Direto ao ponto

“Sonhar não custa nada 2.0” – parte 1
17/11/2017
“Sonhar não custa nada 2.0” – final
22/11/2017

Vamos direto ao ponto: Não há muito que dizer sobre a conquista de Marc Márquez de mais um título na semana passada em Valência. Apenas ratificou que o espanhol não está aí para fazer figuração. O negócio dele é ganhar e buscar todos os recordes possíveis. Não resta a menor dúvida de que o menino de Cervera é o melhor piloto do momento, uma coisa que os fãs de Valentino Rossi vão ser obrigados a se acostumar.

Não que Valentino já não tenha feito isso. Quem acompanhava o Mundial de Motovelocidade entre 2001 e 2005 sabe do que estou falando. De Honda ou de Yamaha, Rossi venceu tudo, brilhou como nunca e, ao contrário do que se esperava, as corridas foram crescendo em interesse, porque o piloto e seu fã clube sempre davam um jeito de inovar com comemorações engraçadas, o que deixava o clima muito leve e divertido. Uma pena que a transmissão para o Brasil tenha sido tão limitada na época.

Aliás, é nisso que Márquez e a MotoGP vão ter que trabalhar para o futuro. A velocidade está lá, a fome de vitórias também, assim como a bela pilotagem, derivada das corridas de Dirty Track. O espanhol, no entanto deu um tiro no pé ao atrapalhar o campeonato de Rossi em 2015. A prova disso foram as poucas reações ao seu hexacampeonato no Brasil e em outros cantos do mundo. Houve congratulações? É claro, mas a resposta geral foi simplesmente indiferente.

A prova de que Márquez realmente cooperou para o título de Lorenzo em 2015 foi sua própria corrida em Valência em 2017. Pilotando uma Yamaha M1 com pneus macios, Johann Zarco tomou a liderança e manteve-se lá até restarem poucas voltas para o final, quando o espanhol deu o bote e assumiu a ponta – antes de quase colocar tudo a perder passando reto na curva 1, diga-se.

Para o observador atento, o comportamento da moto de Zarco foi exatamente igual à de Lorenzo em 2015. Naquela ocasião, ainda competindo pela Yamaha, o espanhol largou na ponta, mantendo-se firme até restarem dez voltas para o final, quando começou a perder ritmo (assim como Zarco) e Márquez colou em sua rabeta. O espanhol, no entanto, não esboçou qualquer menção de ultrapassagem, coisa que até o normalmente apático Dani Petrosa chegou a fazer.

Ao intrometer-se na briga entre os ferrenhos rivais Rossi e Lorenzo (e favorecendo o conterrâneo) para frear o 10º título do italiano, Márquez entrou em rota de colisão com sua enorme massa de fãs e mostrou que é um piloto capaz de tudo, até de atos questionáveis para conseguir seus recordes, o que nem sempre uma coisa muito legal. Vide a fama que Michael Schumacher e até Ayrton Senna ficaram após algumas polêmicas (que todo mundo sabe quais são) em suas carreiras.

Posto isso, voltemos a 2017, onde Lorenzo se meteu em mais uma polêmica. Agora de Ducati, correndo em quarto lugar, o espanhol precisava dar passagem a seu companheiro de equipe Andrea Dovizioso, que ainda brigava pelo título. O italiano tinha que vencer e torcer para que Márquez chegasse abaixo de 12º, o que por alguns minutos quase chegou a acontecer. Mas adivinhe se Lorenzo fez isso?

É bom frisar que tanto Lorenzo quanto Dovizioso caíram sozinhos, o que evidenciou que a Ducati realmente não era páreo para Márquez em Valência. Ordens de equipe são sempre questionáveis, é claro. Mas, pelo menos no meu ponto de vista, são plenamente justificáveis em uma corrida de decisão de título.

Lorenzo tinha condições de se manter à frente? É o que parecia. Dovizioso podia ter forçado mais? Sem dúvida. No frigir dos ovos, foi uma situação que não mudou nada, mas ao não dar passagem ao seu colega, o espanhol definitivamente não passou boa impressão com sua nova equipe, como denunciaram as caras de Gigi Dall’Igna e Davide Tardozzi. Também não ajudou a mudar sua já conhecida fama, o que não é algo que parece lhe incomodar.

A situação só não ficou mais delicada porque Dovizioso colocou panos quentes na situação. Logo após a corrida, o italiano fez questão de parabenizar Márquez e disse que ficou satisfeito com o bom ritmo de Lorenzo. Um verdadeiro gentleman, que também merecia o título pelo conjunto da obra: foi o cara que realmente acreditou da Ducati e permanece sendo o único à realmente compreendê-la, desde Casey Stoner.

Qual foi o truque de Dovizioso? Sua mente absolutamente serena e inabalável, que o fez observar os pontos fortes e fracos da Desmosedici em cada corrida. O italiano pode não ter aquela velocidade crua de Márquez, mas compensa isso com uma capacidade analítica invejável, de deixar Alain Prost e Eddie Lawson orgulhosos. Curiosamente, quem o instruiu a melhorar nesses quesitos foi justamente Stoner. O australiano agora é consultor da equipe e suas palavras são cuidadosamente levadas em consideração.

Polêmicas à parte, a Ducati encerra o ano em alta, o que não acontecia desde 2007. Mas e quanto à Yamaha? Depois de um começo de ano avassalador, a marca dos diapasões simplesmente desapareceu nas corridas finais, perdida com os misteriosos problemas da YZR-M1. Em sua versão 2017 a máquina japonesa se revelou muito mais nervosa e de difícil compreensão no acerto que a versão 2016, que ainda apresenta bom rendimento nas mãos de Zarco.

Mas o que, de fato aconteceu? Nem a Yamaha sabe ao certo. Nas palavras de Rossi, a versão 2016 era rápida, mas consumia muito pneu no terço final da prova, o que Zarco comprovou esse ano. Os técnicos japoneses tentaram corrigir esse problema, o que chegou a ser conseguido, mas apenas com os pneus certos, a temperatura do asfalto correta e a pista adequada. Uma janela muito estreita de utilização, portanto. O italiano já deu o papo aos engenheiros: jogar no lixo essa temporada e desenhar a nova moto do zero.

Aos que acompanharam atentamente à temporada, também ficou evidente um conflito nos boxes da Yamaha entre Rossi e Viñales. Não estou falando de uma troca de farpas como acontecia com Lorenzo, longe disso. Mas os dois pilotos divergem totalmente no estilo de pilotagem e preferências no acerto. No começo do ano, a M1 estava ótima para o espanhol e ruim para o italiano. A equipe, então tentou deixá-la melhor para o Doutor nas atualizações. Viñales, no entanto, nunca mais se achou. Ao final do ano, os dois estavam claramente confusos e abatidos.

Por mais que a Ducati tenha melhorado (e Lorenzo esteja cada vez mais à vontade na moto), a Yamaha permanece sendo como a principal rival e desafiante da Honda nos próximos anos. É a única marca com recursos técnicos e humanos em real abundância para enfrentar a líder, que além de dispor de uma mega estrutura fornecida pela HRC e Repsol, ainda conta com o melhor piloto do momento. Os próximos meses serão decisivos para definir os rumos da próxima temporada.

Até a próxima!

Lucas Carioli
Lucas Carioli
Publicitário de formação, mas jornalista de coração. Sua primeira grande lembrança da F1 é o acidente de Gerhard Berger em Imola 1989.

4 Comments

  1. Manuel disse:

    Amigos, falar do carisma de Valentino é um pouco complicado. Sem dúvida que o cara sempre resultou muito popular mas creio que no seu caso foi muito mais fácil do qu no caso de Marqués chegar a ter essa popularidade. Quando Valentino entrou no campeonato máximo ( entao 500cc ) só havia um campeao : Alex Crivillé, vencedor em 1999. A grande estrela da época, Doohan, se retirou logo no inicio do campeonato, deixando a categoria orfa de ídolos. Crivillé teve um muito mal ano, enquanto que Rossi surpeendeu, terminando segundo, atrás de Roberts, quem conseguia seu primeiro e único título. Assim, Rossi logo veio a cobrir o espaço que faltava na categoria com sua qualidade e habitual simpatia.
    Para Marquez as coisas foram muito diferentes. Teve de se enfrentar a Rossi, a grande estrela dos últimos anos e a Lorenzo, o vigente campeao, derrotando a ambos logo de cara. Para a multidude de seguidores de Rossi, isso resultou algo imperdoável !

  2. Fernando Marques disse:

    Lucas,

    admiro tanto o Valentino Rossi quanto o Marc Marquez. Já externei essa opinião aqui várias vezes. Agora o que me faz torcer mais pelo V. Rossi é a sua idade avançada, pois mesmo podendo ser até pai de muitos que correm contra ele, o Doctore anda no mesmo ritmo. Se não brigou pelo título diretamente este ano foi em razão da sua queda numa brincadeira de motocross e dos problemas apresentados pela Yamaha ao longo da temporada.
    Agora se um dia seus recordes forem batidos, neste momento não existe outro nome a não ser o Marc Marquez. Não tem o mesmo carisma, mas toca o fino a sua Honda.


    Assim como o MArcio D, achei que Maverick Viñales fosse pulverizar a temporada 2017 face ao seu inicio avassalador, onde nem a Honda e nem Marquez conseguiam chegar perto dele. Só que a carruagem foi andando e quem acabou por surpreender foi o italiano A. Duvisioso e a sua Ducati … ambos fizeram uma temporada digna de serem campeões e ninguém mais se lembrou do Viñales, do Pedroza e muito menos do Lorenzo … esta historia se deixa ou não deixa passar não está esclarecida … o Lorenzo não tinha nada a perder, pois afinal só levou fumo do italiano …

    Fernando Marques
    Niterói

  3. MarcioD disse:

    Lucas,

    No principio da temporada pelos excelentes resultados do Vinãles, que estreava na equipe oficial da Yamaha, achei que ele seria franco favorito ao titulo. Fiquei impressionado com a queda de rendimento dele com o passar do tempo e pode ser que a mudança de configuração da moto mais ao gosto de Rossi tenha contribuído muito para isso.
    Quanto ao Márquez concordo que ele é o melhor piloto do grid atual. Um cara que conseguiu ser campeão na estreia e de cinco temporadas disputadas ganhou quatro realmente só pode ser um fenômeno. Na Moto GP tem percentuais altíssimos de poles(50%) e de vitórias(quase 39%), comparativamente a Rossi quando este estava no auge, vejo-o mais rápido e menos cerebral. Se ele conseguir reduzir o nº de quedas que é bem alto e que numa dessas ele pode ser dar bem mal, é sério concorrente para quebrar os recordes de Valentino e de Agostini.
    Já com relação ao Lorenzo, apesar das alegações de que ficou na frente para beneficiar Dovizioso aerodinamicamente, das justificativas da equipe e da concordância de Dovizioso, acredito que um título do ultimo o fragilizaria ainda mais internamente, já que sendo um tricampeão vem sido batido sistematicamente pelo companheiro de equipe(6×0 em vitorias e 90% a mais de pontos) que ganha bem menos. Além do mais ele é espanhol como o Márquez e Dovizioso é italiano como Rossi.

  4. Mauro Santana disse:

    Belo texto Lucas!

    Marquez tem tudo pra quebrar todos os recordes da categoria, porem, assim como aconteceu com Schumacher nos tempos da Ferrari, acredito que nunca consiga ter um grande carisma com boa parte do público, e a maneira que ele agiu em 2015, nunca será esquecida.

    Admiro sua pilotagem, porem, não consigo torcer por ele, da mesma maneira para o Lorenzo.

    E quando Rossi se aposentar, minha torcida será por Zarco e Dovi.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

Deixe um comentário para MarcioD Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *