Um mês atrás, a última coluna minha foi a da Bélgica. Naquele momento, escrevi que a Ferrari tinha o “martelo” nas mãos, estava com o melhor carro e tinha como reverter sua desvantagem em relação à Mercedes.
Havia uma esperança realística de que tínhamos, afinal, um campeonato acontecendo.
Passado um mês, chegamos ao Japão e agora sabemos que não apenas a Mercedes tomou categoricamente esse martelo das mãos da Ferrari, com muita competência de seu departamento de engenharia, como a equipe italiana, que vinha de sucessivos tropeços, parece ter caído por completo, num campeonato que agora é virtualmente impossível de ser revertido.
Se a corrida teve os três primeiros pilotos do grid mantendo suas posições no pódio (Lewis Hamilton, Valtteri Bottas e Max Verstappen), o fator preponderante para que isso acontecesse foi justamente mais um derretimento da Ferrari.
A Ferrari avocou para si um trágico efeito dominó que, ao final, sempre faz cair a última peça. A bobagem na qualificação, no chamado errado dos pneus em pista pouco molhada, fez Sebastian Vettel largar em má posição. Ele galgou posições, mas não adiantava nada ficar atrás das Mercedes, era necessário atacar. E numa atitude precipitada, tentou uma ultrapassagem infrutífera em Max Verstappen, caindo para último.
Perdido por um, perdido por mil. Vettel errou, mas tinha que tentar, justamente porque não teve condições de largar em melhor posição. Vettel está repetindo a temporada 2016, em que começou também a superpilotar e a errar com frequência, após um 2015 promissor, em que chegou a duelar com Nico Rosberg pelo vice-campeonato. Eu cheguei a defender a demissão de Rosberg ao fim de 2015… justamente ele, que seria campeão no ano seguinte!
Os erros de Vettel são típicos de quem não está satisfeito com sua posição e quer mais, fugindo do estado burocrático que Kimi Räikkönen entrou desde 2014 e que levam a Ferrari a apostar em Charles Leclerc para elevar seu nível de performance para 2019.
Ainda temos quatro corridas para o fim do ano, mas Ferrari já se fechou em autoanálise para compreender o que deu (e continua dando) errado. A certeza é só uma: não é o carro que, afinal, se mostrou melhor que o da Mercedes em várias ocasiões durante o ano.
Agora nós já sabemos: Alemanha 2018 e Singapura 2017 são a mesma coisa.
Até então, nas 10 primeiras provas antes de Hockenheim, Vettel estava na frente, por 171 a 167, tinha quatro vitórias e Hamilton três. Então veio o “Erro Estúpido do Estádio Molhado”.
Dali em diante, nas últimas sete corridas (Japão incluso), seis vitórias de Hamilton. A única corrida que o inglês deixou escapar foi justamente a da Bélgica, em que a Ferrari parecia esboçar uma recuperação que jamais se concretizou. A Mercedes recuperou a supremacia na pista com atualizações importantes, e Hamilton mostrou-se fortalecido mentalmente.
Hamilton está mais forte do que nunca, certo? Certo. Mas não é blindado contra pressão, como mostrou em diversos episódios na carreira, incluindo sua derrota para Rosberg. Ele apenas fez seu trabalho e assistiu de camarote a Ferrari cravar um punhal nas próprias costas em 2017 e 2018, justamente quando a pressão contra si iria aumentar.
Tenho certeza que, se Rosberg permanecesse na Mercedes, seria um fator de pressão muito importante. Com Bottas, Hamilton é o dono da bola e pronto.
E continua a ânsia por parte da imprensa em querer saber a posição de Hamilton entre os melhores da história. E mais uma vez eu repito: esperem o cara aposentar pra fazerem isso, ok?
A temporada também já deixou claro que Mercedes, Ferrari e Red Bull estão num patamar muito acima das outras equipes. Tivemos muitos exemplos de pilotos desses três times que tiveram atrasos em começo de corrida e conseguiram subir para o Top-6 com relativa facilidade, como fez Vettel neste domingo em Suzuka.
Daí a gente começa a entender o quanto a batalha abaixo desses três times foi frenética este ano. Essa “Série B” está muito mais empolgante do que a luta pelo campeonato em si, e normalmente significam “vencer” chegando em sexto ou sétimo lugar, lembrando que tempos atrás chegar em sétimo nem ponto dava.
Vamos fazer uma retrospectiva dos “vencedores” da Série B:
Austrália: Fernando Alonso, McLaren (5º)
Bahrein: Pierre Gasly, Toro Rosso (4º)
China: Nico Hülkenberg, Renault (6º)
Azerbaijão: Sergio Pérez, Force India (3º, único pódio)
Espanha: Kevin Magnussen, Haas (6º)
Mônaco: Esteban Ocon, Force India (6º)
Canadá: Nico Hülkenberg, Renault (7º)
França: Kevin Magnussen, Haas (6º)
Áustria: Romain Grosjean, Haas (4º)
Grã-Bretanha: Nico Hülkenberg, Renault (6º)
Alemanha: Nico Hülkenberg, Renault (5º)
Hungria: Pierre Gasly, Toro Rosso (6º)
Bélgica: Sergio Pérez, Force India (5º)
Itália: Esteban Ocon, Force India (6º)
Singapura: Fernando Alonso, McLaren (7º)
Rússia: Charles Leclerc, Sauber (7º)
Japão: Sergio Pérez, Force India (7º)
Das equipes Série B, só a Williams, dona do pior chassi da temporada, deixou de “vencer”. Pérez, Magnussen e Hülkenberg, todos de times diferentes, estão empatados com 53 pontos, seguidos de perto por Alonso, 50, de outro time, e de Ocon, com a segunda force India, com 49.
Essa competitividade do resto do pelotão nos faz pensar na distribuição de toda a receita que vai para as equipes, uma vez que Mercedes, Ferrari e Red Bull são as maiores devoradoras desse bolo. O Concorde Agreement continua a privilegiar as equipes mais ricas e a Liberty precisa pensar o quanto isso é bom ou ruim para a marca F1 que agora gerenciam.
Como são americanos, estão acostumados a ver ligas que criam situações em que conseguem equilibrar as forças entre todos os participantes.
Isso vai desde distribuição igualitária do dinheiro de direitos de transmissão, a passar pelo sistema de draft, em que as piores equipes ganham a vantagem de escolher novos atletas primeiro – ou de negociar essas posições em troca de bons atletas já experientes.
É muito mais inteligente pensar em redistribuição de receita do que em teto de gastos.
O canal de F1 do Youtube vira e mexe nos presenteia com bons vídeos de flashback. Para o GP do Japão, eles relembraram uma batalha de qualificação entre Michael Schumacher e o então campeão Mika Häkkinen em 2000. Cada uma entrava na pista e baixava o tempo do outro, ora a Ferrari 3, ora a McLaren 1 cravavam tempo de pole, até que Schumacher ficou à frente por míseros 9 milésimos.
Eles classificaram o episódio como “batalha titânica”.
Não posso deixar de provocar: se esse tipo de batalha era tão bom, por que não voltam ao formato antigo de qualificação?
Vimos a Ferrari derreter em 2017 e 2018. O que vai ser de 2019?
Lucas Giavoni
2 Comments
Belíssima coluna, Giavoni!
Pois é, 2019 a Ferrari pode dar a volta por cima, mas, é claro, terá de aprender muito com os erros de 2017 e 2018.
Nos resta aguardar quem irá ser o vencedor da corrida de #1000 da história da F1, pois o título já está definido.
Abraço!
Mauro Santana
Curitiba PR
Lucas,
não vi a corrida … sábado foi meu aniversário e literalmente enchi o pote … não tinha condições de ver nada … hehehehe … mas lendo a sua coluna não posso discordar de nada que foi escrito.
Apenas volto a insistir que a Ferrari gastou mais do que devia no início e a Mercedes ao contrário deixou para mostrar as suas verdadeiras armas mais para o fim do campeonato. Esta da Ferrari ter ficado melhor que a Mercedes acabou sendo uma falsa impressão. O Vettel está fazendo o certo. No caso dele é melhor errar tentando do que não errar por omissão.
Com relação aos treinos de classificação para o grid, não teve nada melhor quando todos os carros do grid recebiam cada um 4 jogos de pneus de classificação e tinha uma hora para buscar seus melhores tempos …
Fernando Marques
Niterói RJ