Mais uma vez a equipe do GPTotal, numa espécie de tradição, me escalou para escrever a coluna do GP de abertura da temporada, uma tremenda honra, e que muito me orgulha.
Só que eles correram um risco danado de deixar essa tarefa comigo! Simplesmente porque nunca estive tão desanimado para um começo de temporada. A pré-temporada está cada vez mais chata, com times sempre mais a esconder do que mostrar, sobretudo seus reais desempenhos. Pra piorar, não tivemos dança de cadeira relevante entre pilotos, e apenas um troca-troca de motores entre equipes (McLaren e Toro Rosso) – chegaremos nesse assunto. E fechando a calamidade, eu estava e continuo a estar INDIGNADO com a introdução dessa aberração chamada halo.
Começa, obviamente, pela aberração estética. A F1, como disse o nobre colega Lucas Carioli, é agora oficialmente uma piada. Afinal, essas tiras de chinelo atraíram publicidade até das Havaianas. A equipe de marketing da empresa não podia jogar uma chance dessas fora – palmas para eles, pois a publicidade espontânea foi avassaladora, em nível mundial.
Para não me alongar mais, recomendo a coluna do meu amigo e ídolo Manuel Blanco (confira as partes 1 e 2) em que ele se aprofunda em descrever como essa “solução” chamada Halo não é tão solução assim, e ainda acarreta outros problemas.
À corrida em si. Sebastian Vettel repete em Melbourne a vitória que teve no ano passado, quando ganhou a liderança após um atraso de Lewis Hamilton, preso atrás de Max Verstappen após um de seus pits. Lewis perdeu uns 10s nessa brincadeira, até tentou caçar Vettel, mas derreteu seus pneus e teve que se conformar com o segundo lugar.
Dessa vez quem colocou Vettel (3º do grid, tomando tempo do companheiro Kimi Räikkönen) na ponta foi o perigoso Porca-Solta. Sim, não pude deixar de pensar que o infortúnio da Haas em seus pits tem o mesmo nome do criminoso de um dos episódios do Chapolin Colorado!
Felizmente o sempre competente Livio Oricchio me poupou o trabalho de explicar como Vettel conseguiu voltar à frente, em descrição bem detalhada.
O que pode ser questionado, e muito, é o porquê de um período tão longo de Safety Car – primeiro virtual, depois real. O trabalho era apenas o de retirar um carro (Haas de Romain Grosjean) de uma área de escape, sem detritos, sem óleo. Era pra ter sido feito mais rápido do que preparar miojo.
Só podemos crer que a atitude foi para reagrupar os carros na pista. Afinal, no safety virtual, você tem velocidade limitada para todos por trecho de pista – ninguém alcança ninguém. Por outro lado, no safety car real todos ficam juntinhos, limitados pelo andamento do Mercedão cheio de luzes que vai à frente.
Para que tá feio, Charlie Whiting! Vai mesmo transformar a F1 em Nascar, dona Liberty Media?
A Mercedes, sim, tem o melhor carro tanto para qualificação quanto para corrida. Só que em corrida, sua superioridade é menor, tanto que Hamilton teve 24 voltas para tentar passar Vettel na pista, mas não conseguiu. Toda vantagem de performance da Mercedes (talvez de uns 0.3s a 0.4s por volta) se perde na turbulência do carro da frente.
As asas dianteiras de hoje possuem tantos componentes que nos deixam até vesgo. São milhões de flaps enfileirados, com curvas que parecem ser impossíveis de serem feitas em fibra de carbono, senão por um artesão renascentista. A reintrodução de carros mais largos só aumentou a dependência aerodinâmica. Eu não tenho outro nome pra isso a não ser “burrice”. Seria bastante lógico e decente se a FIA limitasse o número de componentes (flaps) que uma asa dianteira pode ter.
Mas lógica e decência não parecem estar na pauta do dia da Federação…
Podemos tranquilamente estabelecer um “Power Ranking” de performance das equipes na Austrália. A ordem, decrescente, é: Mercedes, Ferrari, Red Bull, Haas, Renault, McLaren, Force India, Williams, Toro Rosso e Sauber.
Dito isso, passamos às impressões deixadas nessa primeira corrida, em que há muito pouca amostragem, mas com pistas valiosas. As três primeiras equipes (Mercedes, Ferrari e Red Bull) permanecem nessa ordem, que já deu a tônica ano passado. Dentre essas três, a decepção maior é da Red Bull, de quem se esperava mais, até pelo que havia mostrado nos testes. É bom também segurarem a impetuosidade de Max Verstappen, pra ele não virar na F1 um “Montoya Parte II”.
Mas a diferença entre esses times, em ritmo de corrida, parece ser menor, o que nos dá um pouco de esperança. Mas a esperança se esvai quando constatamos que a Mercedes é um foguete em classificação. Numa F1 tão limitada em ultrapassagens, isso vale ouro. Basta não fazer burradas como o Valtteri Bottas fez na qualificação.
Só criminosos como o Porca-Solta podem mudar o destino das corridas!
A Haas surpreendeu e apareceu na Austrália como quarta força, após ter terminado 2017 brigando com a Toro Rosso para não ser a vice-lanterna em performance. Quando lançou seu carro (bom lembrar que foi a primeira a lançar), brincamos em nosso Facebook que tratava-se de uma “Fehaasri”, já que era basicamente uma Ferrari de 2017 com pintura diferente e o horroroso Halo obrigatório.
E todo mundo agora está falando a mesma coisa! A Dallara é a fornecedora de peças da Haas, e pode muito bem ter conseguido os gabaritos das peças da SF70H. A Haas montou um carro com diferenças milimétricas, conseguindo respeitar o quesito “chassi original” junto a FIA.
Partindo do princípio que a Ferrari 2017 era boa, e a Haas está com motor novo, com mais cavalaria, eles devem ter um ótimo começo de ano, com um carro bem nascido. Resta saber se a Haas terá capacidade de realizar boas atualizações no carro, já que ao menos nesse aspecto, não poderá contar com a ajudinha da Ferrari. Minha aposta é de decaída de desempenho durante o ano, podendo ser superada por Renault, que está crescendo de maneira ordenada, e McLaren, que fez a coisa certa.
Já a Force India parece não ter mais capacidade de desenvolvimento, sobretudo porque a grana por lá é muito curta. Acreditem, eles já fizeram milagre o suficiente de brigarem por tanto tempo pelo posto de quarta melhor equipe.
Voltando ao assunto McLaren, Alonso conseguiu em Melbourne, logo de cara, um belo 5º lugar, igualando em sua primeira corrida com motor Renault o melhor resultado que teve em três anos usando motor Honda. Não apenas conseguiu andar mais que os Renault, como segurou a Red Bull de Verstappen sem muitos problemas.
O chassi novo da McLaren vem sendo elogiado, e parece que a integração com o powertrain francês deu certo. O carro ainda não está apto a brigar por pódios, a McLaren continua a ser o pior carro usando motor Renault, mas eles estariam piores se continuassem com a Honda.
A Toro Rosso mostrou que o powertrain da Honda continua bastante deficitário. Nos testes, os quais completaram trocentas voltas, usaram potência limitada, passando a impressão de que os problemas de confiabilidade tinham desaparecido, e que o trabalho no limite era problema pela imposição da McLaren de um desenho compacto demais do powertrain. Por mais que no novo chassi da Toro os componentes tenham mais espaço pra trabalhar em melhor eficiência térmica, bastou a primeira corrida para vermos aquela fumacinha tão conhecida saindo do carro de Pierre Gasly. Oh, que clássico!
A Toro Rosso luta para sair do pelotão do fundo, junto da ainda lanterna Sauber, e de uma Williams cada vez mais perdida. Quanto a Sauber, o aporte da Alfa Romeo via Ferrari está garantindo os recursos para o time sair da última fila, uma viabilidade cada vez maior. A tendência é de renovar aos poucos o quadro de engenharia, e de melhoramento de performance.
Mas a pior situação é disparada a da Williams. Primeiramente é de se supor que o time com tão rica história na F1 tenha provavelmente a pior dupla de pilotos de toda a sua existência. Mas o problema não para por aí. Por mais que tenham contado com o feedback do ótimo Robert Kubica como piloto de teste, eles estão perdidos na área de engenharia.
Na noite do domingo, antes de dormir, vi uma live de facebook com o Tiago Fadel, brasileiro que é mecânico da Sauber, que antes de embarcar de volta pra Suíça contou um episódio que mostra o desespero da Williams:
Eu estava na formação do grid, momento em que a gente fica parado atrás do carro escondendo o difusor, que é a peça de aerodinâmica mais importante do carro, pra ninguém tirar foto. E quando olho para o meu lado estavam simplesmente Paddy Lowe, [projetista] chefe da Williams, acompanhado do Rob Smedley [engenheiro-chefe], os dois olhando nosso carro.
[…] O interessante é que o cara [Lowe] estava com um bloco de papel DESENHANDO o que o nosso carro tem e o que está faltando na Williams. E a hora que eu vi aquilo, eu comecei a rir, dar gargalhada. Aí eles perceberam que eu estava rindo deles, eu apontei o dedo e falei pra eles ‘acho que isso é o fim do mundo’.
A Williams vir olhar no nosso carro o que está faltando pra eles, então deve estar faltando muito pra eles. […] Foi uma coisa que eu nunca vi na vida. O cara [Lowe] não deve ser barato, saiu da Mercedes pra virar chefe na Williams… pra mim foi uma vitória.
Some-se a isso a perda do investimento da Martini ao fim deste ano, e eu temo pelo futuro da equipe de Sir Frank.
Pra encerrar, a Fórmula 1 está com um tema musical novo. Bonito, elegante, envolvente, a altura do evento. Gostei!
O único problema é que, no meu coração, toda essa produção não ganha do solo final de “The Chain”, música do ótimo grupo Fleetwood Mac. A BBC usou por décadas o trecho da música em seus clipes de abertura de transmissão.
O novo tema é ótimo. Mas só The Chain me causa aquele arrepio f*** na espinha, aquele mesmo que nos faz gostar tanto do esporte a motor.
Aquele abraço!
5 Comments
Saudações grande amigo Lucas!
Foste muito feliz ao citar o genial Roberto Bolaños… realmente me fez rir num texto tão sério.
Sobre “The Chain”… não tenho como discordar de você, é curioso que mesmo uma coisa que não fez parte de nossas vidas até pelo menos a chegada da internet nos faça ter sentimento de propriedade. Esse tema da BBC está na massa do meu sangue.
Grande Lucas!
Não posso opinar, pois não vi a corrida, só o reprise no esporte espetacular.
Mas, gostei muito de ver Alonso andando entre os primeiros novamente, pois, o dia que ele, e o Kimi pararem, a F1 irá perder bastante dos poucos brilhos que ainda restam.
Abraço!
Mauro Santana
Curitiba PR
Lucas Giavonii,
Concordo com tudo o que voc escreveu acima …
Mas uma pergunta me parece pertinente. Ano passado Vettel/Ferrari venceram na Austrália mostrando força e deixando claro que iam dar trabalho a Mercedes, tanto deram, que Vettel sustentou a liderança do campeonato até a 13ª etapa se não estiver errado. Este ano a a vitoria veio num misto de sorte e esperteza. Daí a pergunta: até quando o Vettel vai aguentar a pressão e se líder do campeonato?
Uma outra coisa que a meu ver merece ser destacado … a nova Mclaren/Renault certamente trouxe novas motivações ao Alonso e isso pode ser bom para o campeonato.
Agora o lado triste … fui eu dizer que vou torcer pro Verstappen este ano e para variar ele começa a temporada fazendo besteira … se na próxima corrida for a mesma coisa, mudo a torcida pro Alonso …
Fernando Marques
Niterói RJ
Será que houve uma conspiração entre a Ferrari e a HAAS para provocar a entrada do safety car na Austrália? …
Fernando Marques
Oi Fernando!
1 – Sobre a situação do Vettel segurar a pressão: ano passado até que durou bastante, dado que foram poucas as oportunidades de superioridade da Ferrari, e o episódio catastrófico de Cingapura foi o maior anticlímax da temporada. Hamilton só relaxou e se comportou como campeão após isso. Enquanto a água batia na bunda, estava bastante nervoso.
Pra esse ano ainda não temos a certeza que isso pode se repetir. O que é certo agora é que a Mercedes continua a ter o melhor carro em ritmo de prova. E é um foguete em classificação, alfo fundamental numa F1 tão complicada de se ultrapassar. Hamilton não deve encontrar resistência em Bottas; seu principal rival vai ser novamente saber lidar com a pressão de ser favorito e já começar atrás no campeonato.
2 – Não, não acredito em qualquer conspiração. Os caras ficaram genuinamente arrasados com os dois abandonos repentinos. Günter Steiner não é Briatore…
Abração!
Lucas Giavoni