Os flamboyants da Fórmula 1 – final

Os flamboyants da Fórmula 1 – parte 1
03/08/2018
Questão de cobertura
10/08/2018

Confira a primeira parte clicando aqui.

LordeHesketh e sua turma chegaram à Fórmula 1, com todo aquele barulho, luxo e diversão. Na pista, porém, uma estreia discreta: Hunt foi o 9º colocado no GP de Mônaco.

Mesmo com a descrença geral naquela nova equipe, os resultados começavam a aparecer. Mesmo participando de apenas 7 das 15 corridas do ano, James Hunt fecha a temporada num ótimo oitavo lugar geral, com quatro pontuações, incluindo um 3º lugar na Holanda, e um 2º lugar nos Estados Unidos, a etapa final – sendo considerado a revelação do ano. Acabou sendo, de longe, o melhor piloto a bordo de um carro March, incluindo a equipe STP oficial!

Esse desempenho notável ao volante pode ser creditado ao bom trabalho de bastidores de Bubbles Horsley, que trouxe da March não apenas um carro, mas convenceu um jovem projetista de 26 anos a se juntar à equipe para desenvolver o carro. Seu nome era Harvey Postlethwaite.

A equipe de Hesketh tinha sua abordagem nada convencional e Postlethwaite já era considerado “excêntrico” mesmo em início de carreira. Sua explicação para a migração da March para a Hesketh é no mínimo inusitada, mas que faz todo o sentido dado o ambiente festeiro da equipe: “Eles me embebedaram numa festa e acabei assinando o contrato!”

Dá para imaginar o que a FIA faria nos dias atuais, nesse ambiente todo politicamente correto, se alguém assina um contrato bêbado? Morro de rir ao saber dessas histórias…

Para a temporada de 1974, as ambições de Lorde Hesketh aumentam ainda mais. Em vez de comprar um carro, iriam construir eles mesmos. Postlethwaite projeta um novo carro, o 308. Ao contrário da equipe oficial March, Hesketh não tinha preocupações com dinheiro. Ele foi capaz de organizar testes privados e fazer alguns trabalhos em túnel de vento, algo nada usual na época.

O 308 era um carro de linhas e mecânica simples, tenho o March 731 como ponto de partida. Mas parecia ser um bom carro. Provou isso de imediato ao vencer o Troféu Internacional em Silverstone, prova extracampeonato disputada em março. Embora os competidores daquele ano não fossem dos mais fortes, ainda assim, uma vitória é uma vitória e isso deixou o moral da equipe lá no alto.

O sucesso nas provas oficiais, no entanto, levou algum tempo para mostrar seu rosto em 1974. James Hunt sofria com um carro mais pesado que deveria, e com algumas conduções erráticas que levaram a alguns abandonos.

Como não poderia deixar de ser, isso gerou alguns comentários maldosos, ante a sua vida fora do cockpit bem hedonista e em estilo hippie. Independente dos resultados do fim de semana, Hunt e a equipe eram festa pura.

Durante o ano, Harvey Postlethwaite gradualmente mudou o 308 para um 308B, cujo objetivo principal era chegar à bandeira quadriculada tão frequentemente quanto possível em 1975.

Hunt encerra o campeonato de 1974 novamente na oitava posição, dessa vez com três pódios, nas provas da Suécia, Áustria e Estados Unidos. Era um resultado expressivo para uma equipe que estava a apenas dois anos no paddock.

Com um começo promissor em 1975, eles terminam em segundo no GP da Argentina e ainda conseguiram mais um pontinho no Brasil. Mas a euforia durou pouco, e Hunt colecionou uma série de cinco abandonos seguidos, três por quebras, dois por acidente – na Espanha e em Mônaco. A primeira metade da temporada havia terminado, e James acumulava apenas 7 pontos.

Quando o circo da Fórmula 1 chegou na Holanda, para o Grande Prêmio, quem dava as cartas era Niki Lauda e sua Ferrari 312T número 12. Ele já acumulava 32 pontos e tinha disparado 10 pontos à frente de Carlos Reutemann, da Brabham, e 11 pontos à frente do então campeão Emerson Fittipaldi, da McLaren. Ninguém parecia capaz de enfrentar o austríaco, que vinha de três vitórias seguidas. Seu desenvolvimento como piloto estava completo, e seu trabalho para desenvolver a Ferrari alcançava o auge.

A corrida começou em uma pista úmida, e foi declarada como wet race – ou seja, era obrigatório o uso de pneus de chuva. O pole Lauda imediatamente assumiu a liderança com Hunt em quarto lugar. Foi quando a sintonia entre James e Bubbles Horsley funcionou perfeitamente. Ambos vislumbraram que a pista ia secar, e James foi o primeiro a entrar nos boxes, na oitava volta, para trocar seus pneus de chuva por slicks, voltando em 19º lugar.

Era uma aposta alta, mas que valeu. Todos os outros pilotos foram entrando nos boxes, um a um, e Hunt, que fez uma condução muito cuidadosa e habilidosa, se tornou líder a partir da volta 15. O momento foi de pura euforia para a trupe do Lorde Hesketh, mas esse sentimento logo daria lugar a outro: apreensão. Lauda se livrou da Shadow de Jean-Pierre Jarier na volta 28 e estava tirando a diferença de maneira preocupante. Logo o austríaco estaria nos calcanhares do britânico. Estava armado o cenário em que piloto e equipe sofreriam a maior pressão que já haviam sentido desde que chegaram à Fórmula 1.

A partir dali, todo o circo pensou a mesma coisa. Faltavam ainda 30 voltas para a bandeirada e era só questão de tempo para Hunt fazer alguma bobagem e dar a liderança de bandeja para Lauda, dada a conhecida fama de James de não aguentar pressão e de destruir carros.

Lauda começou a exercer uma pressão matadora e usava toda a potência do motor Flat-12 da Ferrari no retão dos boxes, mas James sempre dava um jeito de frear tarde na entrada da Tarzan, segurando o favorito à vitória. As voltas iam passando, passando, e nada daquele erro bobo de James acontecer.

Surpresa geral de todos os presentes naquele dia em Zandvoort, James consegue controlar o ímpeto do conjunto mais competitivo da Fórmula 1 daquele momento e recebe a bandeirada com 1,5s de vantagem.

Lorde Hesketh conquistava sua primeira vitória na Fórmula 1 de maneira dramática e heróica. Houve uma grande emoção no final, quando James, radiante, beijou a bochecha do jovem aristocrata de brincadeira, que mal entendeu o que estava acontecendo.

Dá até pra imaginar: se todo fim de semana de corrida eles já faziam festa, que tipo de farra não fariam ao vencer um GP?

O fato é que aquela vitória aliviou a tensão nos ombros de James, e ele passa a acumular pontos e pódios, deixando para trás a sequência ruim. Ao encerrar a temporada, ele acaba sendo o segundo piloto que mais pontua na metade final, perdendo apenas para o campeão Lauda (33 a 29), incluindo duas chegadas nos pontos nas duas corridas finais, em que estrearam o modelo 308C, bastante modificado em relação à variante B.

James fecha o ano em 4º lugar, e a Hesketh era a quarta melhor equipe da Fórmula 1, à frente de nomes de respeito como Tyrrell e Lotus. Não eram, afinal, um bando de aventureiros, eram competidores sérios e comprometidos… com uma quedinha por festas e o que havia de bom e do melhor nos momentos de folga.

Mas bem no momento do auge do time, tudo desmoronou. Se na pista eles estavam fazendo bonito, no campo das finanças, a equipe acabou se perdendo totalmente. Falando em bom português, a grana acabou e eles não poderiam competir em 1976. Lorde Hesketh até começou a procurar patrocínios, mas já era tarde. Ainda no mês de novembro, o aristocrata comunicou a James que aquela aventura que haviam começado juntos em 1972, ainda na Fórmula 3, havia terminado.

Mas quis o destino que tanto piloto quanto a equipe sobrevivessem a essa falência.

James logo encontraria abrigo na McLaren, após a chocante saída de Emerson Fittipaldi da equipe para ser piloto da Copersucar. E todos sabem o que aconteceu na temporada de 1976, pois o caminho de glória de James acabava de se abrir, para conquista de seu tão sonhado título mundial.

Quanto à equipe, Lorde Hesketh, para pagar as sufocantes dívidas, vendeu carro e projeto do 308C para Frank Williams, que estava se capitalizando graças a uma parceria com o petroleiro Walter Wolf. Ele bancou a operação, que rebatizou o carro como Wolf-Williams FW05.

Nesse meio, Harvey Postlethwaite acabou se tornando projetista da Williams, e mais tarde, da Wolf, quando este desfez a sociedade com Frank para 1977 – na verdade, chutou Frank. Seria Harvey a projetar o Wolf com o qual Jody Scheckter foi vice-campeão naquela temporada.

Quanto à Hesketh, Bubbles Horsley simplesmente se negou a fechar as portas da equipe. Se o Lorde havia saído de cena, ele estava disposto a continuar com os carros 308B que haviam sobrado, em busca de patrocinadores. O patrocínio conseguido? Da revista masculina Penthouse, a maior concorrente da Playboy na época. Sim, isso era a cara deles!

Bubbles colocou Harald Ertl no volante do rebatizado 308D, e chamou alguns pilotos no fim do ano para conduzir o segundo carro, incluindo o brasileiro Alex Dias Ribeiro, que assim estreava na F1. O ano, no entanto, terminaria sem pontos.

O Lorde até voltaria para a equipe em 1977, e eles conseguiram construir mais um modelo, o 308E. No entanto, o Lorde e Bubbles chegaram juntos à conclusão que aqueles dias de glória de antes, com James ao volante e Harvey na prancheta, estavam no passado e fecharam a equipe em definitivo antes da metade de 1978.

A sobrevivência da Hesketh estava muito ligada a um homem excêntrico demais, que não se aprofundara em algo que achava ser apenas um jogo para garotos ricos e que mesmo assim apostou toda sua fortuna na brincadeira.

Esse fim discreto da Hesketh, pela porta dos fundos, foi bastante lamentável, dado o furor com que chegaram à Fórmula 1, e como foram tão competitivos por duas temporadas e meia, até a falência no fim de 1975.

Durante esse tempo, a Hesketh mostrou tanta motivação e tanta determinação para subir o mais alto que pôde, e venceram graças à junção de um incrível quarteto formado por um aristocrata excêntrico, um mecânico voluntarioso, um projetista competente e um piloto com futuro de campeão.

Os anos 70 não teriam sido os mesmos, sem essa trupe de flamboyants vencendo no mundo sisudo da Fórmula 1.

Abraços,

Mário

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

2 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Mario,

    a história da Equipe Hesketh na Formula 1 é um caso único e mágico como bem disse o Mauro.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  2. Mauro Santana disse:

    Fantástico Salu!

    Realmente, aquela época deve ter sido mágica, e essa trupe de doidos nos mostraram isso de maneira bem clara.

    Um brinde aquela galera festeira e esforçada!

    🙂

    Abraço!!!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

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