Cassino Royale

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Ponha as fichas na mesa para a próxima rodada, se souber em quem apostar. E não se esqueça de analisar o crupiê por trás do piloto escolhido.

 

Bem-vindo ao Cassino Royale itinerante de Bernie “Le Chiffre”* Ecclestone.

É cassino porque fazia tempo que a F1 não ficava tão bem embaralhada. É royale porque ele não deixa a realeza na mão, mesmo que seja árabe em um tempo em que os árabes são vistos com desconfiança crescente (para dizer o mínimo), principalmente os dirigentes há muito no poder.

A direção do cassino não dá a mínima para o povão barenita e se ele vai ao autódromo ou não pouco importa; há milhões de telespectadores no mundo todo interessados nas emoções do espetáculo, seja lá onde ele tiver lugar. Inclusive você e eu.

Francamente, não sei por que ainda se espera que Le Chiffre mostre alguma sensibilidade a problemas políticos internacionais. Todos sabemos que ele só faz isto quando seus ganhos estão ameaçados.

Este ano a pista de jogo está particularmente animada, com muitos jogadores exibindo cacifes imponentes, com grandes chances de ganhar. Nesta última rodada, por exemplo, a turma da Red Bull, que parecia meio sapo-de-fora, virou os escapamentos sei lá pra que lado e seu principal jogador, que não tinha se dado bem antes com essa inversão, acertou a mão e limpou a mesa.

A turma da Lotus foi quem soube fazer melhor uso das cartas da marca Pirelli e faturou alto com seus dois jogadores. Na verdade, todo mundo está apanhando para pegar a manha desses Pirelli 2012. São relativamente poucas cartas mas que permitem diversas combinações, misturando borrachas de consistências diferentes com temperatura, pressão e outros fatores pra lá de instáveis.

Fica difícil inclusive saber se o mérito é do jogador ou se de quem joga o jogo dos pneus.

A mesa Sakhir apresentava-se como a mais difícil para esse baralho até o momento, com muitas curvas, violentas freadas e temperaturas altas. O desgaste costuma ser elevado, principalmente por causa do calor.

Como todo mundo sabe disso, não foram só os estrategistas da Ferrari que pensaram em economizar pneus na classificação, trocando um lugar melhor no grid por mais opções de jogo durante a corrida, como se poderia pensar ouvindo as explicações do Felipe após mais uma classificação fora do Q3.

Mas o domingo veio com temperatura 10º abaixo do normal, na faixa dos 30-32º, mudando a expectativa para desgaste moderado, o que em tese permitiria stints de 20 voltas com as cartas médias e 14 com as soft. Talvez a temperatura tenha sido o maior fator para que o resultado tenha sido diferente do que se esperava, para quem apostava em McLaren e Mercedes na frente.

Os crupiês podiam pensar em duas ou três paradas mas também sabiam que precisariam estar preparados para mudanças repentinas, logo o jogo seria definido por quem tivesse mais agilidade. Chamar o piloto assim que o desgaste do jogo de pneus começasse a tornar o carro mais lento e ter pneus novos dos dois tipos na manga seriam trunfos consideráveis.

Lotus e Kimi são o melhor exemplo de como piloto e crupiê podem perfeitamente dividir méritos e fracassos. Na China, por exemplo, com pneus usados (bastante) no último stint, o Iceman tornou-se presa fácil e caiu vertiginosamente do 2º para o 14º posto. Um observador menos atento poderia dizer que ele ainda não tinha pegado a mão… não é mais o mesmo… e assim por diante.

No Bahrein foi bem diferente. Ele fez apenas uma volta no Q2 em troca de um jogo de softs zerinho. Como fez isso no início da sessão e a pista foi melhorando acabou ficando de fora do top ten, como Felipe. De qualquer forma isto permitiu que ele entrasse no jogo com o excelente cacife de dois conjuntos softs e dois médios novos. Portanto podia fazer a corrida inteira com pneus novos e escolher com qual largar. Mérito do piloto ou do crupiê?

Os crupiês calculam que um jogo de pneus novos dá uma vantagem de até 8 segundos por stint sobre os usados, na razão de 3 décimos por volta.

Como Vettel foi obrigado a usar mais pneus novos na luta pela pole, ficou com apenas um jogo de médios sem uso. Percebe como o jogo já foi se definindo desde o começo? Aquela tese de que é essencial fazer a pole não é mais absoluta.

A Lotus optou por largar com pneus macios, porque sabia que tinha o carro mais veloz com eles e tanque cheio. E Kimi fez sua parte, aproveitando essa vantagem para ganhar quatro posições.

O período em que foi ultrapassado pelo Massa e depois deu o troco lhe custou uns 3” segundos de distância do Vettel e a perda de um pedaço da asa dianteira, o que deve ter causado algum prejuízo aerodinâmico.

Mesmo assim, passou Hamilton e, indo aos boxes na volta 11, passou Alonso, Webber e Button. Voltou para a pista com softs novos e fez a volta mais rápida. Alcançou Grosjean, que calçava médios usados e ficou por ali até a volta 41. Aqui talvez ele tenha jogado fora sua chance de vitória, porque no último stint Vettel também pode usar seu único jogo de pneus novos e anular a vantagem que Kimi teve nos períodos anteriores. Talvez isso explique melhor a falta do sorriso do finlandês no pódio.

///

Outro jogo de destaque foi o de Paul di Resta, o único entre os top ten a optar por duas paradas. Para uma equipe que até o momento parece ter andado para trás em relação ao ano anterior, um 6º lugar é bastante animador. Sabendo que o Force India era o mais lento entre os 12 primeiros, tomando cerca de 8 décimos por volta em relação aos mais rápidos, os crupiês perceberam que não valia a pena tentar o Q3. Preferiram aumentar o cacife de borracha e fazer duas paradas, em tese nas voltas 19 e 38.  Lá pela 13a volta, o desgaste acima do esperado obrigou a alterar um pouco a estratégia. O crupiê sabia que seu jogador iria se tornar vulnerável no fim da corrida, com pneus muito usados, mas o jogador escocês fez diferença, poupando a borracha e ao mesmo mantendo uma média suficientemente competitiva. Contou ainda com a sorte de Button abandonar, justo o jogador que se destaca pela maestria no uso dos Pirelli. Sorte de uns, azar de outros?

Mas note o seguinte: quantos carros tiveram problemas de câmbio até o momento, como Jenson? Antes que você responda, observe que um mecânico do “riparto cambio” da Ferrari, de 32 anos, enfartou e morreu. Parece que o stress não atinge apenas as peças dos carros, também cobra vidas. Jogo duríssimo.

Ponha as fichas na mesa para a próxima rodada, se souber em quem apostar. E não se esqueça de analisar o crupiê por trás do piloto escolhido, bem como a turma que cuida do câmbio.

Bom final de semana

Carlos Chiesa

 

*Le Chiffre: o algarismo, a cifra, em francês.

 

 

 

 

 

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

7 Comments

  1. Carlos Chiesa disse:

    Fico feliz que você tenha gostado, Carlos. Penso que precisamos encontrar sempre um o angulo positivo, mesmo quando parece não ter nenhum. Pelo menos nos divertimos um pouco, não?

  2. Fernando Marques disse:

    Olá amigos do gepeto …
    Ninguem vai falar da Indy em São Paulo?

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Carlos Chiesa disse:

      Não sei se alguem vai falar, Fernando, mas a mim parece outro tipo de roleta. As estratégias parecem estar em boa parte baseadas na possibilidade de ocorrer bandeira amarela. Bem, bandeira amarela não deveria ser um elemento habitual para jogar um piloto do 4º ou coisa parecida para o 17º lugar, fazendo com que ele fique perplexo, como ocorreu com o Tony Kanaan. Bandeira amarela existe exatamente para que os pilotos andem mais devagar e não é isso que o público paulistano, acostumado com congestionamentos diários, quer ver, não?

    • Mauro Santana disse:

      Olá Fernando!

      Eu vou falar:

      O Barrichello já começou com a sua choradeira de sempre, e olha, até que demorou 4 corridas pra isso acontecer!

      Abraço!

      Mauro Santana
      Curitiba-PR

    • Fernando Marques disse:

      CArlos e MAuro,

      pelo menos a corrida foi divertida … achei bacana ver Bea Figueiredo em certo momento da prova andando em 5º lugar … não resta duvidas que a Indy é outro tipo de roleta … mas pelo menos não tem o Galvão falando bobagens …

      Fernando Marques
      Niterói RJ

    • Fernando Marques disse:

      Se bem que o Luciano do valle tambem é um mala sem alça dos bons …

      Fernando Marques
      Niterói RJ

  3. Já estava com saudades das matérias deliciosas e que dá aos amantes do automobilismo um prazer indescritível de saborea-las e desta vez nos sentirmos num verdadeiro jogo de sorte e azar. Tudo isto com maestria e profundo conhecimento do que está escrevendo. Amo f1 desde que assisti um tape do GP da Italia de 1971 na saudosa TV Tupi. E que saudade dos meus ídolos , carros e pistas do passado! E quero lhe agradecer por proporcionar em suas matérias o que sinto neste momento e em vários outros que me proporcionou. Obrigado Carlos Chiesa.

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