Depois de Colin – Parte 2

Que fase, John Watson!
11/02/2022
O que será da F1 2022?
17/02/2022

Leia a 1a parte desta coluna: https://gptotal.com.br/depois-de-colin-parte-1/

 

A temporada de 1983 começou com uma expectativa enorme dada as mudanças que estavam acontecendo, o efeito asa havia sido banido e os carros vinham com desenhos diferentes ao que os projetistas haviam pensado em meados do segundo semestre de 1982, a parte inferior passou a ser plana e sem as saias laterais que direcionavam o ar pela parte inferior.

Havia também a percepção que naquele ano apenas os carros com motores turbo seriam de fato competitivos e que seria com um motor turbo que um piloto se sagraria campeão, fato confirmado ao final da temporada, com o brasileiro Nelson Piquet tendo a primazia e pioneirismo de abrir a lista de pilotos campeões com motor turbo.

Todas as equipes consideradas grandes ou tradicionais disputaram aquele ano com motor turbo, exceto a Tyrrell que se manteve fiel ao Ford-Cosworth, que dispôs da versão DFY.

Das equipes tradicionais três delas, Lotus, Williams e McLaren, tiveram motores turbo entrando em operação em 1983, mas eles começariam a temporada ainda usando versões de carros com motor aspirado, no caso da Lotus em seus primeiros GPs do ano os carros eram divididos em versão turbo o modelo 93T e o modelo 92 sendo a versão com motor aspirado.

Para aumentar a competitividade do seu carro aspirado, a Lotus introduziu uma nova tecnologia empolgante, a suspensão ativa, que era um dispositivo que mantinha uma altura do carro constante em todo o percurso na pista visando maximizar a aderência e, portanto, o desempenho.

Curioso saber que Chapman havia participado da concepção dos carros para 1983 e que já estava em sua mente a opção da suspensão ativa, ele já enxergava nesse tipo suspensão o potencial necessário como parte da solução de entrega de aderências bem acima do que estava disponível, a sua morte prematura de fato fez com a que a Lotus tivesse uma ruptura de continuidade muito grande em seus planos de voltar a vencer.

Outro fator que prejudicou o uso dessa solução foi a escolha do piloto para desenvolver e competir com o carro com essa suspensão, o inglês Nigel Mansell.

Nigel Mansell foi o piloto da Lotus encarregado de competir com suspensão ativa em 1983.

O inglês de 29 anos fez sua estreia na F1 no Grande Prêmio da Áustria de 1980, fez naquele ano apenas 3 corridas pela equipe, em 1981 com a saída de Mário Andretti ele assumiu um carro como segundo piloto.  Mansell era apontado por Colin Chapman como um futuro Campeão do Mundo, eles mantinham uma relação próxima, e a dupla parecia como pai e filho.

Infelizmente, o mesmo não pode ser dito da relação entre Mansell e Peter Warr. No retorno de Warr houve um choque de personalidades entre ambos, com os dois às vezes achando difícil tolerar um ao outro. Sem a proteção de Colin Chapman, Mansell ficou sem dúvida sob a mira constante e crítica de Warr. Apesar do otimismo inicial com a suspensão ativa, havia muitas limitações tecnológicas naquele ano por parte da eletrônica e o sistema nunca funcionava bem, isso aliado ao fato que Mansell logo ficou bastante perturbado com a imprevisibilidade do sistema e hoje sabemos que a sua característica como piloto nunca foi a de desenvolvedor, tornou o sistema inviável como arma competitiva, ao menos naquele ano.

Abrindo aspas, é irônico saber que o piloto que primeiro usou esse tipo de suspensão acabou sendo um crítico ao seu uso e não ajudou em quase nada no seu desenvolvimento, viria dez anos depois a ser o primeiro campeão usando um carro totalmente feito com a solução da suspensão ativa como arma competitiva, fecho aspas e volto ao tema.

Já o principal piloto da equipe, Elio De Angelis, receberia o Tipo 93T que foi equipado com o motor turbo da Renault, o “T” significando turbo, esse carro foi o último carro a receber sugestões do próprio Colin Chapman e, como o modelo 92, diferia muito em aparência do Tipo 91 que havia competido em 1982.

No entanto, o modelo 93T permaneceria com o uso da suspensão passiva, um fator para isso foi a recusa da Renault que se opôs aos engenheiros da Lotus na sugestão de instalar uma bomba hidráulica do sistema ativo em seu motor.

Chapman, que mantinha relações comerciais com a Renault desde à década de 1960, quando a marca francesa fornecia motores para o carro esportivo da Lotus, o Europa com motor central, poderia muito bem ter usado suas habilidades de fala mansa para convencê-los a permitir a suspensão ativa do 93T. No aspecto interno da equipe, Chapman também teria incentivado Mansell a trabalhar melhor no desenvolvimento da suspensão ativa.

Talvez, com toda a agitação e turbulência dentro da equipe durante 1983, bem como suas responsabilidades adicionais, Peter Warr não estivesse em posição de ser tão forte em suas decisões, muitos fatores que foram se somando após a morte de Chapman e que levaram a Lotus aos poucos a uma decadência.

Outra questão de bastidores que impactaram a Lotus foi quanto a escolha dos pneus para a temporada de 1983, o fornecedor de pneus da Renault, a Michelin, considerou que um carro com turbocompressor era mais bem adequado às características dos pneus radiais, ao invés das lonas cruzadas que eram predominantes no esporte desde seus primeiros dias.

Nesse contexto dos pneus a direção da Renault tomou uma decisão polemica ao impedir que a Michelin pudesse fornecer seus pneus a equipe Lotus, talvez com medo de ficar atrás em uma comparação direta com uma das equipes reconhecidamente mestres do design de chassis, afinal para os franceses e por todo o investimento feito, eles queriam em 1983 ter a primazia de serem campeões.

Politicamente Chapman também fazia falta nessa seara.

Sem Michelin e nem a Goodyear como opções, restou a Warr sua única outra opção, que era a Pirelli, que era relativamente nova naquela altura da F1 moderna, tendo ingressado apenas em 1981 fornecendo pneus para as equipes de fundo de grid.

No teste inicial na pré-temporada em Paul Ricard, o Lotus 93T rodou extremamente rápido, especialmente em comparação com os Renaults de fábrica com seus motores idênticos, equipados com Michelin.

Peter Warr tratou de garantir termos favoráveis ​​em troca de um contrato de vários anos como principal cliente da Pirelli, essa parceria de longo prazo acabou sendo catastrófica para a Lotus, na visão de Warr o importante era o motor turbo, ele não olhou num contexto mais ampliado que a Pirelli ao retornar a F1 não estava naquela altura fazendo os investimentos necessários para se equiparar a Michelin e a Goodyear, em 1983 a Pirelli tinha em seu currículo uma última vitória em  um Grande Prêmio em 1957.

A posição de Peter Warr talvez não pudesse considerar esses detalhes mais delicados antes de escolher a Pirelli, devido às muitas peças que teve de recolher e voltar a agregar em Ketteringham Hall após a morte de Chapman.

Ao longo de toda essa turbulência que a equipe vinha sofrendo o patrocinador de longa data, John Player, manteve a fé na nova estrutura de gerenciamento, o que significa que o 92 e o 93T competiriam com o icônico preto e dourado do John Player Special.

Quando a temporada de 1983 da F1 começou com o Grande Prêmio do Brasil, disputado em Jacarepaguá, a soma de todas as decisões teve um impacto nos resultados da Lotus, mas não da forma como era esperado.

No calor do Rio, os pilotos descobriram que os pneus Pirelli esfarelavam muito rápido, era difícil fazer 6 voltas seguidas com o mesmo jogo de pneus, enquanto o motor turbo da Renault não se mostrava confiável. O piloto líder De Angelis se qualificou no carro com motor turbo, por causa de problemas técnicos ele foi forçado a largar com o carro reserva equipado com motor Cosworth. Depois de chegar à bandeira quadriculada em 13º lugar, o italiano viu-se desclassificado por ter utilizado motores diferentes na qualificação e na corrida. Ele ficou furioso porque a equipe sabia de antemão do regulamento e não o avisou, deixando-o competir desnecessariamente.

O restante da temporada de 1983 foi de pura agonia, tanto para De Angelis como para Mansell.

Os pneus não aguentavam mais do que 6 voltas, nem mesmo a adoção da parada para reabastecer, que havia voltado em 1982 com a Brabham, que permitia trocar os pneus ajudou muito a equipe, houve GPs em que simplesmente com tanta troca chegou a faltar jogos novos de pneus para colocar em seus carros, ao final de 1983 a Lotus rompeu o contrato com a Pirelli e disputou a temporada de 1984 com pneus Goodyear.

No balanço final da temporada de 1983 a Lotus disputara os 15 GPs com dois pilotos, ou seja, foram 30 participações, dessas em 20 vezes seus pilotos abandonaram com problemas mecânicos , nos 10 resultados onde seus carros terminaram, eles juntos somaram 11 pontos, Elio de Angelis pontuou apenas na corrida da Bélgica marcando 2 pontos pelo quinto lugar, Nigel Mansell, terminou 4 vezes na zona de pontuação, seu melhor resultado foi um terceiro lugar e com direito a pódio no GP da Europa disputado em Brands Hatch, valendo ressaltar que esse GP foi o penúltimo da temporada, De Angelis marcou a Pole e Mansell largou em terceiro e terminou nessa posição enquanto o italiano após largar andou em segundo e abandonou após 10 voltas, parecia que para 1984 a Lotus voltaria aos bons tempos.

A temporada de 1984 foi bem melhor que a de 1983, sem dúvida, foi um campeonato disputado em 16 GPs, Elio de Angelis pontuou em 11 ocasiões e terminou em terceiro lugar na tabela geral de pontos tendo marcado 34 pontos, perdendo apenas para a dupla dominante daquele ano, Niki Lauda e Alain Prost, ambos da McLaren. Já Mansell com sua inconstância de resultados pontuou em 5 ocasiões, ele marcou 13 pontos.

Para Peter Warr ficara ainda um gosto amargo de ter visto 4 equipes vencendo GPs, enquanto a Lotus não obtivera nenhuma vitória, a McLaren foi a equipe dominante com 12 vitórias, seguida da Brabham com 2 vitórias e a Ferrari e Williams obtendo cada uma 1 vitória, as críticas de Warr se voltaram para seu desafeto Nigel Mansell, ele queria um piloto vencedor em seu time.

E se era para buscar um vencedor, por que não buscar o piloto jovem mais promissor daquele ano?

Ayrton Senna foi o escolhido, e em agosto de 1984 o anúncio de sua contratação foi feita e com direito a polemica, pelo rompimento com a Toleman, mas ao mesmo tempo vista como uma jogada perfeita de Peter Warr.

Os acontecimentos com a chegada de Senna na Lotus serão abordados na terceira parte dessa coluna, dia 3 de março.

Até lá

Mário

 

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

3 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Por favor … leiam alma e não lama no comentário …

    Fernando Marques

  2. Fernando Marques disse:

    Mario,

    muito bom a parte 2 “Depois de Collin” … gostei do enredo … gostei da forma como você tratou do assunto, ainda mais sabendo que a morte de Colin Chapman está cheio de obscuros e segredos sobre a real situação dele perante a justiça inglesa … acho que você foi justo e correto apenas visando o lado esportivo e técnico do que pode ter realmente levado a Lotus a falência e ao seu fim … isto é a lama do GP Total …

    Após seu falecimento, até pelo conhecimento técnico que tinham, a Lotus produziu bons carros, apesar de nem todos permitir a equipe brigar por títulos … esteve perto disso em 1982 quando Elio de Angelis foi um dos postulantes mas aquela temporada foi repleta de tragédias e minou quem realmente tinha o melhor carro que foi a Ferrari … se não fosse o acidente do Pironi, a Ferrari levava o caneco certamente … e quem nem pensava em brigar pelo título, caso da Mclaren, Lotus e Willians, foi entre eles que a temporada foi decidida … mérito do Keke Rosberg qque apesar de ter vencido apenas uma corrida, foi o mais regular … 1982 foi um ponto fora da curva por tudo que aconteceu …

    Mas voltando a Lotus, ela tentou continuar inovando … a suspensão ativa é prova disso … e ela ganhou um fôlego muito bom quando Ayrton Senna assinou com eles … talvez tecnicamente falando, e assim como Mansell, Senna não era bom em desenvolver um carro … e talvez por isso não teve mais sucesso que conseguiu quando piloto da Lotus … mas o carro de certa forma era bom e permitiu ele obter vitórias e até brigar como azarão por títulos (86 e 87) onde conseguiu sentir o gostinho de ser líder de um campeonato …

    Discordo de um comentário na parte 1 onde Piquet foi acusado de levar a Lotus a falência em razão do alto salário, o maior já visto até então na Formula 1, em vez de investir no carro … primeiro que certamente a Honda ao menos bancou uma boa parte deste salário, afinal foi Piquet que deu a Honda seu primeiro título mundial … segundo que se o carro fosse realmente bom, até por que tinha o melhor motor, Piquet teria produzido muito mais … até por que duvido que Nelson recusasse em cumprir todos os cronogramas do testes … em 89 já com motor Judd aí não tinha como …

    Mas creio que apesar de tudo o que aconteceu depois de 1989, acabou sendo crucial para a sobrevivência … foi aí que as chamadas equipes garagistas começaram a perder fôlego com a entrada das grandes montadoras. E neste ponto a primeira a ser atingida por esta nova realodade foi a Lotus … Vale lembrar que os primeiros anos da Formula 1 foram dominadas por montadoras como Alfa Romeu, Mercedes, Maserati e Ferrari que sempre foi as duas coisas (equipe de corridas e montadora).

    Acho que a Lotus até tentou isso mas nunca produziu o seu motor …produziu belos carros esportivos (Lotus Europa maior exemplo) mas não conseguiu alcançar o patamar da Ferrari …

    Acho super legal a história da Lotus … ela foi campeã e a melhor equipe dos anos 60, produziu grandes campeões. J. Clark, G. Hill, J. Rindt, Emerson Fittipaldi emolduram essa linda história … é ícone na Formula 1 …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  3. wladimir disse:

    Curioso como Peter Warr nunca reclamou de Gerard Ducarouge que desde que chegou à Lotus adquiriu a mania de projetar carros com a mesma deficiência: rigidez torcional de uma banana cozida. Um chassis mais estável não obrigaria Mansell e Senna a correrem no limite do equipamento (ou acima do limite, no caso de Mansell) e estarem sempre sujeitos a quebras ou panes secas. De fato Mansell nunca foi desenvolvedor e o modo como desperdiçou a maior chance de vitória em Mônaco/84 ao apertar o ritmo enquanto liderava em vez de administrar a liderança deve ter sido frustrante. Sem mencionar a pole em Dallas que terminou na cena mais famosa da temporada: o desmaio do inglês ao empurrar o carro naquele calor desértico! Já Elio de Angelis era ótimo pontuador mas em 85 Senna chegou e levou a Lotus de volta às vitórias depois de três anos nas barbas do piloto pianista Romano, que nunca teve oposição tão acachapante quando competia ao lado de Mansell que em boa hora foi para a Williams. Mas a equipe já estava numa espiral descendente que nem Senna, nem Piquet podiam reverter.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *