Masterclass

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Próximo da perfeição
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Alguns pilotos tiveram corridas excepcionais em seus currículos, são inúmeros casos que podemos enumerar, durante a temporada de 1961 o inglês Striling Moss nos brindou não com uma, mas duas vitórias que são verdadeiras aulas de talento e pilotagem levados ao nível de mestre dos mestres.

Moss tinha trinta e um anos quando a temporada de 1961 começou, ele era o piloto mais experiente da Fórmula 1 e, na opinião quase unanime de todos, o melhor piloto em atividade naquele ano.  Até ali ele havia competido e vencido três gerações de pilotos: a de Fangio, a dele e agora uma nova geração que chegava as pistas da Fórmula 1, sendo o mais talentoso um certo fazendeiro escocês, seu nome Jim Clark.

Quatro vezes Moss foi vice-campeão no campeonato de pilotos e duas vezes terceiro, já era hora de sua sorte mudar e ele estando no seu auge como piloto merecia conquistar um título, era merecido sem dúvida, até para seus adversários.

O danado é que em seu caminho estava seu antigo inimigo, Enzo Ferrari.

Em 1961 as regras mudaram, os motores até o ano anterior de 2.500 cilindradas seriam substituídos pela nova configuração de 1.500 cilindradas.

A nova Fórmula 1 era para carros com motores de 1.500 cilindradas sem superalimentação, os mesmos da antiga Fórmula 2.

A Ferrari havia usado as temporadas anteriores na Fórmula 2 para desenvolver seu novo motor V6, enquanto seus rivais britânicos, acreditando imprudentemente que a mudança indesejável de regulamentos poderia ser revertida ou até mesmo anulada, não se preocuparam a tempo e estavam bem atrasados no desenvolvimento de seus motores.

O novo Ferrari Dino 156, com um bico distinto de duas narinas, provaria ser imediatamente o carro mais rápido que disputaria aquele certame.

Todas as demais equipes estariam atrás do carro que rapidamente se tornou conhecido como Sharknose.

Isso ficou evidente quando um novato italiano, Giancarlo Baghetti, recebeu um modelo Ferrari 156 para participar de uma prova extracampeonato, o Grande Prêmio de Syracuse, um aperitivo para a temporada, ele venceu com facilidade e domínio, sobre as Lotus de Moss e Clark, os Porsches de Dan Gurney e Jo Bonnier, os Coopers de Jack Brabham e Bruce McLaren, e os BRMs de Tony Brooks e Graham Hill.

Numa segunda prova extracampeonato em Nápoles, Baghetti fez de novo uma prova com total domínio sobre os rivais, mesmo levando em conta a pista ter características menos favoráveis de velocidade, A Ferrari havia sem dúvida marcado território e avisado, essa temporada é minha.

Mas a primeira corrida da temporada do campeonato mundial foi em Mônaco, onde Moss era o mestre. Ele o considerava “um verdadeiro circuito de pilotos, onde a habilidade pode compensar as deficiências técnicas”.  Em seu Lotus-Climax de quatro cilindros de baixa potência, ele largou da pole position e produziu uma verdadeira aula de maestria ao volante, assumindo a liderança na décima quarta volta e usando tudo o que tinha para ficar à frente de seus perseguidores vermelhos, enfileirados atrás dele vinham Richie Ginther, Phil Hill e Wolfgang von Trips, eles foram incapazes de ultrapassar Moss, mesmo tendo uma vantagem de trinta cavalos de potência extras de seus motores no circuito apertado de Monaco, onde a precisão e concentração de Moss renderam dividendos e uma improvável vitória.

Um detalhe interessante é que a pedido de Moss a equipe retirou os painéis laterais do carro para fornecer ventilação extra em uma tarde quente, isso acabou permitindo aos espectadores uma visão mais clara de Moss em ação, ele exibia uma precisão ao volante impressionante.

Moss declarou que ele considerava essa ser a maior vitória de sua carreira, em suas palavras ele mencionou que havia pilotado durante 90 voltas numa concentração tamanha que depois ao revisar seus tempos por volta havia variações de tempo máximas em “dez décimos”, numa época em que a medição de tempos era feita com relógios analógicos, também havia o fato que ele precisou impor um ritmo forte durante todas essas voltas, seria mais ou menos se pedir a um corredor de maratona que impusesse um ritmo de corredor de 100 metros

Moss esperava que as Ferraris, com sua potência superior, passassem por ele nos momentos finais da prova. Os pilotos da Ferrari bem que tentaram, até o atacaram em revezamentos, mas com seu ritmo seguro Moss ficou fora de alcance, terminando três segundos e meio à frente de um exausto Ginther, Phil Hill ficou em terceiro e Von Trips em quarto

A partir da corrida seguinte a Ferrari impõe sua supremacia e vence 4 corridas seguidas, em Zandvoort, Spa, Reims e Aintree, sem dúvida o título ficaria com um de seus pilotos, e aí vem o GP da Alemanha

A demonstração de genialidade de Moss em sua pilotagem em Monaco se repetiria no Grande Prêmio da Alemanha, em Nürburgring com quase 23 quilômetros de extensão, com suas 174 curvas e altos e baixos de seu relevo, o brilho e a habilidade de corrida de Moss mais uma vez se destacariam.

Foi um dia de clima instável nas montanhas Eifel, o que fazia com que parte do circuito estivesse em piso molhado e outra parte seco, Moss decidiu usar os novos pneus de chuva da Dunlop, isso foi contra o conselho dos próprios técnicos da empresa de pneus, que lhe disseram que os pneus não iriam durar nas condições mistas.

Ele optou por arriscar, e assim que Jack Brabham e seu Cooper equipado com o novo e potente motor V8 Coventry Climax, saiu da pista no início da primeira volta, Moss liderou o resto da corrida, chuva cada vez mais forte no final da corrida ajudando-o a preservar os pneus e afastar as Ferraris de von Trips e Hill, francas favoritas naquela prova.

Não foi apenas a questão da escolha dos pneus que favoreceu Moss, Havia também um elemento de psicologia envolvido: sua reputação de brilhantismo no mau tempo fez com que seus rivais relutassem em tentar igualar sua velocidade em uma pista molhada, ou seja, ele pilotava no extremo da velocidade enquanto seus rivais admitiam ir de forma mais cautelosa naquelas condições, só um grande mestre derrota seus adversários antes mesmo da disputa.

Moss declarou depois que: “Não gostei do molhado”,  “Todo mundo pensou que eu estava acima do limite, não estava, só que não seria eu que falaria para adversários” e riu das próprias palavras.

Ele pode não ter gostado, mas certamente era o grande mestre do dia.

Como previsto, em 1961 a Ferrari conquistou ambos os títulos, de pilotos com Phil Hill e de construtores, além disso Wolfgang Von Trips ficaram com o vice-campeonato, Stirling Moss ficou em terceiro no campeonato, mais uma vez a sorte não deu oportunidade para ele chegar a um título, mas convenhamos quem se importa com esse detalhe.

Em toda a sua carreira, Moss comentou uma vez, nunca havia conseguido uma volta perfeita.  Mas a alegria, como ele explicou a Ken Purdy durante sua colaboração no livro All But My Life, veio em tentar fazer a volta perfeita

“Você passa por uma curva absolutamente plana. Bem na borda irregular, mas absolutamente no controle, em sua própria linha a uma polegada de distância, o carro apenas deslizando lá, os pneus tão bem ajustados à estrada, grudados nela, e  ainda assim você sabe que se você exigir mais uma milha por hora do carro, se colocar mais cinco libras de pressão no empuxo lateral nele, perderá todo o veículo em chamas com tanta certeza como se alguém tivesse manchado a estrada com quinze centímetros de graxa;  então você fica apenas deste lado daquela fração de velocidade extra, aquela fração de peso extra que pode arruinar tudo, e talvez matá-lo para arrancar, você está no topo de tudo, e a alegria, a emoção é tremenda, você diz a si mesmo, tudo bem, seus desgraçados, supere esse, iguale-o, e você se sentirá como um pintor que acabou de dar a última pincelada em uma tela depois de anos tentando captar uma certa expressão – é  recompensador.  E você deve admitir que não é monótono”. 

“Nenhuma arte pode ser monótona”

Ele acreditava que dirigir rápido era uma forma de arte, à sua maneira, com semelhanças com o balé na ênfase na disciplina, ritmo e movimento.

“Certamente pilotar não é criativo da mesma forma que a coreografia é criativa ou que a composição de música para balé é criativa, mas acho que na execução é comparável” 

E nessas duas apresentações, em Mônaco e em Nürburgring, ele elevou a arte ao seu mais alto nível.

Stirling Moss em 1961 alçou o patamar de mestre dos mestres e deu uma verdadeira aula de Masterclass

 

Até a próxima

Mário

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

1 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Mario,

    Stirling Moss … feliz de quem pode ver ele nas pistas …
    feliz de nós por ter o GEPETO por nos contar a história …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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