Boa maluquice

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Praticamente todo ano, temos uma corrida fora dos padrões na F1. Exemplos não faltam e o motivo dessa corrida insana normalmente tem um culpado: o clima. A chuva (forte ou fraca) sempre foi capaz de bagunçar uma corrida de F1, principalmente quando a precipitação não vem com tanta força. Eu tenho um hábito de sempre dar uma olhada de como está o clima no local da corrida minutos antes da largada. E faltando quinze minutos para o apagar das cinco luzes vermelhas, as arquibancadas de Hockenheim, que recebiam um bom público, estava cheia de guarda-chuvas e no grid, tendas abrigavam carros, pilotos e mecânicos. A corrida seria no molhado. Um bom sinal para uma corrida que prometia, já que a dupla da Ferrari tinha mostrado muito força no final de semana, mas num sábado tenebroso para o time de Maranello, Leclerc teria que largar do meio do pelotão e Vettel, com um capacete em homenagem ao amigo Bernd Schneider, sairia da última posição, depois de um problema no turbo fazer com que o alemão nem treinasse.

Quando o carro pilotado por outro Bernd da Mercedes, o Maylander estava na frente do grid, logo se pensou: se largaria atrás do safety-car. Estava bom demais para ser verdade. Porém, para surpresa de todos, três voltas foram dadas antes do diretor de prova anunciar que a largada seria dada com os carros parados.

Ótima notícia! A F1 iria ter uma largada de verdade no molhado. Contudo, mesmo com tantas indicações que teríamos uma bela corrida pela frente em Hockenheim, nada indicava a maluquice que aconteceu na uma hora e quarenta e cinco minutos que se seguiram.

A corrida em Hockenheim já entrou para a história como uma das mais caóticas da F1, onde aconteceu de tudo um pouco nas suas 64 voltas. O vencedor da corrida fez cinco pit-stops e deu uma rodada. Osafety-car entrou na pista quatro vezes.Boa parte dos pilotos de ponta tiveram corridas para esquecer. O criticado LanceStroll liderou algumas voltas.DaniilKvyat levou a Toro Rosso de volta ao pódio pela primeira vez desde a célebre vitória em Monza de Vettel em 2008. Acharam pouco? Quatro horas depois da bandeirada a FIA anunciou uma penalização para a Alfa Romeo e com isso a Williams marcou seu primeiro ponto em 2019. Simplesmente uma corrida para ficar na memória.

Quando surgiu com seu talento excepcional, Max Verstappen era conhecido por ser também afobado, principalmente em disputas de posição. Coisas de um garoto de 18 anos, mas havia um diamante bruto que precisava ser lapidado. Com a experiência de tratar jovens pilotos, a Red Bull teve paciência com o holandês, que foi dominando sua velocidade selvagem e a transformando em uma pilotagem cada vez mais eficaz. Mesmo ainda tendo ainda 21 anos de idade, Max Verstappen já é um piloto de F1 experiente e a maturidade lhe bateu a porta. A Red Bull não tem carro para brigar pelo título, mas Verstappen vem extraindo o máximo do seu conjunto e numa pilotagem madura, sem deixar de lado sua velocidade, o holandês venceu a corrida de hoje de forma até tranquila. Méritos também para a Red Bull, que soube fazer bons pit-stops em momentos corretos.

Hoje,cada decisão tomada influenciou positiva ou negativamente a corrida dos pilotos nesse domingo. A corrida se tornou uma loteria ao bel-prazer da mãe-natureza, com a chuva indo e voltando a todo o momento, tornando a situação de pilotos e equipes críticas.Verstappen se sobressaiu nessas condições, tendo que superar novamente uma má largada rumo a uma vitória, a segunda em 2019. Porém, Max e a Red Bull não foram os únicos a acertar.

Após o dia negro da Ferrari nesse sábado, Vettel sabia que teria um domingo duro pela frente. Mesmo ganhando oito posições na primeira volta, o alemão passou várias voltas atrás da Alfa Romeo de Kimi Raikkonen. Um ano antes, Vettel teve um acidente que lhe foi um verdadeiro turning point negativo. O alemão liderava em Hockenheim quando errou sozinho em condições similares a de hoje. Desde então, Vettel sofreu com problemas dos mais variados, principalmente com erros que não condizem com um tetracampeão. Vettel parecia sem confiança no molhado e fazia uma corrida apagada, mas quando a pista secou nas voltas finais, Vettel recobrou a confiança e passou a atacar quem via pela frente. A Ferrari estava muito forte em todo o final de semana, que foi todo no seco, e Vettel se aproveitou para ultrapassar vários carros até chegar na segunda posição, depois de largar em último. Uma corrida magistral e, sim, digna de um tetracampeão. Tomara que essa corrida em Hockenheim seja um turning point positivo na carreira de Vettel e o alemão possa voltar a ser o principal rival de Hamilton.

DaniilKvyat teve um final de semana especialíssimo. Horas antes da largada, Nelson Piquet ganhou mais um neto e Kvyat se tornou pai. O russo soube usar a estratégia a seu favor para conseguir ser segundo colocado na última relargada e mesmo superado por Vettel nas voltas finais, Kvyat chegou em terceiro e deu o primeiro pódio a Toro Rosso desde a célebre vitória de Vettel em Monza/2008. Albon seguiu a mesma toada e terminou em sexto, seu melhor resultado na F1. Kvyat e Albon conseguiram seus lugares nessa temporada nos últimos momentos e ainda assim, porque a Red Bull não tinha ninguém para colocar na Toro Rosso. Com atuações consistentes em 2019, Kvyat e Albon já se colocam na frente para se juntar à Verstappen num futuro próximo. Outra equipe que acertou na mosca na estratégia foi a Racing Point, que trouxe Lance Stroll para os boxes antes da penúltima relargada para colocar os pneus slicks e o canadense se achou em primeiro quando os líderes pararam para colocar os pneus corretos. Stroll foi ultrapassado por Verstappen e Kvyat, mas segurou muito bem Bottas antes do nórdico bater. O canadense, de qualidade técnica para lá de duvidosa, garantiu um quarto lugar para a Racing Point, que viu seu principal piloto, Sérgio Pérez, ser a primeira vítima da corrida caótica de hoje.

Se os personagens positivos foram destacados até o momento, está na hora dos negativos e é impossível não começar pela Mercedes. A montadora se preparou com esmero para a festa dos 125 anos de envolvimento com o automobilismo, paramentou seus mecânicos e engenheiros com trajes do começo do século e pintou seus carros com um lay-out diferente, que particularmente não gostei. Quando Verstappen largou mal, logo a Mercedes ponteava com Hamilton em primeiro e Bottas completando a dobradinha. Parecia que a Mercedes teria muito o que comemorar no final, mas tudo acabaria em desilusão para Toto Wolff e seus blue caps.

Hamilton teve o que ele mesmo afirmou seu ‘pior final de semana em muito tempo’. O pentacampeão esteve irreconhecível nesse domingo, errando duas vezes sozinho, sendo que num desses erros ele acabaria punido justamente. Quando chegou aos boxes com o bico arrebentado após bater na última curva, a Mercedes ficou sem saber o que fazer, com seus mecânicos totalmente perdidos. Lembrou o histórico pit-stop de Irvine em Nürburgring/1999, quando a Ferrari se esqueceu de montar um pneu no carro do irlandês. Para completar, Valteri Bottas perseguia Lance Stroll nas voltas finais com todas as chances de beliscar um segundo lugar quando errou na curva um (mesmo lugar que Hamilton o fez algumas voltas antes) e se estatelou na proteção de pneus. Bottas poderia cortar boa parte da desvantagem que tinha para Hamilton, mas acabou com zero ponto bem no final de semana em que a Mercedes anunciou que a decisão de quem será o companheiro de equipe de Hamilton em 2020 sairá no mês vindouro. Se fosse futebol, Esteban Ocon já estaria se aquecendo ao lado do campo…

Leclerc perdeu outra chance de vencer num raro dia em que a Ferrari acertou sua estratégia. Com pista molhada, o monegasco saiu do traçado algumas vezes e na última oportunidade acabou escapando na escorregadia área de escape da última curva, batendo no muro. Mesmo local que vitimou Hamilton e também Hulkenberg, que tinha toda a pinta que poderia quebrar o tabu sem pódio, mas acabou no muro e chegando aos boxes desconsolado. Para completar o dia da Renault, Ricciardo teve o seu motor quebrado, enquanto Cyril Abiteboul socava na mesa como faz Toto Wolff em dias de fúria, mas ao contrário do austríaco, a batata de Abiteboul começa a assar com os resultados ruins da Renault até o momento. Outro chefe de equipe que terá muito trabalho será Günther Steiner. Depois da corrida em Silverstone, onde os dois pilotos da Haas se eliminaram, Steiner ameaçou ambos de demissão. E não é que Magnussen e Grosjean se acharam novamente? Menos mal que ambos não perderam preciosos pontos para a Haas, mas Steiner terá outra conversa séria com seus dois pilotos.

Enquanto a Red Bull e a Honda vibrava com o resultado de hoje, dois pilotos não tinham o que comemorar em pontos diferentes da Europa. Pierre Gasly vinha de um bom resultado na última corrida, mas o acidente no treino livre na sexta não foi um bom presságio. Só que na corrida foi bem pior! O francês errou em quantidades homéricas durante as 64 voltas, foi ultrapassado pelos pilotos da ToroRosso e na última volta acabou batendo em Albon, ficando zerado, enquanto Verstappen vencia e Kvyat subia ao pódio. Está difícil defender Gasly. Assim como era difícil defender a Honda nos tempos de don Fernando Alonso. O espanhol criticava para quem quiser ouvir a Honda, mas com a montadora japonesa colocando dois carros no pódio (algo que não acontecia desde 1992) e a McLaren chegando em quinto lugar com Carlos Sainz, Alonso saiu derrotado na F1 mesmo nem estando em Hockenheim.

Com tantos problemas alheios, bastava para a Williams se manter na pista e assim seus pilotos fizeram. Porém, o carro é tão ruim que Kubica e Russell ficaram nas últimas posições. Mais dia ruim para a Williams, mas faltava a FIA aparecer. Na inspeção pós-corrida, a dupla da Alfa Romeo fui punida em 30s e com isso Kubica subiu ao décimo lugar e marcou o primeiro ponto da Williams em 2019. Constantemente superado por Russell, Kubica marcou sua miraculosa volta à F1 com o resultado de hoje.

Hockenheim sediou a corrida mais maluca dos últimos tempos, mas isso deixou muita gente feliz no paddock, na arquibancada e atrás da TV. A F1 vem de cinco ótimas corridas nas últimas seis etapas, entremeada pela horrorosa prova em Paul Ricard. Da mesma forma que não podemos nos empolgar com as ótimas corridas que a F1 nos proporcionou e dizer que está tudo bem (quando não está), também não devemos matar a F1 após corridas como a da França, como algumas pessoas tentaram fazer.

Hamilton e a Mercedes não perderão o título desse ano, nem Kvyat e Stroll se tornaram gênios. Mas uma corrida maluca como essa sempre será benvinda.

Abraços!

João Carlos Viana

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

3 Comments

  1. wladimir disse:

    Parabéns, João Carlos Viana.
    Análise perfeita do gp da Alemanha que, lamentavelmente, teve o ótimo circuito Hockenheim mutilado dessa forma. Mesmo com poucas ou nenhuma chance de ser campeão este ano Max Verstappen mostrou grande evolução este ano e poderia estar no páreo se derrotasse Bottas constantemente. Esperemos pela maravilhosa e exuberante pista de Spa Francochamps para a possibilidade de outra corrida maluca como a última caso chova novamente (em Spa sempre existe essa possibilidade). Abraço a todos.

  2. Fernando Marques disse:

    JC Viana,

    O GP da Alemanha foi mais uma boa corrida na Formula 1.
    que bom que choveu.
    que bom que a Mercedes teve um fracassinho.
    que bom que pude curtir o meu domingo da melhor maneira que gosto, fazendo o almoço da galera daqui de casa, tomando minha cervejinha e ligado na TV vendo uma boa corrida de Formula 1.
    quem dera que as demais corridas deste ano seja assim.
    Sua coluna está perfeita.
    Parabens!!!

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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