Esta seria a 5a. vez que os carros e pilotos de Grand Prix competiriam no circuito chamado de Montenero, formado por estradas perto de Livorno, disputando a Coppa Ciano.
O prêmio tinha esse nome por ser um oferecimento de Costanzo Ciano, herói naval da 1a. Guerra, por cujas façanhas foi agraciado com o título de Conte di Cortellazzo i Buccari, locais onde ocorreram esses feitos.
Ele planejou, organizou e comandou assaltos à marinha austríaca usando as MAS (Motoscafo Armato Silurante), lanchas ultra-rápidas armadas com torpedos. Portanto era uma pessoa que sabia perfeitamente dar valor à velocidade. Sendo cidadão de Livorno e naquele momento figura de destaque no governo de Mussolini, foi relativamente natural para ele aproveitar a imensa popularidade das provas automobilísticas e inspirar esta prova.
De fato, em 1931 estima-se que mais de 100 mil pessoas compareceram. Além de Vicenzo Florio, presidente da Comissão Esportiva do Real Automóvel Clube da Italia, estavam presentes o Príncipe e a Princesa do Piemonte, outros membros da nobreza italiana, vários secretários de estado, generais, o presidente da província e prefeitos.
Um dos pilares do regime fascista era a intensificação do nacionalismo, remetendo à glória do apogeu do Império Romano, por isso havia enorme expectativa (provavelmente pressão) para que máquina e piloto italianos saíssem vencedores. Convém lembrar que a unificação da península italiana era ainda relativamente recente, completada em 1871.
Alfa e Maserati teriam que enfrentar as Bugatti de Varzi e Chiron e não seria uma tarefa fácil. A pista seguia a tradicional receita italiana da época, estradas estreitas interligando cidades, no caso Ardenza Mare/Montenero/Savolano/Castellaggio/Ardenza Mare, com uma profusão de curvas de todos os tipos, subidas e descidas acentuadas e um trecho ao longo do litoral composto com outro, nas montanhas. Circuito altamente exigente, como de hábito, sendo muito difícil a ultrapassagem.
As curvas tinham sido refeitas e niveladas, para permitir mais velocidade e o trajeto encurtado em relação ao ano anterior, agora com 20km de extensão, o que naturalmente diminuiria o tempo de volta. O asfalto tinha sido completamente refeito. A tribuna tinha sido recuada, para permitir mais espaço para os carros e melhor visão para a platéia, tanto para a prova quanto para o belo panorama, com o mar bem perto. Os trilhos do bonde tinham sido removidos, havia agora um novo complexo com 25 boxes, acomodações para os cronometristas e uma grande tabela com os tempos, para que o público pudesse acompanhar a evolução dos competidores. Era uma prova internacional de prestígio e os organizadores não deixaram nada ao acaso.
Era tão importante que Maserati e Alfa desistiram de correr o GP da Alemanha para se concentrar nesta competição. Esta última foi representada pela Scuderia Ferrari, contando com carros e pilotos oficiais.
42 concorrentes se apresentaram para largada, sendo 28 da categoria principal, acima de 1.100cc. A largada para a categoria menor estava prevista para as 15:30.
Por segurança a organização da prova estabeleceu que os concorrentes largariam em grupos de três, com um minuto de diferença entre eles. Às 15:34 as “voiturettes” já tinham deixado o local de partida e os “big guns” começaram a se apresentar.
O primeiro grupo era composto por Clemente Biondetti (Maserati 26R 1,7L 8 cilindros em linha), Pietro Ghersi (Bugatti T35B 2,3L 8 em linha) e Borzacchini (Alfa 2,3L 8 em linha, com carroceria tipo spider feita por Zagato). A seguir largavam Fagioli (a nova Maserati 26M de 2,8L), Varzi (sua tradicional Bugatti T51 2,3L vermelha com duplo comando de válvulas) e Campari (Alfa 2,3L 8 em linha). O terceiro grupo era composto por Giovanni “Nini” Jonoch (Alfa 1,75L GS 6 em linha), Chiron (Bugatti azul igual à de Varzi) e o Príncipe Domenico Cerami (Maserati 26B MM 2,0L 8 em linha). Francesco Severi (Alfa 1,75L GS 6 em linha ), Amedeo Ruggeri (Talbot 700 1,5L 8 em linha) e Nuvolari (Alfa igual à de Borzacchini) compunham a 4a. fila e fechavam o grupo de favoritos.
Ao completar a primeira volta, Varzi lidera, seguido de perto por Fagioli, tendo ambos virado o mesmo tempo, 14’32″. Essa Maserati parecia bem promissora. Chiron, mesmo nunca tendo corrido nesse circuito, mostrava sua imensa classe já ocupando o terceiro lugar com impressionantes 14’35”.
Tazio também progredia, vindo em quarto mesmo tendo tido trabalho para ultrapassar os pilotos que largaram à sua frente, o que o fez cumprir a volta 8 segundos acima do tempo do monegasco.
Era seguido pelos colegas de equipe Borzacchini e Campari.
Ao fim da segunda volta, Varzi se mantinha na ponta mas Nuvolari aparecia na segunda posição, apenas 4 segundos atrás, virando em 14’21″. Comprovando a excelência do piloto e a competitividade de sua Bugatti, Chiron estava à frente de Fagioli, que mantinha bom ritmo apesar de problemas com a embreagem. Borzacchini tinha se retirado, também devido à embreagem. Campari estava em quinto, seguido por Biondetti, Giovanni Minozzi (Bugatti T35C), Ghersi, Franco Cortese (jovem piloto local inscrito pela Ferrari com Alfa 2,3L 8 em linha) e o conde Luigi Castelbarco (Bugatti T39A 1,5L 8 em linha).
O esperado duelo não tardou a acontecer e após a terceira volta Varzi e Nuvolari já se digladiavam pela liderança, empolgando a multidão. Mas foi por pouco tempo. Varzi teve um pneu furado longe dos boxes. Com a demora para chegar ao alcance dos mecânicos mais o tempo necessário para a troca, acumulou um atraso – irrecuperável – de 5 minutos, caindo para a oitava posição.
Com a embreagem falhando, Fagioli não podia dar combate a Tazio. Chiron também não conseguia se aproximar do mantuano, bem como os demais pilotos de Alfa.
Mesmo assim Nivola foi melhorando seu tempo de volta, marcando sucessivamente 14’16”, 14’15” e 14’08” na quinta volta, construindo uma vantagem de 1’03” sobre Chiron e 2 minutos sobre Fagioli.
Na sexta volta a vantagem sobre o monegasco se amplia para 1’11” com Tazio virando em 14’06”. Na volta sete, 1’17″. Tendo largado no grupo seguinte ao de Chiron, Nuvolari agora estava na frente, dando ao monegasco a vantagem de ser informado antes de seu progresso como líder.
Na volta 8 ele tinha livrado 1’21”. Achille, como se esperava, tentava uma recuperação impossível cruzando em 5º lugar. Na volta seguinte ele marca a melhor volta da prova, espantosos 14’00″6. Fagioli e Campari mantém suas colocações.
Na décima e última volta Chiron já está mais acostumado ao circuito e vira em 14’08″6, reduzindo a diferença para Tazio de 1’31” para meros 44′. Colaborou para isso um pequeno incidente com Nuvolari na descida das montanhas que danificou um pouco o carro, obrigando o mantuano a diminuir o ritmo. Com isso Chiron passa por ele e agora tem uma chance de obter uma quase impensável vitória. Mas para isso precisa abrir boa vantagem.
A multidão recebe essa informação e imediatamente a tensão se instala. A Bugatti vencerá a Alfa? Em pleno território italiano?
Milhares de olhos apreensivos observam Chiron cruzar a linha de chegada. Em seguida eles se voltam para o lado oposto, esperando o compatriota surgir. Ele não pode cruzar a linha mais de um minuto depois, que foi sua diferença para o monegasco na largada. Mas, 16 segundos após, a alegria explode! Tazio passa com uma margem de pouco menos de 44” sobre o tempo de Chiron. Fagioli vem a seguir, depois Campari e Varzi. Alívio e euforia se espalham pelo ambiente.
Mas a multidão vai mesmo ao delírio quando Nuvolari e Chiron se encontram no momento dos cumprimentos das autoridades presentes e se abraçam, ambos visivelmente comovidos.
Velhos rivais, sabem reconhecer o valor do adversário melhor que ninguém.
Mas a plateia se mostra afinada com essa grandeza.
Outros tempos, não?
Abraços
Carlos Chiesa
2 Comments
Olá Fernando. Na minha pesquisa não apareceu essa informação mas compartilho sua tese, creio que era um cronometrista para cada competidor,
sim. Creio que as equipes deviam ter também seus próprios cronometristas. Na década de 70 víamos mulheres de pilotos de F1, como a M. Helena Fittipaldi, sentadas nos boxes com cronômetros na mão. O sistema de largada costumava ser por sorteio e não pelo melhor tempo.
Chiesa,
uma coisa que eu fico imaginando é com relação a dinâmica das corridas naquela época. No caso desta prova relatada na coluna, muito me intriga o sistema da largada.
” um novo complexo com 25 boxes, acomodações para os cronometristas e uma grande tabela com os tempos, para que o público pudesse acompanhar a evolução dos competidores …”
” … Por segurança a organização da prova estabeleceu que os concorrentes largariam em grupos de três, com um minuto de diferença entre eles …”
Até onde era confiável essas cronometragens, as voltas contadas? entendo que era um cronometrista para cada competidor.
Devia ser uma trabalheira daquelas …
Será que ninguém nunca reclamou?
Fernando Marques
Niterói RJ