Autocrítica

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Interlagos 2012, assim como várias outras corridas deste ano, mostrou que pode haver uma janela aceitável de convivência no perene conflito entre esporte, tecnologia exacerbada e interesses comerciais.

A tocante autocrítica de Dilma Roussef em relação à sua participação na luta armada – “com os anos, comprovei nosso excesso de ingenuidade e romantismo e nossa falta de compreensão da realidade”, disse ela semanas atrás ao jornal El País – faz pensar: nós, saudosistas da Fórmula 1, ingênuos e românticos, não exageramos nas virtudes do passado, esquecendo os seus defeitos, o mais evidente deles sendo a morte frequente de pilotos? Sim, éramos jovens naquela época mas nem tudo o que se faz ou se defende na juventude está certo, por mais doloroso que seja admiti-lo.

Interlagos 2012, assim como várias outras corridas deste ano, mostrou que pode haver uma janela aceitável de convivência no perene conflito entre esporte, tecnologia exacerbada e interesses comerciais.

Não é o caso de renegar a “análise equivocada” que temos feito, nós no GPTotal e tantos outros analistas. A Fórmula 1 atual tem problemas enormes potencializados pela vil condução comercial da categoria pelo homem mais ganancioso e vaidoso do mundo (prefiro esta definição em oposição à normalmente reservada a Bernie Ecclestone: “o homem mais esperto do mundo”).

No entanto, é preciso colocar as coisas em uma perspectiva realista em um mundo em que quase tudo e todos são movidos pela ganância e pela vaidade e nada mais.

Talvez seja impossível viver sem elas, nos restando lutar para contê-las dentro de certos níveis e preservar os fundamentos do esporte.

Um GP ganha contornos especiais basicamente pelas suas virtudes técnicas ou por ser eletrizante. Uma vitória de ponta a ponta, sem uma única ultrapassagem, pode se tornar inesquecível pela velocidade, dificuldades da pista, eventuais problemas do carro contornados com inteligência e coragem pelo piloto. Pense em Donington 93, a magnífica vitória de Ayrton Senna sob chuva forte, subtraia a primeira volta e você terá uma corrida inesquecível, mesmo tendo havido pouca ou nenhuma disputa pela liderança.

Meu exemplo para uma corrida eletrizante é exatamente a primeira volta deste GP extraordinário. É quando há apenas fascinação, mãos crispadas, respiração em suspenso, total incerteza sobre o que acontecerá no segundo seguinte enquanto, diante de nossos olhos, se desenrolam coisas inesperadas, imprevisíveis, maravilhosas.

Quando as duas qualidades se somam, temos corridas especialíssimas, como foi o GP do Brasil 2012. Eletrizante em escala máxima, a certeza sobre quem venceu prova e campeonato só sobreveio após a bandeirada a Sebastian Vettel. Ao mesmo tempo, a corrida exigiu aptidões técnicas num grau igualmente alto de todos os pilotos que o disputaram. As condições da pista variavam em ritmo enlouquecedor, o equilíbrio dos carros sempre precário, sempre no fio da navalha. Velocidade, freios, condição dos pneus, direção, estratégias, visibilidade, variáveis, risco – exatamente como na nossa vida, só que diferente, mais rápido e compacto, resultados e consequências de cada ato sendo premiadas ou punidas em segundos.

Assisti à prova na Curva do Lago, de onde se pode ver os carros do momento em que ingressam na Reta Oposta até que retornam à reta de largada. Em muitos momentos eu simplesmente não sabia para onde olhar, de tantas coisas interessantes ao alcance dos meus olhos. Nas voltas finais, quando a chuva se tornou mais forte, o ato banal de diminuir a velocidade no final da Reta Oposta e contornar as duas pernas da Curva do Lago tornou-se um espetáculo maiúsculo. “Você tinha que manter o carro na pista, sobreviver a cada volta”, resumiu Fernando Alonso.

De Interlagos 2012 é pouco dizer que foi a melhor corrida do ano. Ela pode ser alinhada entre os GPs clássicos de todos os tempos e não é demais considera-la elegível à condição de melhor GP do Brasil de todos os tempos, mesmo competindo contra as edições de 91, 93 (as duas vitórias de Senna), 2007 e 2008 (com decisões de campeonatos especialmente disputados).

Mais de uma dezena de pilotos tiveram desempenho admirável nas condições mutantes de Interlagos. Mais fácil é mencionar os poucos desempenhos decepcionantes, Kimi Raikkonen, Nico Rosberg e Mané Webber se destacando.

Nesse link, um excelente resumo do que foi o GP.

E, de novo, bem debaixo dos nossos narizes, a RBR se sai bem mesmo tendo o carro mais lento em reta, como se viu no treino livre de sábado, em Interlagos: Webber foi quase 11 km/h mais lento que Lewis Hamilton, que chegou a 314,2 km/h no final da reta de largada. Esta situação não se alterou na corrida, apenas passando a Alonso a condição de piloto mais rápido na reta.

Definitivamente, GPs são ganhos nas curvas.

E que carros estes RBR!

No Abu Dhabi, mesmo tendo perdido boa parte da asa dianteira num choque nas voltas iniciais, Vettel conseguiu ganhar inúmeras posições, como se nada tivesse acontecido ao seu carro.

No Brasil aconteceu de novo. O choque no qual ele se envolveu com Bruno Senna e Sergio Perez foi violento o bastante para quebrar a suspensão dos dois carros. No entanto, Vettel pode seguir na prova, sem maiores consequências para seu desempenho.

Na entrevista depois da corrida, ele disse: “me disseram que o mais difícil é vencer depois de vencer. Você corre o risco de perder o foco e esquecer como chegou lá”.

O tamanho do feito do jovem alemão talvez não tenha sido devidamente louvado nestes tempos de comemorações fáceis e fugazes mas a sua disciplina de trabalho, equiparável a de um Michael Schumacher nos tempos da Ferrari, velocidade em treino e corrida e capacidade de entender com calma e foco o que está acontecendo ao seu redor justificam seu sucesso, que só pode ser considerado extraordinário.

Em agosto do ano passado, ao redigir a minha brevíssima nota biográfica que aparece no alto dessa página, cravei o favoritismo de Vettel não só para aquela temporada como para as de 2012 e 2013. Em alguns momentos deste ano, pensei que tinha errado feio mas agora, mais do que nunca, renovo a minha aposta para 2013: Vettel e Newey na cabeça!

Felipe Massa está de volta aos bons dias?

Parece que sim, felizmente. Suas confissões ao Esporte Espetacular na manhã de domingo foram reveladoras e instrutivas, deixando claro qual foi o problema que contingenciou tanto a sua carreira pós-Hungria 2009.

Palpite – apenas um palpite: para acomodar um novo complexo de boxes em dimensões como a que temos visto nos novos autódromos, o traçado de Interlagos precisará mudar. Não só a reta oposta me parece curta para instalações como as exigidas por Bernie Ecclestone como creio também não haver a profundidade necessária.

Será um desafio e tanto para os engenheiros já que é impossível a Interlagos expandir-se para fora dos seus muros. E, meu caro Chiesa, é igualmente impossível recuperar o velho traçado. As antigas curvas do Sol, Ferradura e Sargento não mais existem e não é possível combinar as ligações do S do Senna e do Laranjinha com o traçado antigo.

Interlagos, meu amigo, não há mais.

Bom final de semana a todos

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

16 Comments

  1. Mais um grande texto, Edu. Não me empolguei tanto com este GP do Brasil a ponto de colocá-lo acima de 1991 ou 2008, mas certamente foi uma baita corrida a justificar sua ponderação.
    De fato, não podemos culpar a tecnologia, mas antes as interferências externas ao esporte com o objetivo explícito de “gerar emoções”.
    Felizmente, no fim, a junção entre os melhores carros, os melhores pilotos, uma grande pista e um clima instável, sempre irá produzir corridas atraentes, para além de qualquer besteira regulamentar.
    Abraço!

  2. Carlos Chiesa disse:

    Edu, eu sei que essas curvas dificilmente seriam recuperadas exatamente do jeito que eram. Mas com algum engenho e arte, penso que seria possível recuperar o conceito delas. Um problema é que isto custa dinheiro e não será pouco. O outro problema é que fazemos tudo que tio Bernie quer. Se os novos boxes ocuparem a área entre a reta oposta e o antigo retão… adeus. Será uma pena, pois penso que seria uma atração turística rodar pelo circuito e ver, por exemplo, a antiga e desafiadora curva 3, no final do retão, onde tantos carros se amontoaram em uma certa edição da era Fittipaldi. Isto poderia estimular mais gente a gostar de automobilismo e assim diminuir um pouco a importancia para o onipresente futebol.

  3. Lucas dos Santos disse:

    Interlagos tem um excelente traçado. Não há como negar. Ouso dizer que é diferente de tudo o que existe no restante do calendário atual.No entanto a aparência do autódromo está sim meio “caída”.

    Não sei dizer o que me passa essa impressão ou o que precisa mudar. Nunca estive em Interlagos, mas enquanto eu assistia os treinos livres pela TV, teve um momento em que eu parei de prestar atenção na pista e fiquei observando apenas o que havia em volta dela. Sei lá, tudo parece simplório demais. E não estou comparando com os modernos “projetos arquitetônicos” dos autódromos mais novos. Mas sim com autódromos mais antigos como Silverstone, Spa, Monza, Suzuka, que não são exuberantes, mas têm uma boa aparência. Bernie Ecclestone está certo em dizer que o autódromo precisa de “uma plástica”. Mas não sou capaz de apontar o que estaria faltando.

    Quanto ao Edu ter afirmado que a reta oposta seria muito curta para os novos boxes eu tenho as minhas dúvidas – quanto à profundidade, prefiro não opinar. Estive olhando os novos boxes de Silverstone, a título de comparação, e a reta em que eles foram construídos não me parece ser maior que a reta oposta de Interlagos (onde posso encontrar as medidas oficiais?). Logo acredito que não é tão impossível montar os boxes ali.

    Partindo do princípio que não seja necessário mexer no traçado, acredito que um ponto crítico seria a localização da entrada e da saída dos boxes. É necessário construí-las em pontos seguros. Observando o mapa do circuito, acredito que a entrada poderia ser na curva 1, no começo da “S do Senna” e a saída não poderia, em hipótese alguma, ser no fim da reta. Ao meu ver, seria mais seguro a saída se estender até a pequena reta após a curva 5, que antecede a curva do Laranjinha.

    O que está complicado mesmo é o espaço atrás dos boxes atuais. Estive acompanhando a transmissão da SkySports – sim, tive que acessar um canal estrangeiro para ver mais detalhes do que estava acontecendo aqui no Brasil – e pude ver bem o quanto aquilo é apertado em relação aos outros autódromos. Isso acaba passando uma má impressão para quem vem de fora e, de fato, precisa ser resolvido.

    • Fernando Marques disse:

      A impressão que tenho é que Interlagos deveria receber uma reforma para receber melhor àqueles que pagam ingresso.

      Fernando Marques
      Niterói RJ

    • admin disse:

      Oi Lucas

      não sei a extensão da reta oposta, tampouco qual a extensão ideal para um conjunto de boxes padrão Bernie (o que ele quer, em verdade, é muito espaço para os camarotes…), daí ter começado aquele trecho da coluna frisando ser um palpite. Mas pensei tb na questão da entrada e saída. Por segurança, qt mais longas elas forem, melhor…
      Abraços
      Edu

    • Mauro Santana disse:

      Bom, acredito que a reta oposta de Interlagos não seja menor que as retas de largada de Valência, Cingapura e Abu Dhabi, e concordo com o Lucas na questão da entrada e saída dos box.

      Agora Edu, te faço uma pergunta:

      Se acontecer mesmo esta obra, o padock antigo será destruído?

      Abraço!

    • Edu disse:

      Oi Mauro
      nada sei sobre a obra. Não vi projeto nem definições mais precisas sobre ela
      Abraços
      Edu

    • Lucas dos Santos disse:

      Mauro,

      Li em algum lugar que o complexo antigo seria mantido e usado pelas categorias nacionais, assim como fazem em Silverstone.

      Nesse caso, quando houvesse eventos da Fórmula 1 e da Porsche GT3 no mesmo fim de semana, por exemplo, cada categoria teria seus próprios boxes e paddocks.

  4. Caique. disse:

    Belo Texto Edu!!

  5. Antonio J. P. Pinheiro disse:

    Olá amigos,

    agora essa do tio Barnie.
    reformar Interlagos.
    é isso mesmo; aos poucos vão mutilando o autódromo paulista, tal qual foi feito com Jacarepaguá.
    de interlagos so temos o resto.
    e logo não teremos nem isso.
    abraços.

  6. Mauro Santana disse:

    Gostaria de acrescentar um detalhe:

    As corridas nas pistas tradicionais, com traçado tesão, foram fantásticas, mas o que não desse(pelo menos pra mim), são as etapas em pistas como na Índia, China, Coreia, Abu Dhabi, Barein, Malasia.

    Isso aí eu não vou aceitar nunca!

    • Fernando Marques disse:

      Mauro,

      a Europa parece estar falida … a saída parece ser os paízes do petrodolares

      Fernando Marques
      Niterói RJ

    • Mauro Santana disse:

      Concordo contigo Fernando, mas poxa, as pistas construidas lá são um terror em termos de traçado, e aí nós vamos cair no mesmo papo furado, ou seja, Tilke e sua turma.

      Já faz tempo que eu vejo a F1 da seguinte maneira, pistas tradicionais e Tilkodromos, e as corridas nas pistas tradicionais eu não perco de jeito nenhum, já nos Tilkodromos, não me preocupo se aparecer um compromisso bem na hora da largada.

      Abraço!

  7. Arlindo Silva disse:

    Concordo com o Edu.

    Temos o hábito de falar que “os domingos não são mais os mesmos”, “a F1 atual não tem graça”, “os pilotos atuais são pilotos de videogame”, “as corridas atuais estão chatas” e uma série de outras coisas. Me perdoem os amigos que ainda pensam dessa forma, mas creio que talvez estejamos acompanhando a era mais interessante da categoria desde o período 1978-1983. Sendo o campeonato recém encerrado um dos melhores, senão o melhor da história da categoria.

    Sinceramente, nunca senti tanto ânimo pra assistir os GPs de F1 como nos últimos anos. É bem verdade que a escassez de tempo e as outras obrigações impedem de acompanhar os treinos da mesma forma como acompanhava no começo da década passada, mas o entusiasmo para ver os GPs é grande.

  8. Mauro Santana disse:

    Um Show, e um dos pontos altos do GP, na minha opinião, foi a disputa interna das duas Mclaren pela liderança, gostei muito!

    Edu

    Mas a curva da ferradura seria só asfalta-la, o problema sim esta na curva do Sol e do Sargento.

    Mas eu ainda acho que se quisessem, era possível sim recuperar o traçado antigo, mas o único problema mesmo é o padock, que tem que ser aos padrões das obras faraônicas lá dos desertos asiáticos.

    Abraço a todos!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  9. Fernando Marques disse:

    Tambem concordo … foi a melhor corrida do ano …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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