A vitória de Lewis Hamilton no GP da Hungria desse louco 2020 era apenas a confirmação de um favoritismo do tipo barbada. O cara possui um histórico fantástico na pista, que favorece virtuosos no kart como ele, já que a pista não passa de um kartódromo com fermento (sim, já usei essa expressão antes). Ele acaba de igualar as 8 vitórias num mesmo circuito que Michael Schumacher havia estabelecido com seus triunfos em Magny-Cours.
Não foi, de fato, apenas vitória. Hamilton por pouquíssimo não fez um Grand Slam (Grand Chelem), com pole, volta mais rápida – item que gera um pontinho a mais, não custa lembrar – e uma vitória que só não foi de ponta a ponta porque tecnicamente Max Verstappen liderou a volta 4, enquanto todos trocavam seus pneus intermediários por slicks, pois a pista já não estava tão úmida.
Não bastasse a habilidade de Hamilton no circuito, ele é igualmente habilidoso em pista úmida, fazendo com que essa variável até mesmo aumentasse as apostas em uma vitória, que… veio. A embaraçosa largada em segunda marcha de Valtteri Bottas (de onde ele tirou que seria boa ideia?) apenas facilitou as coisas para seu colega de Mercedes.
A Mercedes voltou a ter um carro imbatível, a única ameaça, um tanto longínqua, é Verstappen, que não conseguiu nem de perto acompanhar o ritmo de Hamilton, a ponto de Lewis fazer um pit stop a mais, calçar pneus novos apenas para ganhar o pontinho da melhor volta. Foi um sossego.
A explicação de tamanho domínio está ainda em 2019, em algo que eu já tinha equacionado. Enquanto todos estavam exaltados pelo agitado segundo semestre de lutas entre Mercedes, Ferrari e Red Bull, eu dizia que isso era estratégia calculada e calculista da Mercedes, que havia conseguido se firmar entre pilotos e construtores ainda no primeiro semestre e já tinha como deixar de trabalhar no carro de 2019 para arrasar no começo de 2020. Não deu outra.
Fica a pergunta: será que a Mercedes vai conseguir vencer todas as corridas do ano?
A pergunta ganha fôlego porque esse carro é o mesmo que vai ser usado em 2021. Então o desenvolvimento dele será contínuo através da temporada, diferente do que aconteceu ano passado.
Por que Bottas não alcançou Max Verstappen pela P2? Porque apesar de ter errado na volta de chegada ao grid de maneira constrangedora, era Max Verstappen, oras! Lembram-se da corrida do ano passado? Ele e Lewis Hamilton detonaram, fazendo uma corrida à parte, em outra dimensão. Eles abriram UM MINUTO INTEIRO para o resto na bandeirada, apenas porque um queria superar o outro, estavam em dog fighting franco e direto.
Se Hamilton é um kartista virtuoso, Max também o é.
Bottas quer aproveitar todas as chances
Sabemos que Lewis Hamilton é melhor que Valtteri Bottas, assim como Hamilton era melhor que Nico Rosberg. Neste primeiro momento não estou discutindo “quanto”, apenas quem é melhor que o outro.
Passadas três corridas, Hamilton assumiu apenas agora a liderança do campeonato, com parcos 5 pontos de vantagem: 63 a 58. Agora, sim eu pergunto: Hamilton é apenas 5 pontos melhor que Bottas? Eu acho que não. É mais.
Bottas sabe disso, e está trabalhando para que essa diferença seja diminuída, com o regulamento debaixo do braço. OK, a largada em segunda marcha não ajudou muito, mas vejo um Bottas mais focado em seguir o mantra de “segundo lugar é obrigação e toda vez que Lewis bobear, lá estarei eu para vencer”.
A tática é conhecida. Em 1989, Prost simplesmente não chegou nenhuma vez na frente de Senna. Isso mesmo, nenhuma. Ele só ganhou corridas quando o odiado rival abandonou, seja por acidente ou por quebra. E foi campeão, ainda que com aquele asterisco enorme de Suzuka.
Da mesma forma, Nico Rosberg só conseguiu derrotar Hamilton em 2016 porque coletou pontos de forma inteligente, a cada bobeada do inglês, seja em largadas, seja em qualificação.
Isso porque o principal rival de Lewis Hamilton hoje é Lewis Hamilton. Ele já fez muita bobagem no passado. E quando pressionado, volta a fazer – ainda que em menor escala. Bottas tem que manter um ambiente de pressão caso tenha alguma pretensão.
Proponho um cenário ainda mais sombrio. Lewis Hamilton ganha várias corridas, abre uns 45 pontos para Bottas. Daí, numa travessura do destino, ele se infecta com o Covid-19. Fica de fora por pelo menos duas corridas até negativar o vírus no corpo. Nestas, Bottas vence com tranquilidade, coleta 50 pontos e assume a liderança do campeonato, acabando campeão.
O que as pessoas vão falar desse campeonato?
Racing Point 2020. Mas você pode chamar de Pink Mercedes 2019.
Racing Point (vulgo Daddy Stroll Racing) em P3 e P4, só atrás de Mercedes na qualificação, significa que está mais fácil copiar a Mercedes do que achar soluções pelas próprias pernas?
Por falar em Racing Point, foi confirmado que houve encontros entre a equipe, futura Aston Marting Racing, e Sebastian Vettel, que sai da Ferrari ao fim do ano – pelo que está pilotando, pode ser até antes…
A equipe é do pai de um dos pilotos, então já sabemos que quem dançaria seria o outro piloto, no caso, Checo Pérez. Sabemos que o mexicano é muito melhor que o filho do dono, mas o temor é que haja um processo de fritura, como aconteceu na Sauber de anos atrás, em que um grupo sueco assumiu e obrigou o time a fritar Felipe Nasr em favor de Marcus Ericsson. O próprio Nasr confirma a patifaria, corroborado por Tiago Fadel, brasileiro que foi mecânico da Sauber e testemunhou tudo isso.
Ao olharmos a formação de Lance Stroll, há um histórico de companheiros de equipe muito, mas muito bonzinhos e colaborativos. Eu recomendo fortemente um texto do amigo Leonardo Bandeira Verde sobre a ascensão do canadense.
Lando Norris botando a mão na massa
Bom garoto esse Lando Norris, em vários sentidos. Não apenas é competente ao volante, como parece ser uma pessoa que não se afeta por esse ambiente arrogante da F1. Neste fim de semana, ele foi flagrado botando a mão na massa, ajudando a montar o próprio carro, coisa que vimos pela última vez na F1 quando os dinossauros ainda habitavam o planeta.
Só discordamos das bebidas preferidas. Ele gosta de leite (nada contra, minha dose matinal diária de cafeína vai leite); mas eu prefiro uma boa cerveja.
Haas: P3 e P4 numa sacada tática que foi condenada pelos comissários
Aplausos para a Haas, que chamou seus dois pilotos antes da formação do grid para calçarem pneus slick. A manobra fez com que, após todo mundo fazer o mesmo em pista, os carros do team americano estivessem em P3 e P4.
Mas aí nos debruçamos nas velha estupidez do regulamento vigente. Tanto Kevin Magnussen quanto Romain Grosjean receberam 10s de punição pós-corrida. A alegação dos comissários é que a chamada para pneus infringiu as regras de rádio em que os pilotos “devem conduzir o carro sozinhos e sem ajuda”.
É mais uma condição idiota que a F1 impõe a si mesma, em que uma tonelada de mensagens de rádio precisam ser transcritas para saber se alguém violou ou não o que foi imposto de maneira arbitrária. É o mesmo com as ridículas áreas de escape asfaltadas. É necessário o tempo todo analisar se o cabra botou ou não as quatro patas fora da zebra. Antigamente existia um treco chamado GRAMA. Se você aventurasse a entrar nela, dançava e pronto. Um mundo mais simples e justo, né?
Gente como Gary Anderson concorda que a punição é ridícula.
Se fosse para levar a sério essa regra de rádio, todo mundo ia ser punido o tempo todo, pois os pilotos não tem mais leitura de corrida, seus engenheiros e time tático fazem isso por ele. As punições seriam tão complexas de calcular que só saberíamos o vencedor duas semanas depois.
Ferrari SF1000 2020. Brincadeirinha, tá?
O buraco em que a Ferrari se meteu pode ser muito bem compreendido pelo texto do sempre competente Livio Oricchio – o qual lamenta-se a ausência para este ano como repórter. Em sua página de Facebook, ele constata um movimento que já aconteceu algumas vezes na história da escuderia: a “italianização” de seu alto staff técnico.
O problema é que, na esmagadora maioria das vezes que a Ferrari fez isso, deu ruim. O SF1000 é considerado pela própria Ferrari uma ruptura em relação ao modelo 2019, que vinha de uma evolução desde 2017, ano em que a equipe ficou mais perto de derrotar a Mercedes e que tinha como líder técnico James Allison, dispensado que logo seria recebido de braços abertos pela… Mercedes.
A saber: a Ferrari teve notadamente as piores velocidades de reta em todo o fim de semana em Hungaroring. Duas são as constatações, que se combinam em grau variável. O motor não empurra como em 2019 e o chassi gera pouco downforce, exigindo mais asa.
Como disse meu irmão Guilherme, aparentemente a Ferrari desse ano foi desenvolvida pelos engenheiros da Iveco…
Grid cheio. E um imenso vazio que ninguém notou.
Em minha dissertação de mestrado (de 2012, já faz um tempo…), eu chamo a atenção que o público da F1 foi mudando ao longo do tempo, numa transformação inevitável. O esporte a motor sempre esteve atrelado à mídia, muitos consumiam as informações em transmissões de rádio e nas grandes coberturas de veículos impressos (revistas e jornais). E o público que gostava mesmo ia aos autódromos, que nessa altura era uma importante parte da receita da F1.
Com o advento da transmissão televisiva, o “público de autódromo” se multiplicou na escala de milhões, era um autêntico novo grupo de pessoas para “consumir” F1 sentados nos sofás de suas salas. Receitas de bilheteria se tornaram apenas uma ínfima fração perto do que a categoria conseguia ao vender direitos de transmissão para o mundo todo.
Por que essa longa introdução? Porque o GP da Hungria foi o primeiro do ano sem torcida nas arquibancadas. Repararam?
Sejam sinceros. Se meus colegas de Whatsapp não tivessem chamado minha atenção ao fato durante a prova, eu nem perceberia. Os torcedores nos autódromos são um item cada vez mais periférico, um lento processo de distanciamento, a ponto de não fazerem falta alguma – mesmo num país mais “caloroso”, como é a Hungria, que sempre lotou o autódromo com público de vários países, mesmo distantes, como Holanda e Finlândia.
É um pouco assustador, é sombrio, mas combina com o atual F1. Combina com esse mundo doido de pandemia.
Abração!
Lucas Giavoni