistas por durante oito anos (2014-2021), o passando para Max ao final do ano passado. Mas segue como um campeoníssimo, em nível superior ao de Alonso.

Charles Leclerc está numa encruzilhada: ele surgiu como jovem leão e rapidamente ascendeu ao nível de Ganhador de GPs. Mas a alcunha de campeão ainda não foi homologada, em boa parte por falhas decisivas do próprio Leclerc, embora se possa dizer que a culpabilidade maior é de fato da Scuderia. Portanto, é mera questão burocrática.

Daniel Ricciardo, que em momentos aparentava estar pronto para ascender à categoria de campeão, se viu num verdadeiro “apagão” e é hoje um Móveis e Utensílios. Seu parceiro Lando Norris, cada vez mais sólido, é um jovem leão implorando por um equipamento melhor.

Carlos Sainz e Sergio Perez, vencedores de corridas, parecem espelhos um do outro, em dada medida: Perez poderia dizer para Sainz, em bom espanhol: iYo soy tu mañana!

George Russell, por outro lado, mesmo ainda não tendo ganhado GPs tem toda a pinta de ser um campeão. Mas precisaremos ver quando a Mercedes de fato se tornar sua casa.

Ano passado, eu escrevi uma coluna sobre a temporada de 2001, ano muito marcante para mim, do ponto de vista pessoal, e na história da F1.

Lá, foi possível ver condensados esses conceitos definidos pelo Edu: Häkkinen se aposentou de forma melancólica, mas nunca se tornou um M&U, vencendo duas corridas naquele ano e perdendo uma terceira a quatro curvas do fim. David Coulthard, um então consistente ganhador de GPS, tomou o caminho oposto da placa que apontava-lhe o destino de campeão e se tornou um móveis e utensílios, de fato, ainda que vencesse dois GPs nos anos seguintes.

Montoya, a promessa do ano, um jovem leão faminto, se tornaria um consistente ganhador de GPs, mas foi embora antes de ser jogado em algum canto das lojas. Kimi virou campeão, Alonso também. Schumacher estava no auge de seu senhorio das pistas, Barrichello sonhava em superar a alcunha de ganhador de GPs – não virou campeão, mas também não se tornou móveis e utensílios. Alesi, que fora o jovem leão mais aclamado do fim dos 80 e início dos 90, encerrou em 2001 no estoque.

Ralf Shumacher, em quem o Edu apostava (desculpe, chefe! Não podia perder essa…) e a quem Galvão chamou de “dominante”, em alguns anos iria para a sala de Alesi e Coulthard. Havia a presença de um jovem promissor, Nick Heidfeld, que acabou se tornando um Chris Amon moderno. Por fim, tínhamos também a figura exótica de Eddie Irvine, na Jaguar, em um fim melancólico para quem um dia enfureceu Senna e chegou a perder um título ganho. Não se converteu num ganhador de GPs e foi rebaixado a M&U.

Evoco essa coluna, porém, pra falar que 2022 está muito parecido com aquele 2001: o 11/setembro virou essa Guerra da Ucrânia, das mortes importantíssimas tivemos as da Rainha Elizabeth e de Jô Soares, no esporte o grande momento dos últimos anos foi a aposentadoria de Roger Federer e teremos pela primeira vez uma Copa do Mundo no fim do ano. Não bastasse, o conturbado momento político de então encontra ecos hoje – e vários dos protagonistas da época seguem sendo “atuais”.

Para completar, o campeonato da F1 está muito parecido: além da igual presença de Fernando Alonso e dos sobrenomes Verstappen e Schumacher (agora em situação totalmente oposta!), em 2001, nas primeiras 6 corridas daquele ano, tivemos uma divisão de vitórias entre McLaren e Ferrari, e a impressão de que Schumacher encararia um ano muito difícil — ele chegou a rodar no Brasil e ainda precisou “herdar” a segunda colocação de Rubinho na Áustria, montando o roteiro do ano seguinte. Mas, passados uns meses, a pergunta era apenas quando o alemão ergueria o caneco, dada a ineficiência de Coulthard e a incapacidade de melhora da McLaren (como Leclerc e Ferrari, este ano).

E o alemão conquistou seu título ainda em Agosto, igualando as marcas de Prost (tetra + recorde de vitórias) no mesmo dia.

Pois Max deverá fazê-lo muito em breve, igualando as 32 vitórias de Fernando Alonso e seu bicampeonato.

Regressamos mais de duas décadas.

Marcel Pilatti
Marcel Pilatti
Chegou a cursar jornalismo, mas é formado em Letras. Sua primeira lembrança na F1 é o GP do Japão de 1990.

1 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Marcio,

    Não resta duvidas que Verstappen já faturou seu segundo titulo esse ano … Le Clerck/Ferrari prefiro adjetivar como Cavalos Paraguiaos … perderam o folego muito cedo … o campeonato está tão mole que Vertstappen continua tão comportadinho dentro das pistas como assim estava quando começou a temporada 2022 … mas aí até eu … correr sozinho sem adversários é impossivel perder o titulo …

    Vou reler o livro do Edu, presente do amigo Mario salustiano, novamente e relembrar os bons tempos do Brasil na Formula1.

    Sinceramente , a seleção brasileira deixou de ser a seleção do povo brasileiro … adoro futebol mas não estou nada animado com a Copa … quanto a Rainha Elisabeth essa viu de tudo menos o Palmenrias ser campeão mundial … Roger Federer sensacional … quanto ao momento politico atual, sinto muita pena do povo brasileiro e de mim mesmo do que pode vir pela frente … impossivel estar otimista …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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