Afinal, isso é esporte?

Começou bem
19/03/2012
Temporada de definições?
23/03/2012

"Ah, mas Fórmula 1 não é esporte!", dizem alguns. Verdade. Para nós, é muito mais do que isso.

Infelizmente, é esse esporte miserável que é o automobilismo que a gente ama” (Wilson Fittipaldi Jr.)

Nunca me esqueci dessa frase, dita por Wilsinho no dia da morte de Ayrton Senna, em alguma dessas entrevistas via TV. Claro que a emoção do momento é a maior responsável por sentença tão pesada, mas creio que o irmão de Emerson estivesse certo ao proferi-la.

Os fãs de automobilismo (e da Fórmula 1, especificamente) volta e meia têm de responder à pergunta “se isso é esporte”. Aqueles que lançam tal questão geralmente são da opinião de que não se trata de algo esportivo, e as justificativas variam: “é negócio”, “a máquina é que faz o trabalho”, “há muitas vítimas fatais”, etc. Variações do mesmo tema sem sair do tom, como diria Herbert Vianna.

Podemos responder essa indagação de pelo menos duas maneiras. A primeira é mais simples e direta: para que seja algo bom ou que nos agrade, tem que ser “esporte”? Por quê? E não sendo, muda o quê?

Já a segunda é mais profunda, e podemos tecer comparações com outros ditos “esportes” dos defensores da ideia de automobilismo não ser uma competição esportiva.

Hoje em dia, o MMA – Artes Marciais Mistas – tem no UFC (que seria a Fórmula 1, no sentido de ser a categoria principal) sua maior exposição. Cada vez mais popular no Brasil e no mundo. Aos poucos os sábados a noite têm se tornado ponto de encontro “para ver a luta x”. A categoria está tão popular que até já foi criado um reality show, cujo prêmio será a participação no aclamado evento.

O MMA é esporte? Dizem que, nos 16 anos do esporte (criado em 1996), nunca houve mortes. Que bom! Dizem que tem assistência médica. Maravilha! Mas na Fórmula 1 também não ocorrem mortes desde 1994, e há equipes médicas ultrapreparadas a cada GP, treino, teste.

Um esporte tem como pressuposto derrubar o adversário através de socos, joelhadas, cotoveladas, pontapés – e pode até quebrar braços, causar desmaios; o outro, tem como princípio que o conjunto carro-piloto mais eficiente ultrapasse a linha de chegada antes. E “antidesportivo” é o segundo, não o primeiro? Tem algo errado aí!

httpv://youtu.be/rj3tylFJ9MQ

Falando agora sobre o futebol, que é a maior paixão dos brasileiros e permanece como o esporte mais (re)conhecido do planeta.

Quer situação mais “negócio” do que esta? Nunca nenhuma categoria de automobilismo – e provavelmente nenhuma outra manifestação desportiva – teve tantos casos de corrupção quanto o futebol. Obviamente, por se tratar de algo tão mais popular e com tantas mais competições, há mais chances de ocorrerem “mutretas”. Mas o que impressiona é a proliferação de tais situações.

Desde Copas do Mundo (a de 1978 e a de 1962 têm igual peso de armações) até jogos de terceira divisão, passando por Campeonato Italiano, Taça Libertadorese o que mais for: juízes interferindo no resultado (seja por suborno ou ameaça), equipes entregando jogos, envolvimento de apostas, até mesmo manobras políticas para beneficiar ou prejudicar este ou aquele clube, seleção, jogador.

Uma frase de um ex-diretor do internacional de Porto Alegre resume tudo muito bem: “Diz-se que a gente não pode saber como é feita a política, o futebol e as salsichas. Sei como são feitas as salsichas, mas ainda assim como.” A podridão que envolve salsichas, futebol e política é tão vil, que só mesmo a paixão permite que prossigamos gostando de tais.

Na Fórmula 1 existe uma Federação, a FIA. Como existe uma FIFA, no futebol. Existe a CBA – como existe a CBF. Existem regras, regulamentos desportivos. Existem autoridades. Há desclassificações, punições, suspensões. Existe uma corte arbitral que decide multas, anulações.

Não interessa se há muito dinheiro e política (sujeira) envolvidos. Isso é outra questão. A verdade é que já tecemos muitas críticas a Bernie Ecclestone e Max Mosley neste espaço, mas imagino que perto de Ricardo Teixeira e João Havelange eles possam até mesmo ser considerados seres idôneos. E como um cara como Flavio Briatore volta à F1? ora, da mesma forma que Euricos e Petraglias vão e vêm do futebol.

httpv://youtu.be/tj19cUMJ5ys

Resta, por fim, o argumento de que a F-1 não é espote uma vez que a máquina é quem “faz o serviço”.

Primeiramente, é importante lembrar a enorme quantidade de treinos físicos e mentais a que os pilotos são submetidos.

Quem tiver curiosidade, há uma série de videos na internet que mostram os treinamentos dos pilotos. Há também esse ótimo artigo que detalha bem quais os esforços exigidos numa corrida, e como aquelas quase duas horas afetam o organismo, músculos e mente dos corredores.

httpv://youtu.be/mrKmWt9pT74

Muito bem. Como alguém já disse, para essas mesmas pessoas é fácil aceitar que o hipismo seja um desporto – e ele inclusive é olímpico – mas não o automobilismo. Sem necessitar apelar para o trocadilho acerca do “número de cavalos”, a Fórmula 1 é, também, uma modalidade em que o homem depende do seu instrumento, mas o domina. E o que dizer de outros belos esportes, como a “Vela”? Não depende o homem do ‘serviço’ do seu barco?

Todos devem se lembrar de dois casos emblemáticos ocorridos na Olimpíada de Sydney, em 2000. Primeiro, o “Baloubet du Rouet”, cavalo de Rodrigo Pessoa que teve a falha histórica na prova de hipismo, e depois Robert Schedit na classe laser, sendo “bloqueado” a todo o tempo pelo velejador britânico.

httpv://youtu.be/Sa5sBdEkPA0

Podemos comparar tais situações às falhas mecânicas que ocorrem nos monopostos da F1, especialmente àqueles casos de vitórias que eram dadas como certas.

No entanto, mesmo com toda a tecnologia e as discrepâncias de equipamento, a Fórmula 1 ainda assim nos proporciona momentos de magia dos quais só mesmo o ser humano é capaz. No último GP tivemos algumas demonstrações disso, como a ultrapassagem de Vettel sobre Rosberg, no início da prova, ou ainda a briga de Kobayashi com o mesmo alemão.

Há também o oposto, em que o erro do piloto é que causa algum choque ou outro tipo de acidente. Ora, não é “a coisa mais fácil do mundo” e “o computador faz tudo sozinho”? Não, não é.

Hoje, 21 de março de 2012, Ayrton Senna completaria 52 anos, se vivo. E há 30 anos acontecia um dos mais controversos GPs do Brasil de todos os tempos, prova originalmente vencida por Piquet, que seria desclassificado.

São dois “aniversários” que fazem jus à nossa paixão pela Fórmula 1, mesmo que ela não seja o esporte mais digno ou justo do mundo. São dois caras que mostraram lances de pura maestria (como aquela ultrapassagem na Hungria, em 1986, ou a primeira volta de Donington, 1993) que comprovam o quanto o ser humano é capaz de realizar coisas incríveis domando uma máquina.

Rodrigo Pessoa e Robert Scheidt, com todo respeito que merecem, não chegam nem perto desses dois.

Mas todo bônus tem seu ônus (e vice versa!), diz o ditado. Logicamente não se trata de algo perfeito, e essa mesma F1 tirou a vida de Senna e a coirmã Indy acabou com a carreira de Nelson Piquet. Mas a esperança de rever as ultrapassagens insanas, o controle do carro, as voltas rápidas… tudo isso é que nos faz amar esse esporte miserável.

Boa semana a todos!

Marcel Pilatti
Marcel Pilatti
Chegou a cursar jornalismo, mas é formado em Letras. Sua primeira lembrança na F1 é o GP do Japão de 1990.

12 Comments

  1. Rogerio Kezerle disse:

    A tecnologia atinge todos, absolutamente todos os esportes. Chuteiras especiais, camisas que ajudam a dispersar o suor, raquetes de tenis ultra-hyper-mega especiais, varas de salto de materias usados pela NASA, tenis de corridas que ajudfam na impulsão, maiôs com tecidos tecnologicos e por aí vai.
    Automobilismo não é esporte…. Ciclismo é? Ora, existe a maquina, mas o que é ela sem o homem?
    Quem acha que não é esporte, não assiata e pare de encher o saco…..

  2. Mauro Santana disse:

    Edu!

    Lembra da sua coluna “O filme de 76”?

    Olha só o início das filmagens do filme!

    http://flaviogomes.warmup.com.br/2012/03/na-telona-2/

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  3. O automobilismo foi uma vez modalidade olimpica, se náo me engano, na Olimpiada de 1928!

    • Manuel disse:

      Oi Marcos,
      acho que foi em 1900, em paris, e foi apenas em conceito de exibiçao, junto com outras disciplinas como o cricket, o croquet ou a pelota vasca.

  4. Mauro Santana disse:

    Falando de Esporte!

    O que vocês acham, Massa Fica na Ferrari, ou deixa a F1!?

    http://www.grandepremio.com.br/noticias/coluna-superpole-para-salvar-o-match-point/

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

    • Fernando Marques disse:

      Mauro,

      se continuar assim sai da Ferrari e arruma uma outra equipe para correr … a Ferrari prometeu para ele um chassi novo como mea culpa do mau resultado e rendimento do Massa na Australia … será que resolve o problema?

      Fernando Marques

      Niterói RJ

  5. Aurélio Madruga Rodrigues disse:

    Exemplo no Atletismo: Salto em distância, 100 metros rasos e a maratona. Estamos chegando ao limite do corpo do ser humano, uma obra da perfeição da natureza. Evidencia, mesmo assim, a combinação do corpo e a mente, a força e a técnica. Esquecer a MMA, basta que leiam ‘Admirável Mundo Novo’. Mas e a fórmula 1? É um esporte mesmo? Eu, desde criança, admirava as máquinas. Sim, aos 50 anos cheguei a despresar o alemão. Comparem o menino Rubinho e menino Ayrton. Ayrton teria 5 títulos. O alemão também 5. Talvez 4. Foi evidente o domínio da Ferrari nos primeiros 10 anos do século XXI. Mas já esqueci de lembrar, pois tudo é inútil. No entanto, sim, o ser humano é capaz de realizar momentos de pura inteligência, maestria, como Jim Clark (considero o maior de todos os tempos) e Ayrton Senna, meu ídolo eternamente. Adrain Newey, o projetista, também. As máquinas são concebidas pelos gênios da engenharia. A F1 arrecada bilhões de dólares. Mas apenas sentir o ‘tom’ do motor vai durar muito tempo. Não sei minha admiração pelo atletismo, até onde irá.

  6. Fernando Marques disse:

    Vale lembrar que no GP do Brasil em que Piquet foi desclassificado após vencer a corrida eu estava presente e vi Piquet fazer uma de suas melhores corridas inclusive fazendo uma ultrapassagem épica em cima do Gille Villenueve

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  7. Manuel disse:

    É um negócio de competiçao esportiva !

  8. Moy disse:

    Perfeito!

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