Contos de Monza

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03/09/2020
O Conto do Vigário 3
10/09/2020

O lendário circuito de Monza esconde por trás das suas curvas inclinadas e suas longas retas muitos contos em quase cem anos de história. Doze anos atrás aconteceu um dos seus mais famosos contos. Um imberbe e talentoso alemão chamado Sebastian Vettel se aproveitou de um atípico final de semana chuvoso de F1 em Monza para não apenas conquistar a pole, como vencer de forma enfática o Grande Prêmio da Itália, correndo por uma equipe que até três anos antes era sinônimo de chacota quando se chamava Minardi. Correndo sob as asas da Red Bull na Toro Rosso, Vettel se tornou um tetracampeão alguns anos depois.

Ao norte, uma crianças francesa assistia ao feito de Vettel e provavelmente sonhou que poderia um dia emular o grande desempenho do alemão. Pierre Gasly tinha 12 anos de idade em setembro de 2008 e já corria de kart com sucesso em seu país, ao lado do seu inseparável amigo Anthoine Hubert. Sonhando com a F1, Pierre sequer tinha visto um compatriota seu vencer na categoria, pois Olivier Panis conseguiu sua inesperada e histórica vitória em Mônaco apenas três meses depois de Gasly nascer.

Da mesma forma como Vettel em 2008, Gasly saboreou uma vitória inesperada e histórica no templo de Monza com seu Alpha Tauri (sucessora da Toro Rosso). Ele estava no lugar certo, na hora certa para se tornar o 109º piloto a vencer nos setenta anos de F1.

Por coincidência, no sábado revi o Grande Prêmio da Itália de 1987, quando um sublime Nelson Piquet derrotou um inspirado Ayrton Senna. Porém não irei falar da corrida em Monza de 33 anos atrás, mas como os procedimentos mudaram nesses anos todos. Quando um carro quebrava em 1987 e o piloto o estacionava ao lado da pista, uma bandeira amarela era mostrada e a corrida continuava normalmente. Nessa prova, até uma parte considerável da lateral da Ferrari de Alboreto voou em plena reta dos boxes e nem por isso a corrida foi neutralizada. Na volta 17 da corrida de ontem, Kevin Magnussen teve um problema em seu Haas e mesmo bastante próximo dos boxes, resolveu deixar seu carro na entrada do pit-lane. A bandeira amarela foi mostrada e Magnussen saiu rapidinho do seu carro. Em outros tempos, o carro seria empurrado ou rebocado dali e corrida que segue. No entanto, vivemos tempos bem diferentes. Ao lado do carro de K-Mag haviam apenas três comissários, muito provavelmente pelo limite de pessoas dentro do circuito, e nenhum guindaste. Desde 2014, quando a FIA forçou a barra para ter uma corrida em meio a uma tempestade em Suzuka e isso acabou por influenciar no acidente fatal de Jules Bianchi, a entidade passou a ter cuidados ainda maiores com a segurança, com receio de outra atitude irresponsável como aquela. Juntado os poucos comissários no local, o cuidado excessivo da FIA e a alta velocidade da entrada dos pits em Monza, o diretor de corrida Michael Masi colocou o Safety-Car na pista, mudando todo o panorama da corrida e proporcionando o mais aleatório dos pódios nos últimos tempos.

Há anos se discute a intromissão da direção de prova no andamento das corridas e a atitude de Masi definiu tudo o que aconteceu depois da entrada do SC, num até então morno Grande Prêmio da Itália. Hamilton liderava desde a largada e partia impávido rumo a 90º vitória na F1, algo que a organização da corrida ‘previu’ erroneamente após a classificação. Gasly era apenas décimo colocado, sendo pressionado pelo seu companheiro de equipe Kvyat. Com a entrada do SC, assim como num acidente de avião, uma série de fatores aconteceu para que Gasly vencesse a prova. Primeiro que Hamilton não viu uma placa luminosa à esquerda da pista e logo que percebeu que o SC estava na pista, embicou sua Mercedes rumo ao pit-lane, vendo uma ótima oportunidade para trocar seus pneus e ficar na pista até o final. Numa equipe entrosada como a Mercedes, foi um erro crasso, onde faltou uma voz no rádio dizendo ‘stay out’, como ocorreu com todo o resto do pelotão, incluindo Valtteri Bottas.

Alguns pilotos já tinham feito suas paradas quando o SC estava na pista e a punição para Hamilton (e Giovinazzi) era esperada a qualquer momento. Um deles era Gasly, que relargou em terceiro, antes de Charles Leclerc estampar o guard-rail da Parabolica bem ao estilo de Derek Warwick em 1990. Ou pior, bem no final de semana em que a F1 lembrou dos 50 anos da morte de Jochen Rindt na mesma curva. Felizmente, a segurança é outra e Leclerc saiu serelepe da sua Ferrari e admitindo seu erro. Uma rara bandeira vermelha apareceu e deu a oportunidade para que Lance Stroll, que ainda não tinha parado, trocasse seus pneus e estivesse numa ótima posição para vencer a corrida.

Os deuses do automobilismo, porém, estavam bondosos em Monza e vimos o real Lance Stroll espalhar a farofa, acabando com sua grande chance de vencer na F1. Primeiro, o canadense largou de forma horrorosa e no ardor de conseguir se recuperar logo, acabou saindo da pista, entre as duas McLarens. Quando Hamilton foi aos boxes cumprir sua penalidade, Gasly assumiu a primeira posição para não mais perdê-la. Porém, não teve sossego nas últimas voltas. Carlos Sainz ultrapassou Stroll e foi tirando a diferença. Ele era mais rápido, mas alcançou Gasly quando faltavam apenas duas voltas. O final da corrida lembrou as derradeiras voltas do GP da Áustria de 1982, quando os surpreendentes Keke Rosberg e Elio de Angelis foram para uma luta mano a mano nas últimas voltas para ver quem estrearia no alto do pódio na F1. Sainz tentou, colocou de lado, mas não tentou nenhuma manobra banzai e se manteve em segundo. E assim Pierre Gasly conseguiu a 80º vitória para França e viu o belo hino do seu país tocar mais uma vez, acabando com 24 anos de jejum.

Na penúltima volta, Sainz falou, com os dentes trincados, ao seu engenheiro que queria essa vitória. Olhando para a perspectiva que o espanhol tem para 2021, ele tem mesmo que pensar em ganhar logo esse ano. Sem maiores surpresas, a Ferrari passou outro vexame em sua casa e a desculpa do fraco motor italiano não cabe quando Kimi Raikkonen, com o mesmo motor e uma claudicante Alfa Romeo, ficou a corrida inteira na frente dos pilotos da Ferrari.

Monza pode judiar muito dos freios, mas o freio traseiro de Vettel pegar fogo como uma braguilha de um ferreiro com apenas seis voltas apenas ilustra o quão mal está a Ferrari. O estranho erro de Leclerc tem muito a ver com um carro desequilibrado, enquanto o monegasco tentava andar mais do que a Ferrari. Como falou Vettel depois da corrida, pelo menos não tinha torcida nas arquibancadas para ver tamanho vexame.

Esse final de semana teve como marco a saída da família Williams da F1. Frank, já debilitado pela sua longa deficiência, pouco ia às pistas, deixando a equipe para a sua filha Claire desde 2014. Frank é de uma estirpe de donos de equipe apaixonados por corridas e que economizavam todo centavo para investir. Frank foi um idealista quando convenceu os árabes em investir em seu pequeno time, trazendo dinheiro de um país para a F1. A Williams se tornou uma referência em tecnologia e vitórias, mas os tempos de Frank ficaram para trás. Hoje uma equipe é praticamente uma multinacional, com investimentos na casa das centenas de milhões de dólares.

A parceria com a BMW foi o último suspiro da Williams como uma equipe grande. Frank ainda resistia a entregar sua amada equipe a uma grande montadora. A força dos motores Mercedes no início da era híbrida ainda escondeu os erros de Claire no comando da equipe Williams e na medida em que as outras montadoras se aproximaram dos alemães, a Williams foi caindo. Frank talvez esperasse que Claire modernizasse a equipe e o time ainda estaria com a família, mas ela só viu uma forma de gerir uma equipe de F1, que era a de Frank. Com a equipe vendida a um grupo investidor americano para não fechar, a família vai embora, deixando-nos órfãos dos famosos garagistas.

A Globo fez uma rapidíssima homenagem a Williams antes da corrida, mostrando alguns dos seus campeões e, claro, Senna. Só que simplesmente esqueceu-se de mostrar Nelson Piquet, que foi campeão na equipe. Sou um dos que lamentam o fim das transmissões do Grupo Globo da F1, mas são essas atitudes que fazem muita gente comemorar a saída da Vênus Platinada da F1.

Em meio ao caos de uma corrida que se mostrava previsível, Monza nos mostrou outra história para nos lembrar. Assim como Vettel, Gasly se tornou um piloto da Red Bull e chegou à F1 em 2017 pela Toro Rosso. Um segundo bom ano o fez subir à equipe Red Bull em 2019, mas o francês não se adaptou à equipe e às severas pressões de Helmut Marko. Pouco mais de um ano atrás, Gasly era humilhantemente rebaixado à Toro Rosso, bem no final de semana em que seu amigo Hubert falecia num acidente de F2. Ainda em 2019, Gasly conseguia seu primeiro pódio e andando na mesma equipe de Vettel, agora conhecida como Alpha Tauri, vence de forma empolgante pela primeira vez na F1.

Hamilton não deixou de ser favorito ao título de 2020, principalmente tendo como companheiro de equipe um piloto sorumbático como Bottas. Mesmo tendo um final de semana horroroso em Monza, a Red Bull não deixou de ser a segunda força da F1, principalmente com Verstappen. Essa atípica temporada de 2020 talvez não tenha outra corrida como a desse domingo, com um improvável pódio com Gasly, Sainz e Stroll. Porém, são histórias de superação como a de hoje que nos fazem ficar na frente da TV para ver essa coisa maravilhosa chamada F1.

Abraços!

João Carlos Viana

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

1 Comments

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