A data para a realização do VIII Reale Premio Roma era 24 de Abril de 1932.
Um sinal claro da importância política dessa prova era o seu sub-título, “Gran Premio del Decennale”, celebrando 10 anos da ascensão ao poder do partido liderado por Benito Mussolini. Para confirmar a importância política da prova, a presença do rei estava confirmada.
Além dele compareceram Bruno e Vittorio Mussolini, e o Xeque Feisal.
Além de prêmios totalizando 200 mil liras a equipe vencedora receberia um valioso troféu ofertado pelo Duce.
Tudo pensado para ser um espetáculo grandioso.
O moderno aeroporto do Littorio tinha sido construído 3 anos antes nos arredores de Roma.
O governo achou que Roma precisava ter o “seu” autódromo.
Decidiram integrar o autódromo ao novo aeroporto.
A construção da pista teve início no fim de 1930, sob a direção do engenheiro Piero Puricelli, criador do autódromo de Monza, e foi realizada em pouco mais de quatro meses, um tempo incrivelmente curto.
O percurso de 4.400m tinha cinco curvas e três retas, 12m de largura da pista.
A primeira reta tinha 932m, começava logo após a linha de partida, passava em frente aos hangares oficiais, onde, opostas aos boxes e à tabela de sinalização, estavam as tribunas.
Ao fim dessa reta se iniciava a primeira curva, com raio de 330m à direita, em direção ao Tevere. Na saída dessa curva se entrava na segunda reta, de 627m, paralela ao rio.
Ao final dela estava a curva elevada, parabólica, com 150m de raio, que permitia alcançar a velocidade máxima, na época cerca de 250km. Uma velocidade espantosa, considerando a tecnologia disponível. Convém lembrar que os aviões de caça de última geração da guerra de 14/18 atingiam mais ou menos essa velocidade, em linha reta.
A elevação dessa parabólica era de 7m, com inclinação de 48 graus.
Na saída dela entrava-se no terceira reta, de 485m, na direção Oeste/Este seguida por uma curva à esquerda de 500m de raio que, após uma curta reta chegava a uma curva aguda em forma de grampo. Esse grampo era chamado de “Curva da Retomada”, porque embora um duro castigo para a mecânica dos carros decorrente da desaceleração brusca, tornava mais difícil as costumeiras e indesejáveis saídas de pista e permitia um certo alívio mental. Depois dela se alcançava a linha de chegada.
Essa pista era considerada uma das melhores do mundo da época, por sua tecnologia de construção avançada, requisitos técnicos originais, concepção moderna, possivelmente superior a Nurburgring, Monthlèry, Brooklands, San Sebastian, Monza e Indianapolis.
No quesito segurança, por exemplo, o nivelamento do circuito reduzia drasticamente o risco das saídas de pista fatais.
Além disso permitia visão total da pista em qualquer ponto do circuito.
Para este ano a entrada e a saída da parabólica tinham sido aperfeiçoadas permitindo velocidades ainda mais altas.
Ernesto Maserati venceu a prova inaugural, com uma 16 cilindros de 4 litros, com média de 152.3 km/h, em 1h34m32.2s.
Mas a Maserati tinha mais motivos para fazer um esforço extra para competir e brilhar.
O GP de Monaco tinha ocorrido uma semana antes.
As equipes mais poderosas da época, Alfa e Bugatti, não conseguiriam participar em prazo tão curto.
Logo a montadora de Bolonha tratou de aproveitar a oportunidade com uma grande, em mais de um sentido, surpresa.
Uma nova 16 cilindros de 5 litros (dois motores de 2,5L). Provavelmente o carro mais potente daquela época em circuitos europeus de grande prêmios.
Inicialmente Amedeo Ruggeri estava escalado para pilotar essa enorme novidade mas durante os treinos a Maserati 2,8L de Fagioli teve um problema de transmissão impossível de ser reparado a tempo e este foi encarregado dessa tarefa.
Luigi Castelbarco pilotaria uma 26M e René Dreyfus uma 8C 2,8L.
A Scuderia Ferrari inscreveu Piero Taruffi com uma Alfa 2,3L e Gianfranco Comotti com uma 6C 1750cc.
Várias Bugatti independentes alinharam, com Varzi (T51), Heinrich-Joachim von Morgen (a T51 de fábrica que vinha sendo pilotada por Varzi, agora pintada de branco), Carlo Cazzaniga (T35B), Stanislas Czaykowski (T35C) e Giovanni MInozzi (T35C) ao volante.
Lelio “Rover” Pellegrini alinhou sua Itala 2,0L 6 cilindros.
Clemente Biondetti trouxe sua MB Speciale, chassis Bugatti com motor Maserati de 2,5L.
O grid era complementado por outros carros, de menor potência, e todos participaram de provas curtas eliminatórias (25 voltas).
Entre esses concorrentes estava uma mulher, Anne-Cecile Rose-Itier, que correu com uma Bugatti T37A de 1,5L, não conseguindo se classificar para a final.
Dada a largada Varzi tomou a dianteira mas foi inapelavelmente ultrapassado por Fagioli justo antes da entrada da parabólica.
Ao completar a primeira volta os dois eram seguidos por von Morgen, Dreyfus, Taruffi, Czaykowski, Castelbarco, Minozzi, Comotti, “Rover” e Savi (Maserati 26B).
A diferença de desempenho da 5.0L para os demais competidores era colossal, estava em uma classe só sua.
Varzi tratava de tirar o máximo da sua T51 mas na 5a. volta já estava quase 2 segundos atrás do líder, que pulverizava o recorde da pista, virando em 156.3 km/h.
Von Morgen não tinha a experiência e classe de Varzi e tomava quase 10 segundos deste, seguido por Taruffi. Mas é preciso reconhecer que sua T51 estava com pneus de medidas diferentes das originais, menores, o que evidentemente prejudicava o desempenho.
O motor de Dreyfus, que já tinha apresentado funcionamento irregular nos treinos, voltava a falhar.
Mais 5 voltas e Fagioli estava 8,2” à frente de Varzi. Taruffi tinha ultrapassado von Morgen, que parecia ter problemas de motor.
Na 15a. volta a única alteração digna de nota era o aumento da vantagem da 5,0L para a T51 de Achille, agora de 15”. Este tem que parar para trocar o pneu traseiro esquerdo e Taruffi e von Morgen avançam.
20a. volta e a ordem se mantém, Fagioli 28” à frente de Taruffi, von Morgen à frente de Varzi.
Dreyfus pára nos boxes.
Fagioli segue imperturbável, aumentando a vantagem sobre Taruffi para 34” na volta 40 e para 44” na 50.
Varzi visita os boxes novamente, desta vez para trocar os dois pneus traseiros, mas consegue se manter em quarto.
O único susto ocorre na volta 58, quando a Maserati líder diminui repentinamente o ritmo, sem motivo aparente. A vantagem sobre Taruffi diminui, mas para bem confortáveis 24” e é assim que completam as 60 voltas previstas.
Fagioli explicou depois que esse susto se deveu ao consumo de combustível. O do tanque principal acabou e ele teve que ligar o tanque reserva para completar a prova.
Ele pilotou impecavelmente, marcando a melhor volta, 1’26”, média de 167,4 km/h, cumprindo a prova com a média de 158,7 km/h, duração de 1h29s.
Taruffi foi o único que conseguiu terminar na mesma volta da poderosa Maserati.
Algumas características técnicas da Maserati 5,0L, uma evolução da V4 vencedora em 1931, que já montava dois motores de 8 cilindros em V.
O responsável técnico era Piero Visentini.
Os motores usavam compressor e, embora independentes, com seus próprios magnetos e virabrequins, estavam ligados a um sistema de transmissão único.
A disposição das válvulas era DOHC.
A taxa de compressão era 5,0:1.
Carburadores Weber (protótipos).
A potência alcançava 330BHP a 5200 rpm.
O chassis era feito de alumínio, com um curb weight de pouco mais de 1 tonelada e tinha sido ampliado a partir de sua versão original para acomodar mais um motor.
O comprimento era de 4m e a largura 1,5m.
Transmissão de 4 marchas.
Velocidade final em torno de 260km/h.
Com esse carro e essa vitória os irmãos Maserati deixavam claro que não tinham saído de Bolonha a passeio. Estavam por escrever páginas brilhantes na história do automobilismo, com dedicação, talento, criatividade, competência, capacidade de superação.
Claro que esse carro era mais pesado que tudo que existia e que isso tinha um preço. Também precisava de mais combustível que o usual. Mas em determinadas circunstâncias, como nesse circuito, tendia a ser imbatível.
Fagioli mostrava que não se intimidava diante da rivalidade entre Nuvolari e Varzi, que concentravam a maioria das atenções, e aproveitava as oportunidades em que tinha condições para se impor.
No campo do automobilismo, esses eram anos dourados para as cores italianas.
Até a próxima
Carlos Chiesa
4 Comments
Esse Fagioli é o mesmo Fagioli que venceu uma corrida de Fórmula 1 em 1951. Ele tem o recorde imbatível que ter ganho um Grande Prêmio com 53 anos de idade! Se bem que, na corrida, ele recebeu uma ordem do boxe da Alfa Romeo: ir para o box e passar o modelo 159 (motor 1.5 e … 8 cilindros!) para Fangio! Era comum corridas em duplas ou trincas de pilotos – claro que a pontuação era dividida! Se um piloto abandonasse a corrida por problemas mecânicos ou acidente bastava ele retornar ao box e “pedir” para o chefe da equipe que ele queria correr no lugar do companheiro de equipe! Fagioli xingou de tudo que era palavrão! Mas ganhou com a ajuda de El Chueco.
Fagioli foi o único piloto que nasceu no século XIX a participar da F-1. Claro que a Segunda Guerra Mundial fez que muitos pilotos que disputavam Grand Prix na década de 30 conseguiram participar da Fórmula 1 na década de 50 com 40 anos!
GP da França.
Fonte: Google.
Fagioli, Taruffi e Farina começaram antes da guerra. Até a eclosão do conflito Fagioli era o mais famoso do trio. Farina foi o primeiro campeão no pós-guerra. Piero Taruffi esteve no Brasil na década de 60 ou 70, creio que a convite da revista 4 Rodas. Ele tinha vencido um Grand Prix.
Mui to gentil, como sempre, Fernando. Ignoro o que ocorreu com essa pista. Parece que esse aeroporto continua operacional, para pequenas aeronaves. É possível que o nome seja outro, uma vez que Littorio é símbolo do fascismo.
Chiesa,
Mais uma bela história … que bela Maserati .. imponente e maravilhosa …
Que pista essa de Roma … não conhecia … se não fosse aquele cotovelo para entrar na reta de largada diria que é um oval para americano nenhum botar defeito …
Qual foi o destino final dessa pista?
Parabens pela história digna do GP Total
Fernando Marques
Niterói RJ