Com seu jeito de James Hunt lacônico, o finlandês Kimi Raikkonen poder ter dado a ideia, quando proferiu a célebre contraordem para deixá-lo em paz, porque ele sabia o que estava fazendo. No próximo GP, domingo que vem, em Cingapura, a Fórmula 1 depara-se com novas regras a respeito das comunicações entre pilotos e equipes, via rádio. Ancorada em seu pendor crescente para o intervencionismo, a FIA listou o que pode e o que não pode ser dito durante a corrida nesse canal particular.
No site Grande Prêmio, há a relação completa, neste conteúdo. Tão logo a medida foi divulgada, as redes sociais encheram-se de opiniões, piadas e memes sobre o assunto. Em um deles, piloto e equipe comunicavam-se por um aplicativo de mensagens escritas, em uma tela localizada no centro do já congestionado volante do F1.
A alegação da FIA é conceder mais autonomia aos pilotos. Outra razão, mal disfarçada, é evitar ordens de equipe. A segunda, honestamente, acho praticamente impossível de se realizar. Desde o célebre GP da Áustria de 2002, quando Rubens Barrichello teve de ceder a vitória ao companheiro Michael Schumacher, as equipes sempre encontraram maneiras de transmitir esse tipo de mensagem, sem falar claramente o que pretendiam.
Na Alemanha, em 2010, Felipe Massa escutou a frase que deve assombrá-lo até hoje – “Fernando is faster than you” – senha para que franqueasse o caminho ao companheiro Alonso. Na Malásia, em 2013, a Red Bull pretendia que as coisas ficassem como estavam, com Mark Webber à frente de Sebastian Vettel e determinou o famoso “Multi 21”, que acabou desobedecido pelo alemão, criando mais um climão entre ambos. Se a ideia for disciplinar a conduta entre companheiros de equipe, os times darão um jeito para que seu recado chegue claro a quem de direito, sem que o resto do mundo entenda.
Já a questão da maior autonomia aos pilotos, alegada pela FIA como justificativa para a medida, levanta uma discussão interessante: será que a maioria dos pilotos quer ou está pronta para essa independência? Um dia desses, teclando com o colega jornalista Marcelo Mendez, ele se dizia encantado com a personalidade de James Hunt, depois de assistir ao já mítico “Rush – No limite da emoção”. E comentava como os pilotos da atualidade são “coxinhas”, louvando a porraloquice do inglês, campeão de 1976. Ponderei que Hunt era uma figura, curtiu tudo o que pode da vida, e morreu novo. “Mas Alê, que adianta viver até os 90 como o Vettel?”
A pergunta inspirou esta coluna. O colega tem lá sua razão, mas a frase vale outras interpretações. Uma sobre o próprio Vettel, que sempre me pareceu um sujeito feliz com o que faz, hedonista em sua simplicidade, avesso ao mundo do estrelato. E outra sobre o grupo todo de pilotos, definidos por ele como “coxinhas”. Talvez o colega esteja observando os pilotos atuais pela ótica de heróis do esporte, e a maioria deles é bem menos que isso, apenas retratos de seu tempo, em que a juventude, em especial a da elite, prefere acomodar-se nas benesses das famílias abastadas, vivendo de sucrilhos no prato, como diz o compositor Criolo, a tomar as próprias decisões.
E essa condição – com hordas de “adultescentes” espalhadas pelo mundo – talvez tenha relação com o conceito de “viver até os 90”. Nos primórdios da Fórmula 1, morria-se muito e morria-se cedo. Mas a expectativa de vida era de quanto? Quarenta e poucos anos, na média? Ora, vivamos no limite, se é no limite que gostamos de viver. Hoje, no Brasil, que não é assim nenhuma Suécia, a expectativa de vida é de 72 anos.
Criada a leite de pera e sucrilhos no prato, a geração jovem deve chegar fácil aos 90. Formar-se aos 21, casar aos 25, ser pai aos 28? Para quê? O jovem sucrilhos no prato começa a pensar no que fazer da vida quando ultrapassa a barreira dos 30 e eventualmente acha desagradável a ideia de estar morando com os pais, roupinha lavada e passada, contas pagas.
Esse segundo parto para a geração jovem, naturalmente, é postergado pela posição dos próprios pais, que ainda se veem ativos e produtivos aos 50 e poucos anos, idade em que seus pais já estavam puxando o freio de mão. E acham ideal sua prevalência financeira sobre os rebentos quase trintões. Um dia desses, ouvi de um pai zeloso por sua condição de provedor que esperava, sinceramente, que seus filhos continuassem sob sua proteção até pelo menos os 40 anos.
Os pilotos da Fórmula 1 não são diferente dos demais representantes de sua geração. O que pode parecer um paradoxo é a idade cada vez mais baixa para a estreia na categoria. No ano que vem, Max Verstappen faz sua estreia pela Toro Rosso sem ter direito a dirigir carros fora do autódromo. Tem apenas 16 anos. Dá para imaginar que um moleque como esse sabe tudo o que deve fazer e não espera nenhuma dose de comando? Come on…
Ao forjar uma autonomia que a maioria dos pilotos hoje não tem, a FIA acaba representando o papel que as empresas desempenham no mundo aqui fora. Os pais tutelam, as equipes também. Os jovens precisam se colocar no mercado, como os pilotos. No ambiente profissional, o jovem precisa crescer na marra, tomar decisões, virar gente grande. É o que a FIA parece estar fazendo. Talvez seja essa a maior contribuição da “censura” nas conversas entre pilotos e equipes, via rádio, durante as corridas.
Ao longo das transmissões, costumava ser altamente irritante a falta de atitude de alguns pilotos, perguntando para as equipes, a todo o tempo, se deveriam entrar no box ou se deveriam esperar, se poderiam acelerar fundo ou se deveriam poupar o equipamento. Sejam gente grande, pô!
Alessandra Alves
13 Comments
O que mais se questiona na Formula 1 hoje em dia é a esportividade e até quando os interesses sejam lá qual forem irão sempre sobre por ao valor do real espirito esportivo numa corrida.
A censura nos rádios de comunicação não vai mudar em nada uma situação que é existente na Formula 1 e em todas as demais categorias que é o interesse máximo da equipe em primeiro lugar …
Fernando MArques
A restrição do uso do rádio equipara-se às asas móveis, pneus sulcados, padronização de motores, à regra de dois compostos por corrida, bicos rebaixados em nome da segurança. Além do banimento de assoalhos curvos, motores turbo com pressão de verdade, susensão ativa, amortecedores de massa, competição entre fabricantes de pneus, pneus de classificação…
Não consigo enumerar de forma eficiente as artificialidades, e me entristece que alguns achem que essa ou aquela vá ser positiva para o esporte. Qualquer Jeca, tipo eu, é capaz de imaginar da forma mais simples códigos eficazes para continuar orientando os pilotos. Até os “bipes” que iniciam as conversas carregam cifras. Nenhuma medida dessa natureza vai tornar os pilotos mais machos. Imaginar que no século XXI o pináculo do esporte a motor, onde reúnem-se as tecnologias mais avançadas em tudo (tudo!) tenhamos uma lista do que se pode ou não falar ao rádio. Pra mim já é paradoxo suficiente que U$ 600 milhões em tecnologia dependam tão drasticamente de quatro pedaços de borracha.
O que eu quero ver são os carros mais rápidos do mundo, guiados pelos mais fora de série de suas gerações (que não podem ser comparadas a outras) contornando curvas da forma mais extraordinária possível. As artificialidades são um grande apelo comercial para um esporte que, para quem não é apaixonado, pode ser muito chato de assistir. O simples fato de as estarmos discutindo já é suficiente para provar que, com mais uma restrição, Bernie sempre consegue vender seu produto.
A decisão é bastante válida. Discutível apenas é a eterna mania da FIA de “mudar as regras no meio do jogo”. Neste caso não chega a ser uma mudança de regras propriamente dita, mas uma mudança na interpretação das regras, o que, no fim das contas, dá na mesma.
Discutível também é a proibição de informar ao piloto o quanto lhe resta de combustível. Como o piloto poderá administrar o seu ritmo de prova sem essa importante informação? Aí já é transformar a corrida em uma verdadeira loteria.
Por fim, resta saber como a FIA irá fiscalizar isso. Será que teremos pilotos e equipes recebendo punições ridículas por conta de “coisas proibidas” ditas no rádio? Ou a FIA interceptará e analisará as mensagens entre equipe e piloto, levando ao conhecimento do piloto somente o que for permitido?
Vamos ver o que vai dar Alessandra!
Fico aqui imaginando algumas corridas do passado como os pilotos devem ter se virado com a pouca comunicação que havia na época, e que com toda a certeza as decisões que tomaram na pista muito provavelmente fora decidida somente entre cada piloto e seus pensamentos e experiências de corrida.
Seguem alguns exemplos:
GP da Inglaterra de 87
GP da Itália e Japão de 88
GP do Japão de 89
Já imaginaram os principais personagens destas corridas listadas acima o tempo todo perguntando via rádio o que deveriam ou não fazer!?
Seria uma grande piada…
Já passou da hora dessa mulecada virar Gente Grande!
Abraço!
Mauro Santana
Curitiba-PR
O rádio na F1 é usado desde 1977, na verdade, foi o primeiro elemento do que hoje chamamos telemetria.. A emblemática placa JON X REUT foi mostrada porque os engenheiros da Williams achavam que o Lole estava com problemas no equipamento. Quem não se lembra do choro de Senna de dentro do carro em 1991? Foi o rádio que gravou! No mesmo ano, no Japão, Denis pede ao brasileiro que deixe Berger passar, para dar aquela vitória ao austríaco. Pelo rádio.
Sim Ronaldo, mais eu duvido que pilotos do calibre de Piquet, Senna, Prost ficavam o tempo se comunicando com os respectivos engenheiros para lhes dizerem o que fazer.
Os caras eram mais independentes e tinham mais atitudes, além do que, na hora de bolar uma estratégia durante a corrida, gostavam de surpreender seus adversários, como o Piquet fez ao entrar primeiro para trocar pneus no GP da Alemanha de 1986.
Essa é a questão.
Volto à questão dos carros que não quebram. É de se esperar que em matemática, genética, no tabuleiro de xadrez, conforme as peças vão avançando, as possibilidades diminuam. O regulamento restritivo é um fator, mas desde a década de 80 já víamos carros muito mais parecidos uns com os outros. A eficiência no desenvolvimento leva necessariamente ao fato de que todos queiram fazer o que o vencedor faz.
Essa coisa de mexer no acerto de dentro do carro, de acordo com as conveniências e eventualidades da prova, e para fazer funcionar um leque de estratégias pré-estudadas, dizem por aí que foi criação do Piquet. Os tanques de água, mudança de balanço de freio, válvula do turbo; por mais simples que fosse a condução é impensável que um cara a 300km/h pudesse gerenciar tudo sozinho. Você acha realmente que a decisão de entrar antes no pit ele tomou sozinho? E a troca na Austrália, será que foi ele que quis, o time que mandou ou, o mais provável, uma decisão conjunta?
Podemos concordar (doido é quem discoradaria disso), que os pilotos que você citou tinham muito mais dificuldade em aceitar determinadas situações. Portanto, as equipes já se encarregam de podar os brios dos pilotos antes até do primeiro teste, para que eles não tentem emular seus ídolos. Não estou falando que seja positivo ou negativo, mas rezar conforme a cartilha, respeitar o que está escrito no contrato, não são coisas dessa geração; a cartilha é que era muito mais interessante, não os jogadores.
Acho, portanto, injusto colocar nas costas dos pilotos o fato de eles não serem mais combativos, agressivos, por serem como cordeirinhos nas coletivas de imprensa. Tio Bernie trouxe uma liberdade muito grande para os construtores, levando uma parte maior do bolo para eles. Isso possbilitou que a F1 experimentasse um desenvolvimento tecnológico muito mais intenso, e uma competição muito mais acirrada na fábrica que na pista.
Pra fechar, uma reflexão: Sabemos que Fittipaldi, Stewart, Lauda, Piquet, Prost, e muitos outros botavam a mão na massa mesmo, iam pra garagem mexer com graxa. Mas no ponto mais alto do esporte a motor, em que até os mecânicos são pescados em universidade, em que tipo de decisão um cara que tem uma formação acadêmica deficiente, cuja vida desde muito cedo (Alonso começou aos três anos!) se resume a pilotar, poderia interferir? Tornar os carros mais simples? Pronto, acabou a F1.
Oi Ronaldo,
No antigo GPTotal, este assunto das comunicaçoes por rádio já saiu à tona. Veja a resposta que di a um leitos entao :
Em 1974 durante os treinamentos do GP dos EEUU em Watkins Glen, a McLaren testou um desses sistemas. O aparelho foi instalado nos carros de Hulme e Fittipaldi mas, nada mais sei sobre o assunto.
Porém, provavelmente, o primeiro desses sistemas a ser utilizado nas pistas foi em 1923, e aconteceu durante a disputa das 200 milhas de Brookland, na Inglaterra. O piloto Harvey, que seria o vencedor, tinha um desses sistemas de rádio instalado no seu carro – um Alvis.
A data que eu coloquei aprendi em um vídeo no youtube, que assisti há muito tempo, que narrava a última revolução de Colin Chapman, o carro asa. Em 1977, para despistar o desevolvimento do projeto, Andretti dizia que a evolução da Lotus estava acontecendo em função do rádio, desenvolvendo a telemetria. Quando em um acidente, já no ano seguinte, na hora de rebocar o carro ficou evidente pra todo mundo o formato do assoalho.
Alessandra,
Pela sua coluna, parece que você também está na dúvida sobre a validade da “censura” no rádio.
Minhas dúvidas são muito semelhantes, mas tenho esperanças de que algumas máscaras caiam e que alguns pilotos “fracos” no gerenciamento do carro e da corrida fiquem para trás, em oposição àqueles que são muito bons nestes quesitos, que deverão se destacar mais ainda.
Dentre os consagrados, penso que Alonso e Raikonen se destacarão dos demais, pois tem experiência e talento para a tarefa (julgo).
Já para Felipe Massa não sei não… tomara que ele nos surpreenda positivamente!
Minha opinião inicial é que a medida é boa, talvez possa até ser um pouco mais radical, proibindo qualquer comunicação de rádio dos boxes com o piloto que não tenha a intenção de evitar acidentes. Depois que as luzes vermelhas se apagam, os pilotos deveriam estar no comando e tomar as decisões, só assim voltarão a ser “heróis” como os dirigentes querem.
Alessandra,
esta mudança nas regras do uso do radio a meu ver não muda em nada o cenário das corridas e da relação equipe/piloto. Afinal de contas eles continuarão com aquele joystick na sua frente onde eles podem fazer quase de tudo alem de guiar é claro. Aqueles que não sabem mexer em tudo certamente irão aprender. Se ainda fosse somente um volante …
Fernando MArques
Niterói RJ
Fernando,
Não vejo o menor problema em o piloto, através dos comandos no volante, ajustar o carro para que se adapte às presentes condições de pista e corrida.
A diferença é que, de agora em diante será, o piloto quem decidirá quais botões apertar e quais ajustes fazer, e não mais a equipe. Sem o respaldo de um “supercomputador” capaz de simular as consequências de cada ajuste, caberá ao piloto a tarefa de encontrar os ajustes corretos para ser bem-sucedido na corrida.
Lucas,
também não vejo o menor problema do piloto através dos comandos do volante, ajustar o seu carro conforme as necessidades da corrida … aliás acho até legal … seja com o auxilio ou não do rádio … só acho que esta mudança na regra não vai alterar em muita coisa
Fernando MArques