O cachorro no palheiro – Parte 2

O epílogo de 1974 – Coluna + Vídeo
14/10/2024

Continuando a saga de Jarier no automobilismo vamos a epoca que ele vai entrar na Fórmula 1 e no campeonato mundial de marcas, leia a primeira parte dessa coluna clicando no link abaixo

O cachorro no palheiro – Parte 1

 

Esse foi o caso na corrida em Rouen, que contou com a participação de Emerson Fittipaldi, então o líder da classificação na Formula Um, seu irmão Wilson, Ronnie Peterson, Tim Schenken, etc.

Aquele dia Jarier teve uma atuação sublime, marcando a pole e dominando a corrida de forma absoluta. No circuito, pouco depois da linha de largada/chegada, havia uma longa descida com uma curva á direita no meio, por onde todos os pilotos passavam levantando o pé do acelerador, todos… Menos Jarier que a traçava a fundo. Com isso, Jarier ia ganhando tempo em cada volta, para terminar vencendo com mais de 20 segundos de vantagem sobre o 2º colocado, nas trinta voltas da prova.

Quando Jarier se dirigia aos boxes, um grupo de jornalistas o esperava, momento em que seu amigo Mannu Zurini grita: “Viram o meu amigo Jarier?  Ele tem um sapato de chumbo! “. A partir daquele dia esse seria o apelativo que acompanharia Jarier o resto de sua carreira: “Godasse de Plomb”. Jarier não gostava nada daquele apelido, pois tinha uma conotação pejorativa que se referia a alguém tosco e descuidado, justo o contrario de Jarier, quem sempre foi muito cuidadoso e teve poucos acidentes. Tampouco machucou-se nos poucos que teve, algo raro numa época onde vários dos seus conterrâneos perderam a vida em graves acidentes, como  Cevert, Revson ou Peterson, ou que tiveram suas carreiras truncadas, como Regazzoni, Haylwood ou De Adamich.

Alguns dias depois, Mosley lhe apresenta um contrato formal onde se estipulava as condições do acordo que já tinham e que nem contemplavam um salário determinado. Para Jarier, aquele contrato era o que ele sempre havia esperado e ainda que a sua primeira reação fosse ler o documento com calma e inclusive pedir uma copia em francês, pois seu inglês ainda era rudimentar, a emoção do momento foi maior e Jarier acabou assinando sem pensar em nada mais, e confiando em que se tratava apenas de uma formalidade. Jarier mal sabia então quão se arrependeria depois !

Na prova seguinte em Monza, Jarier abandona, ficando a vitória com Roger Williamson. Para aquela corrida, Roger dispunha de um March 732 como o de Jarier e que havia sido comprado pelo seu patrocinador; o milionário Tom Wheatcroft. Pouco depois e tão logo termina o GP da França, Mosley diz a Jarier que, devido à delicada situação financeira da March, estavam negociando com Wheatcroft a incorporação de Williamson à equipe de Formula um…Ocupando o seu lugar para o resto da temporada.

A notícia deixa Jarier desolado, mas quando se dispunha a abandonar o circuito, Sandro Colombo, da Ferrari, o esperava e lhe diz que o comendador queria falar com ele. Enzo gostava muito do estilo arrojado de Jarier e com as excelentes referencias que lhe havia dado Chinetti, tanto a nível pessoal quanto técnico, o francês era seu preferido para formar dupla com Clay Regazzoni, que retornava à equipe.

Jarier acode a Maranello e na entrevista com Ferrari, quem falava francês perfeitamente, este logo lhe apresenta um bom contrato. Jarier lhe fala sobre o contrato que havia assinado uns dias antes com a March e lhe pede um par de semanas para resolver o assunto com a equipe. Quando Jarier volta à Inglaterra, a equipe estava testando em Silverstone e lá vai Jarier para falar com Mosley, mas, para a sua surpresa, Williamson já se encontrava ao volante do seu carro. Nesse momento Jarier pensou que o seu vinculo com a March estava extinto, e no dia 21 de Julio assina aquele contrato com a Ferrari.

Tão logo Mosley fica sabendo disso, envia uma mensagem a Maranello informando sobre as obrigações contratuais de Jarier com a March, e que, portanto, o contrato recém-assinado com eles não era válido. Ferrari fala com Mosley para ver se podem solucionar o assunto, mas Mosley lhe diz que se queria Jarier teria de comprar a sua liberdade e lhe pede uma soma descabida. Durante dias e dias tanto Jarier quanto o comendador tentam chegar a um acordo com Mosley, mas este se mostra inflexível e não renuncia às suas altas pretensões. Assim, ambos se resignam e o sonho de Jarier finalmente se dissipa.

Chegados a este ponto, não posso deixar de imaginar o que teria se passado pela cabeça de Mosley durante aquele episódio. Vendo como foi a sucessão dos acontecimentos, eu até diria que, quando Mosley apresenta o contrato a Jarier, o britânico já havia concluído o seu acordo com Wheatcroft… Ou quase. Assim, e prevendo a lógica decepção de Jarier, com aquele contrato Mosley tratava de assegurar a permanência do francês na equipe, pois seu trabalho era muito apreciado por Herd. Portanto, temo que o comportamento de Mosley fosse carente de boa fé em todo o assunto, e guiado pelo egoísmo e a cobiça. Inclusive acho que, sentindo-se coberto com o patrocínio de Wheatcroft, e vendo o grande interesse do comendador por Jarier, Mosley aproveitou a situação para tentar conseguir um bom dinheiro extra… E pediu uma soma abusiva.

O caso é que Ferrari acaba aceitando a recomendação de Regazzoni e oferece o mesmo contrato a Niki Lauda. Curiosamente, Lauda também diz ao comendador haver assinado a sua renovação com a BRM alguns dias antes. Então Ferrari fala com Louis Stanley, o patrão da equipe inglesa, e este resulta muito mais compreensivo e razoável do que Mosley, aceitando a saída de Lauda por uma soma muito inferior à que pretendia Mosley por Jarier. Deste modo foi como aquele rapaz a quem Jarier acertava os carros… Ocupou o lugar que era para si na equipe do cavalinho.

A ironia de todo esse caso é que o pobre Williamson perderia a vida pouco tempo depois em um terrível acidente no GP da Holanda, deixando a March sem o patrocínio da Wheatcroft. Assim, assediado por dívidas, Mosley acabou dispensando Jarier no final do ano, aceitando uma oferta do proprietário da equipe Shadow, Don Nichols, por muito menos dinheiro do que havia pedido ao comendador.

Na Shadow a temporada não começa bem e tanto Jarier quanto Revson abandonam na Argentina e no Brasil. Pouco depois Revson perde a vida num acidente quando testava o novo DN5 em Kyalami. Embora Jarier conseguisse um excelente terceiro lugar em Mônaco e um bom quinto lugar na Suécia, o restante da temporada foi condicionado pela falta de confiabilidade do DN5.

Paralelamente à Formula Um, Jarier também participava no WEC com a equipe Matra, sendo sua contribuição fundamental na consecução do titulo daquela temporada. Jarier obteria 5 vitórias ( o piloto com mais vitórias da equipe ): a primeira em parceria com Jacky Ickx e as outras quatro com seu amigo Beltoise.

Em 1975 Jarier consegue a pole na Argentina, mas a caixa de câmbio quebra no Warm-up e não larga. Uma semana depois no Brasil… Nova pole de Jarier, sendo o único piloto a baixar de 2’30”. Jarier foi o primeiro e único piloto que passava pela curva um a fundo, batendo o recorde do circuito. Infelizmente e após dominar a corrida a prazer e quando faltavam oito voltas para a bandeirada, teria de abandonar por um falho no sistema de injeção de combustível. O DN5 continuava adolescendo de fiabilidade e no resto da temporada Jarier sofre mais oito abandonos, pontuando apenas na España com um quarto lugar. Na prova extra campeonato do GP da Suiça, Jarier novamente parte desde a pole e uma vez mais abandonaria quando liderava com folga.

No meio da temporada, Jarier propicia um encontro entre Don Nichols e Georges Martin, o engenheiro de motores da Matra. Para então a Matra já estava negociando com Guy Ligier a criação de uma equipe para a Formula Um e o contato com Nichols lhes deu a oportunidade de ver se o motor V12 ainda era apto para a categoria. Assim, o acordo entre ambas as partes contemplava que o carro de Jarier seria equipado com o motor francês, e um dos Shadow DN5 é modificado para esse fim e inscrito sob o codinome DN7, para não entrar em conflito com a Ford, cujo motor continuava a equipar o carro de Price.

Porem a associação entre Shadow e Matra durou muito pouco e o carro só se apresentou nos GPs da Áustria e Itália, pois o acordo com Ligier chegaria a bom termo pouco depois.

Entrementes, o projeto Ligier-Matra avançava bem com o patrocínio da tabagista francesa SEITA, e a intenção era já entrar na Formula um em 1976. A tabagista queria a Jean-Pierre Beltoise como piloto, pois ele desfrutava de muita popularidade e era quem já estava fazendo as primeiras provas e acertos no carro. Porem, nem a Guy Ligier nem a Gerard Ducarouge lhes parecia que Beltoise fosse o homem adecuado, pois já tinha 39 anos de idade e levava um ano retirado e sem competir. Assim, o piloto preferido pelos dois era Jarier, a quem conheciam bem por haver formado parte de suas equipes no WEC.

No entanto e para não contrariar a SEITA, decidem organizar uns testes com vários pilotos em Paul Ricard, de maneira que o melhor deles fosse quem ganhasse o contrato para ficar. Bem sabiam eles que Jarier era o mais rápido dos dois, pois o havia sido sempre anteriormente nas suas equipes, portanto com aquela “seleção” apenas tratavam de que sua preferência por Jarier não parecesse tão evidente perante o patrocinador.

Os testes seriam programados para o dia 7 de novembro e, alem de Beltoise e de Jarier, e para dar aos testes uma maior aparência de verdadeira competência, Jacques Lafitte também estava na lista de “candidatos”. Porem, quando convocam Jarier para os testes e lhe comentam a finalidade dos mesmos, Jarier agradece a chamada, mas diz não poder participar aduzindo ter ainda contrato com a Shadow e de estar bem na equipe.

Contudo, aquilo era apenas uma desculpa, pois o verdadeiro motivo para recusar o convite foi o respeito e afeição que sentia por Beltoise, pois Jarier ainda não havia assinado nenhum contrato para 1976 com a Shadow. O caso é que Jarier sabia perfeitamente que bateria Beltoise com facilidade no teste, e não queria roubar do amigo seu lugar na equipe.

Jarier já havia dito algum tempo antes que, apesar da diferença de dez anos de idade entre ambos, para ele Beltoise era “Intocável”. Assim, a amizade e a gratidão que sentia por Beltoise… Pesaram mais que a sua vontade de ir à Ligier. No entanto Ligier e Jarier acordam voltar a tratar sua incorporação à equipe num futuro próximo. Quando se celebra o teste, e como era de esperar, Lafitte acabou superando a Beltoise… Ficando com a vaga na equipe.

Na próxima coluna vamos a terceira e última parte da saga de Jarier

 

até lá e sejam bons

Manuel

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

1 Comments

  1. Leandro disse:

    Adorando conhecer a história dele! Obrigado!

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