As muitas batalhas que Niki Lauda precisou vencer em sua trajetória não se limitaram às pistas.
Quantas pessoas conhecemos que atribuem a diversos fatores o sucesso na vida ou que fazer aquilo que se gosta é muito ligado a circunstâncias externas e que o elemento sorte faz diferença para alguns mais do que para outros? A origem familiar também é apontada por alguns como elemento que faz a diferença em nosso destino; de uma forma ou de outra, somos seres que na interação com o que nos acontece acabamos sendo confrontados com situações que muitas vezes nos colocam obstáculos entre o que desejamos fazer e o que de fato acontece.
Nessas circunstâncias podemos sofrer dores emocionais, mentais ou físicas. Se uma dessas dores já é difícil de superar, imaginem as três.
Nosso personagem nasceu em 1949, na cidade de Viena, na Áustria, o jovem Andreas Nikolaus, neto do rico industrial Hans (um dos berços da riqueza mais proeminentes da Áustria), possuía os elementos necessários para ir adiante com seus sonhos e desejos. Logo cedo o pequeno Niki, como era chamado, despertou seu interesse por máquinas e seu coração ficou balançado por corridas de automóvel, um esporte tipicamente afeito para pessoas ricas como ele.
Quando o jovem Niki vai pedir apoio financeiro para iniciar uma carreira como piloto recebe uma reprimenda junto com o “não” do avô, afinal um Lauda deveria ter ambições mais nobres para com o nome da família, e corridas de carros era uma ocupação destinada a jovens desordeiros e marginais no conceito do velho Hans Lauda. Esse é então o primeiro “Não” de nossa história.
Nesse primeiro “Não” que classificamos como emocional, o jovem Lauda sai prometendo a si mesmo que aquela negativa não iria acabar com seu sonho e que um dia ele faria o nome dele ser manchete nos jornais e noticiários. Assim, ele consegue um empréstimo bancário e começa a correr de Mini Cooper e em seguida disputa a Fórmula Vê, com resultados pífios.
Em 1971, Niki busca um novo empréstimo e migra para a Fórmula 2 , comprando um Kit de corridas da March e correndo entre diversos pilotos importantes. Vale lembrar que era comum os pilotos da época correrem em diversas categorias em paralelo e vários pilotos de Fórmula 1 participavam de vários campeonatos diferentes . Na Fórmula 2 , ele consegue impressionar alguns dos medalhões da Fórmula 1 e com essa visibilidade ele ingressa na Fórmula 1, em 1972, correndo na equipe March ,fazendo um campeonato discreto . Em 1973 ele se transfere para a BRM e no GP de Mônaco chama a atenção de Enzo Ferrari pelo desempenho que consegue, até abandonar a prova.
httpv://youtu.be/f7CoQbAszsY
No campeonato de 1974 Niki Lauda está sentado a bordo de uma Ferrari – que passou por uma reorganização interna em busca de resultados melhores – e as vitórias começam a acontecer. Com consistência, ele conquista o campeonato de pilotos em 1975.
Começando o ano de 1976, Niki Lauda já não é apenas um jovem promissor, mas sim o franco favorito ao título daquele ano. Tudo caminhava dentro do previsto naquele momento; ele estava com uma sólida liderança ao disputar a prova em Nurbugring , quando acontece o acidente que quase lhe tirou a vida. Foram dias em que os prognósticos eram os piores possíveis e Lauda passou por momentos em que a dor física o colocou a prova.
Em sua biografia “Minha Vida”(em tradução livre), escrita em 1985, Lauda descreve aquele período como o mais difícil que enfrentou, disse ele:
“Muitas pessoas pensariam que seria melhor para mim passar os primeiros meses após Nurburgring 1976 em um quarto escuro cercado por paz e silêncio. Minha determinação em retomar automaticamente minha carreira assim que tudo se normalizou foi desconcertante: alguns pensaram que era falta de dignidade, outros acharam um pouco apelativo.
Na Ferrari, é claro, meu retorno gerou um pouco de confusão. Me parecia que não havia uma única pessoa na Ferrari inteira que pudesse seguir uma linha pragmática até o fim. Daniele Audetto achou que estava agindo “pelos meus interesses” ao fazer ofertas clandestinas para ter o Grand Prix austríaco cancelado. O que eu realmente precisava do time era de um senso de compostura, um sentimento de continuidade, confiança. Para o mundo de fora, Enzo Ferrari e sua empresa estavam apoiando seu levemente ferido campeão mundial, mas por dentro, a insegurança de cada um deles era palpável. “
Para agravar ainda mais esse sentimento de Lauda, a Ferrari busca abertamente um substituto para ele, contratando Carlos Reutemann depois de receber a recusa de alguns outros pilotos. Reutemann faz sua estreia em Monza, apenas 33 dias após o acidente de Nurbugring.
Naquele que seria o segundo “Não” da nossa história, com conotação de muita dor física, Lauda se esforça ao máximo e contradiz todos os prognósticos possíveis com sua recuperação incrível: em apenas seis semanas o piloto aparece em Monza para disputar a corrida.
Em suas palavras ele descreve o seu retorno:
“No que dizia respeito a confiança, eu tive que dar uns pulos do meu jeito, ajudado e apoiado por Marlene, que era simplesmente maravilhosa, e Willy Dungl, que colocou meu corpo de volta a sua boa forma para caminhar, correr, e finalmente, pilotar.
Para mim, o único passo lógico era retornar a arena do campeonato mundial assim que eu pudesse segurar o volante direito. Alguns jornais da época disseram que eu deveria ter queimado alguns circuitos do meu cérebro, mas essa decisão de ação foi, de longe, a melhor que eu poderia ter tomado para meu bem-estar tanto físico quanto mental.
Ficar deitado na cama apenas remoendo isso teria acabado comigo. De acordo, eu retornei ao trabalho assim que pude – em Monza, 33 dias após a batida. Eu havia perdido duas corridas e estava a 12 pontos de diferença de James Hunt.”
Alguns jornalistas, dentre eles Nigel Roebuck, lembram de ter visto Lauda nos pits retirando as faixas encharcadas de sangue, com o rosto bastante castigado pelas queimaduras.
Lauda, que anteriormente possuia um bom relacionamento com a Ferrari, começa a perceber uma mudança no comportamento dos dirigentes do time e isso o preocupa, porém ele consegue manter o foco para encerrar a temporada.
httpv://youtu.be/3wQqFIvl29I
O problema é que, nesse meio tempo, James Hunt estava fazendo uma segunda parte de campeonato muito consistente e havia reduzido a diferença entre eles para 12 pontos. Nas provas seguintes Hunt vence em Watkins Glen e no Canadá, deixando a decisão do título para o GP do Japão com apenas 3 pontos de diferença.
Qualificando-se em terceiro, Lauda tomou uma das decisões mais corajosas da história do esporte para um homem em sua posição: sentindo-se desconfortável e inseguro com as condições chuvosas na hora da prova, abandonou o carro e o evento, deixando o caminho livre para James Hunt levar o caneco por apenas um ponto.
Sobre essa corrida no Japão o Manuel Blanco faz um belo relato na coluna “Mistérios do oriente”, que vocês podem relembrar clicando aqui.
Tendo suportado dois “nãos” até então, um emocional e outro físico, Lauda começa a se preparar para a temporada de 1977. A nossa saga vai continuar sendo relatada na segunda parte dessa coluna quando falaremos do “Não” mental que Lauda enfrenta na temporada de 1977.
Abraços
Mário Salustiano
3 Comments
Excelente! O velho Niki é certamente um dos personagens mais ricos da história da F1.
Parabéns Mario!!
E esta 2 parte será ainda melhor.
Abraço!
Mauro Santana
Curitiba-PR
Boa Mario!!!!
Excelente assunto e belo texto
Fernando MArques
Niterói RJ