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Ao fim de 2012, quando sabia-se que Sébastien Loeb não faria mais do participações esporádicas no Mundial de Rali dali por diante, escrevi aqui mesmo, no GPTotal, que após uma década de domínio avassalador, ele “simplesmente não havia deixado claro quais seriam os limites de sua competitividade”, uma vez que venceu desde o início, sob todas as circunstâncias que encontrou.

Desde então ele seguiu ativo e assinou alguns feitos impressionantes no esporte. O principal deles provavelmente o incrível desempenho em Pikes Peak em 2013, quando pulverizou o recorde anterior em um minuto e meio, ainda que este mesmo tempo tenha sido batido em 2018 por Romain Dumas, ao volante de um Volkswagen I.D. R elétrico (obviamente insensível aos efeitos da altitude), sem o mesmo grau de publicidade.

À época em que escrevi esse texto também já estava claro que a saída de Loeb abriria espaço para uma nova hegemonia, certamente comandada pelo seu compatriota, desafeto e xará Sébastien Ogier, com quem havia colecionado algumas desavenças ao longo da crua disputa que protagonizaram em 2011, na condição de companheiros de equipe. De fato, Ogier, nove anos mais jovem que Loeb, conquistou seis títulos mundiais em sequência entre 2013 e 2018, com o mérito extra de ter trocado a Volkswagen pela Ford ao fim de 2016 – e seguir vencendo. Em meio a esse período de domínio, Ogier, acompanhado do navegador Julien Ingrassia, tornou-se o segundo piloto mais bem sucedido em números absolutos na história do WRC, atrás apenas do próprio Loeb, valorizando ainda mais as conquistas obtidas pelo eneacampeão.

Passados pouco mais de sete anos, no entanto, a frase sobre os limites da competitividade de Loeb talvez já possa ser revista. Afinal, se até então ele havia aliado seu surreal domínio do WRC a desempenhos brilhantes na Corrida dos Campeões, e também em Le Mans e até mesmo nos X-Games, é igualmente correto observar que em sua posterior passagem pelo WTCC ele ficou um pouco abaixo das expectativas, ainda que seja justo e necessário reconhecer os méritos da excelente pilotagem entregue por Yvan Muller, e, sobretudo, por José María López.

Evidentemente, existem algumas diferenças fundamentais entre pilotar com extrema rapidez um carro de rali num trecho asfaltado, e fazer o mesmo num carro de pilotagem mais convencional, dentro de circuito fechado. Diferentemente de Le Mans, por exemplo, onde Loeb teve auxílio de outros pilotos na preparação fina do carro, e onde necessitava sobretudo de consistência e segurança para sustentar por horas a fio um ritmo forte sim, mas calculado, no WTCC ele teria de orientar por conta própria a busca pelo melhor acerto, e em seguida teria de se aventurar pelo segundo e pelo terceiro estágios da pilotagem – respectivamente, a busca pelo limite e a repetição de voltas nesse limite –, aos quais não estava exatamente habituado. Nesse tipo de ambiente, exceto por interferências meteorológicas, a margem para estimativas instintivas cede muito espaço para o que poderíamos chamar de pilotagem científica, onde não há muito o que inventar.

No FIA GT, o desempenho foi um pouco melhor, mas ainda ficou longe do padrão que havia sido estabelecido até então, ao passo que as raras aparições na Porsche Cup não renderam resultados dignos de nota. De forma quase inevitável, portanto, Loeb voltou os olhos aos desafios que o haviam consagrado, certamente sentindo-se tentado a retornar e mostrar a todos – e a si mesmo – que ainda poderia ser o número 1.

Uma participação isolada no Rali de Monte Carlo, em 2015, lhe rendeu a liderança nos primeiros sete estágios, até ser atrasado primeiro por uma rodada, e depois por bater numa pedra, que lhe custaria seis minutos, antes do abandono em definitivo. Em 2016 ele toma parte no Rali Dakar, terminando na 9ª colocação, e participa do campeonato mundial de Rallycross, fechando a temporada com a quinta posição na tabela de pontos. Em 2017 ele melhoraria esses resultados nas duas frentes: no Dakar travaria duríssima batalha com o lendário compatriota Stéphane Peterhansel, sendo derrotado ao fim da disputa pela margem ínfima de cinco minutos, tendo vencido cinco estágios. Já no FIA Rallycross ele fecharia o campeonato na 4ª colocação, que ele iria repetir também em 2018, ano em que abandonou o Dakar após seu fiel navegador Daniel Elena se machucar no quinto estágio, quando ambos brigavam pela liderança, tendo inclusive vencido o estágio anterior.

Também em 2018 Loeb retorna ao WRC, com aparições esporádicas ainda pela Citroën. No México, ele termina na quinta posição, tendo sido atrasado por um pneu furado enquanto liderava. Na Córsega, se acidenta logo no início, mas a velocidade apresentada lhe vale quatro pontos em Power Stages. Uma vitória parecia estar amadurecendo e, finalmente, viria a se concretizar na Catalunha, representando novo recorde para o maior intervalo entre a primeira e a última conquista de um piloto na história do WRC.

O desempenho animador parece ter reacendido o interesse pelo WRC. Em 2019, Loeb iria dobrar seu número de participações, mas com uma novidade surpreendente: enquanto Ogier anunciava seu retorno à Citroën, Loeb pela primeira vez iria defender as cores de outra fabricante, a Hyundai. No fim, no entanto, ambos seriam eclipsados em desempenho pelo talentoso estoniano Ott Tänak e seu Toyota Yaris.

Em Monte Carlo, Loeb termina na 4ª colocação, a 13s do pódio. Na Suécia, cai para sétimo, ainda que a diferença em relação ao vencedor Tänak tenha ficado abaixo dos dois minutos. Na Córsega, ele enfrenta um problema de suspensão ainda no primeiro estágio e é apenas o oitavo, enquanto seu companheiro Thierry Neuville vence o rali. No Chile, o eneacampeão teria seu melhor resultado no ano: terceiro, atrás de Tänak e Ogier, a apenas meio minuto da vitória.

Em Portugal, o carro de Loeb teria problemas sérios com o sistema de alimentação, de tal modo que sua participação se resumiria a ajudar Neuville, até abandonar em definitivo com a perda de uma roda. Na Catalunha, por fim, ele termina em quarto, a pouco menos de 54s do vencedor, mas é apenas o terceiro entre os pilotos da Hyundai. Algo que teria sido absolutamente impensável, em seus tempos de Citroën.

Finalmente, após todos estes anos, o limite da competitividade do maior piloto de rali em toda a história nos foi apresentado. Às vésperas de completar 46 anos de idade, e guiando um equipamento com características sensivelmente diferentes das quais estava habituado, ele pela primeira vez não formou o conjunto a ser batido. E parece ter transformado isso num estímulo.

Tendo se comprometido a guiar o terceiro carro da Hyundai em etapas específicas, Loeb divulgou uma nota à imprensa logo após uma atuação pouco competitiva em Monte Carlo, tradicionalmente o primeiro rali do ano, na qual afirma que, apesar de estar atualmente correndo com uma outra abordagem, muito mais pelo prazer que encontra quando está ao volante do que por pretensões mais sérias, ele continua a ser um competidor e está comprometido com o objetivo de somar o máximo de pontos para a sua equipe.

Em seguida ele afirma que as condições necessárias para que possa competir no mais alto nível não poderiam ser reunidas a tempo do Rali da Suécia, e que por isso não estará presente, mas agradece à equipe por tê-lo escutado, compreendido, e reagido rapidamente.

“Essa forma de trabalhar juntos, na mesma direção e com diálogo franco, me conforta com a sensação de que estou realmente bem aqui na Hyundai. E que todos juntos iremos procurar um novo título”.

Esta última frase, “iremos buscar um novo título”, me levou a escrever este texto, porque me pegou de surpresa. Afinal, ao longo dos últimos sete anos vimos Loeb guiar apenas por prazer, por diversão, sem se cobrar demais em relação a resultados. Agora, no entanto, essa situação parece ter mudado, ainda que sua participação na eventual conquista de um título de construtores só possa se dar na condição de coadjuvante, e todo o contexto esportivo seja também muito diferente do período em que ele reinou absoluto.

Assim como há muitos anos o mundo da velocidade acompanha a luta de Valentino Rossi contra a idade, contra os jovens talentos moldados à sua imagem, e contra algumas deficiências de equipamento também, na busca por aquele que certamente seria o maior título já conquistado por um piloto na categoria rainha da motovelocidade, parece que em 2020 teremos a oportunidade de ver um dos maiores pilotos que o automobilismo já produziu em qualquer modalidade se entregando à busca por vitórias, contra concorrência tão forte quanto.

Parece improvável, nessa altura, que qualquer uma dessas duas lendas consiga concretizar tal objetivo, ao menos de maneira consistente. Todavia, a forma como continuam se entregando à competição no mais alto nível numa fase em que já não têm nada a provar, e já tendo ganhado mais dinheiro do que serão capazes de gastar, só pode engrandecer ainda mais suas respectivas estaturas históricas.

Se vão vencer ou não, isso certamente importa muito mais para eles próprios do que para todos nós, que só podemos ser gratos pela oportunidade de ver dois gigantes seguindo firmes em ação pelas mais legítimas motivações esportivas, da mesma forma como Roger Federer vem fazendo nas quadras de tênis.

Há que se dar a devida atenção ao fato de que vivemos, neste início de 2020, o ocaso – muito digno – de algumas das maiores carreiras que o esporte já viu.

Forte abraço e obrigado a todos por mais um ano de parceria na família GPTotal

Márcio Madeira

 

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

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