Carta ao editor

Som e fúria
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Coluna “Abaixo a feiúra”, de 21 de novembro de 2008, publicada no site Grande Prêmio, tradicional parceiro deste GPTotal. O autor, Flavio Gomes, discorre sobre a nova configuração aerodinâmica dos carros para 2009, evidenciando sua opinião sobre a falta de harmonia nas formas destes modelos recém-apresentados. Ao longo do texto, cita carros da Fórmula 1 do passado, tomados como exemplo de beleza e personalidade. Um trecho:

“(…) Os carros eram amados e admirados, tinham personalidade e caráter, um ronco próprio, uma maneira especial de entrar e sair das curvas. Hoje são todos iguais, horrendos e com cara de nada. Por conta disso, as pessoas torcem só para os pilotos, que viraram todos celebridades cheias de frescura, e esquecem do essencial, as máquinas que eles guiam.

Sou mais os carros que os pilotos, sempre. E é por isso que não torço para ninguém.”

Quando terminei de ler a coluna, que se encerra com esta última frase, achei que a instigação de Flavio valia uma reflexão. Uma breve contextualização, antes. Flavio Gomes foi meu primeiro editor, o primeiro jornalista que me contratou para trabalhar em um veículo de comunicação. Ele era editor de Esporte da Folha de S.Paulo e me escolheu para uma vaga de redatora naquele jornal, em 1991. Daí o título desta coluna – Carta ao editor. E daí minha tendência a prestar muita atenção ao que ele escreve e fala, sempre, reproduzindo uma espécie de temor reverencial herdado da jovem aprendiz face ao mestre.

O Jordan 191

Por isso, certa resistência me assalta em contestar as palavras dele. Sim, no princípio, eram os carros. Acho que nenhum piloto – em atividade, aposentado, em início de carreira ou aspirante a tal – nega que a atração irresistível dessa profissão seja o desafio de controlar uma máquina. Muitas vezes, já ouvi espectadores com pouca afinidade ao automobilismo contestar a relevância do piloto nessa equação, como se fossem apenas os carros que ganhassem ou perdessem corrida. A esses, em geral, dirijo uma resposta de obviedade cortante – sim, automobilismo é corrida de carro, não corrida de seres humanos.

Mas é aí que reside minha semente de contestação ao que escreveu Flavio. Em outro trecho, da mesma coluna, ele enumera carros que povoam suas lembranças, como exemplos de modelos bonitos e/ou com personalidade, por suas formas ultra-características:

“(…) Lotus preta JPS do Emerson, Brabham branca de frente integral do Reutemann, Tyrrell azul Elf do Stewart, Ferrari do Villeneuve, Brabham Parmalat do Piquet, Jordan verde do De Cesaris, UOP Shadow do Jarier, Renault amarela do Jabouille, Copersucar do Wilsinho, as Ligier Gitanes azuis, o March laranja Beta do Brambilla, a Arrows dourada do Patrese, a Ferrari bico de pata do Mansell, o Benetton tubarão do John Barnard…(…)”

Ele pode até dizer que citou Emerson, Reutemann, Stewart, Villeneuve, Piquet etc. apenas para identificar tais carros, já que ele mesmo se diz pouco afeito às letras e aos números que geralmente dão nomes aos carros de Fórmula 1. Mas é fato que ele se lembrou dos carros pelos pilotos. Afinal, ele se referiu à Lotus de Emerson como poderia ter se lembrado da Lotus de Dave Walker. Citou Piquet como poderia ter citado Riccardo Patrese. No fundo, a idéia de beleza e harmonia a que Flavio se refere surge como produto de uma associação de idéias – as formas do carro e a perícia do piloto.

O Brabham BT 52, do bicampeonato de Piquet

Ouso dizer que a Lotus de Emerson, que o levou ao título de 1972, com cinco vitórias na temporada, de fato é mais bonita que a de Dave Walker, o companheiro de equipe que conseguiu a proeza de encerrar o ano sem conquistar um ponto sequer. Acho que a Brabham do Piquet prevalece sobre a Brabham do Patrese, embora sejam carros idênticos. Simplesmente porque Emerson ofusca Walker impiedosamente, ou porque Piquet torna-se presença solar na companhia do simpático Patrese.

Nesta temporada, recém-encerrada, algumas duplas destacaram-se por essa diferença notável entre companheiros de equipe. Há dezenas de razão para explicar cada uma delas – a equipe trabalhou muito mais por um do que por outro, a inexperiência pesou, houve falta de afinidade com a categoria etc. Mas fica para a história o fato de que Lewis Hamilton e Heikki Kovalainen pilotaram o mesmo carro, o primeiro levou o título e o segundo, o modestíssimo sétimo lugar na temporada. Ficam para os registros, também, o quinto lugar de Fernando Alonso (61 pontos), contra o 12º de Nelson Piquet (19 pontos) e a sova aplicada pelo espanhol no brasileiro em se tratando de treinos classificatórios – 18 a 0. Mais: o jovem sensação Sebastian Vettel, oitavo colocado na temporada, somou 35 pontos (uma vitória em Monza), contra apenas quatro de seu companheiro, o francês Sebastien Bourdais. Carros iguais, pilotos diferentes.

O Ferrari que Villeneuve pilotou em 1981

Por isso, armei-me de coragem para contestar o antigo chefe. Sim, não se faz automobilismo sem carro e o carro é o ponto de atração primeiro, seja para o público, seja para os próprios pilotos. Mas o carro, inanimado, é apenas isso – objeto de atração, peça de museu. Até seu carro, Flavio Gomes, aquele DKW já mítico, com o número 96 estampado, que hoje virou isso mesmo – peça de museu – tornou-se lenda muito menos por suas qualidades como máquina, mas principalmente, e fundamentalmente, por ter sido pilotado por você.

Alessandra Alves
Alessandra Alves
Editora da LetraDelta e comentarista na Rádio Bandeirantes desde 2008. Acompanha automobilismo desde 83, embalada pelo bi de Piquet e pelo título de Senna na F3.

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