Do fim para o começo

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Alonso, hoje com 53 anos, visita o paddock...

Quando chegou de bicicleta ao circuito de Montmeló, para acompanhar o 45º Grande Prêmio de Fórmula 1 disputado em Barcelona, Fernando Alonso chamou a atenção pela boa forma física e pelo grisalho dos cabelos. Continuavam fartos, como na juventude, mas a maturidade deixou-o mais parecido com o pai, José Luis, que já ostentava a cabeleira quase toda branca antes dos 60 anos.

Já fazia algum tempo que o primeiro tricampeão espanhol da categoria não frequentava autódromos. Desde a aposentadoria, quinze anos antes, era mais fácil encontrar Alonso à beira de alguma estrada, acompanhando atletas de sua equipe de ciclismo na Volta da França ou no Giro d’Italia. Ele mesmo, agora como atleta amador, já havia completado a Race Across America, cruzando os Estados Unidos de leste a oeste, de bicicleta.

Os 45 anos do GP em Barcelona pareceram seduzir o espanhol a visitar a categoria. Ele, que nunca demonstrara interesse em seguir na Fórmula 1 como dirigente de equipe ou na função de comentarista, voltou a Montmeló para ser homenageado. Motivos, de fato, não faltavam: primeiro campeão espanhol da Fórmula 1, Alonso havia vencido naquela pista por três ocasiões. A mais mítica, sem dúvida, em 2017, prova que marcou a arrancada do espanhol para seu terceiro e último titulo.

Chegar de bicicleta, sem dúvida, foi parte do show. Não seriam muitos homens de 53 anos, quase 54, que poderiam exibir um físico como o dele. Mas não era só isso. A entrada em duas rodas ampliava a mitologia em torno do piloto que, no final das contas, havia liderado uma das maiores viradas da história da Fórmula 1.

Talvez um dos motivos para se afastar da Fórmula 1 era a comparação recorrente com o feito de Michael Schumacher, no início do século 21, junto à Ferrari. É certo que o alemão havia sido o centro de uma equipe cuja superioridade esmagou a concorrência por cinco temporadas seguidas. Também é evidente que Schumacher recolocou a Ferrari em um patamar vencedor, do qual a equipe se mantivera distante por mais de vinte anos.

A McLaren não estivera longe das vitórias por tanto tempo. Quando Alonso retornou para a equipe inglesa, em 2015, fazia apenas seis temporadas que o time de Ron Dennis não se encontrava com o título. Sua ruidosa saída na primeira passagem, final de 2007, fazia o mundo da Fórmula 1crer que ali estava sedimentado um ódio mútuo. Mas, como alianças políticas improváveis, Alonso e o velho Ron selaram a paz, sob os olhos puxados da direção da Honda. De fato, foram os japoneses que bateram o pé pelo espanhol, e o chefe não teve outra opção senão ceder.

O início foi vexatório. Nada do novo McLaren-Honda fazia lembrar a dupla vitoriosa do período entre as décadas de 1980 e 1990, quando a parceria entre o time de Woking e a fornecedora japonesa de motores rendeu quatro títulos do Mundial de Pilotos (três de Ayrton Senna e um de Alain Prost) e quatro do Mundial de Construtores.

Alonso e seu então companheiro de equipe, o inglês Jenson Button, amargavam a penúltima fila do grid em quase todas as provas, só não mantendo a lanterna em todos os treinos pela presença da nanica Manor. Antes de serem movidos a hidrogênio, os carros de Fórmula 1 eram empurrados por uma complexa unidade de força, que incluía seis componentes. Ao trocar cada um deles pela quinta vez, o piloto recebia cinco posições de punição no grid.

Era triste de se ver. Perdida no desenvolvimento de suas unidades de força, a Honda impunha trocas constantes de componentes nos carros de Alonso e Button, a ponto de, juntos, perderem 50 posições em uma única corrida. Com meros vinte carros largando para cada prova, os dois eram obrigados a cumprir o castigo na forma de drive through. Não foram poucas as piadas, brincando com o fato de que, no GP da Áustria, os pilotos precisariam largar em Mônaco, corrida realizada quase dois meses antes, para poder cumprir tantos pênaltis.

Era triste, mas era curioso ver a serenidade e, verdade seja dita, o otimismo de Alonso nesse cenário. Sua antiga casa, a Ferrari, tinha dado a volta por cima, depois de um ano lamentável, e oferecia um carro correto a Sebastian Vettel e Kimi Raikkonen que, se não ofuscava a supremacia da Mercedes, pelo menos permitia a eles lutar por pódios e, eventualmente, por vitórias. Alonso cedera o assento a Vettel mas não parecia se arrepender da escolha. Mais que isso: dizia-se feliz em suportar aquele calvário.

O espanhol nunca havia sido coroado Mister Simpatia nos autódromos do mundo. Seu revés em 2015 ensejava reações de regozijo entre desafetos. Não faltaram ex-colegas para apontar o egocentrismo de Alonso como mola propulsora do insucesso. A ex-mulher escreveu um post enigmático em uma rede social, logo entendido como crítica velada ao então bicampeão do mundo. Largando em antepenúltimo, abandonando provas em sequência, longe da zona de pontuação, Alonso seguia em um universo particular de esperança.

Aquela temporada foi mesmo uma lástima, mas os japoneses aproveitaram o ano para desenvolver sua unidade de força para o ano seguinte. Ao mesmo tempo, a McLaren também já trabalhava no carro para 2016 e Alonso, como um samurai, não fraquejou. A segunda metade da temporada começou a dar mostras de recuperação da equipe. Alonso chegou à zona de pontos por três vezes – na Hungria, em Cingapura e em Abu Dhabi – mas a conquista simbólica mais significativa para o time foi o melhor tempo no terceiro treino livre para o GP do Japão, conquistado com pista úmida. É claro que, o fato de estar “em casa” levantou suspeitas de um brilhareco sem importância da Honda, mas a postura abnegada de Alonso começava a criar um novo mito.

2016 chegou com crise deflagrada na Mercedes, com a antiga amizade entre Lewis Hamilton e Nico Rosberg ruindo como o solo de uma represa seca. A ascensão da Ferrari, ensaiada em 2015, consolidou-se no ano seguinte. O experiente tetracampeão Vettel não resistiu ao ímpeto juvenil de seu novo companheiro, Valteri Bottas, que venceu o primeiro de seus três títulos pela Ferrari naquele ano. Enquanto isso, a McLaren evoluía de forma gradual, mas consistente. A temporada de 2017 começou com Alonso e Stoffel Vandoorne desafiando Bottas nas corridas do Oriente. Um campeonato competitivo como não se via desde 2012 estabeleceu-se. Duas vitórias de Bottas (Austrália e Bahrein), uma de Alonso (Malásia) e uma de Vandoorne (China). O espanhol, todo trabalhado na paciência, teve a calma para ser segundo nas corridas que não venceu.

A temporada europeia começou com Bottas na liderança, separado de Alonso por apenas sete pontos. O espanhol venceu em casa, algo que não fazia desde 2013. Uma vitória maiúscula, depois de largar na pole, cair para terceiro lugar durante a primeira parada – foi nesse ano que o reabastecimento retornou à categoria – e recuperar a liderança com duas ultrapassagens magistrais, sobre Vettel e Bottas. Apesar da alta competitividade daquele campeonato, Alonso não perdeu mais a liderança, vencendo mais sete provas ao longo do ano e sagrando-se campeão novamente no Brasil, como havia acontecido em 2005 e 2006.

Retornar ao palco do início de sua arrancada heroica, em Barcelona, era menos tocante ao espanhol que seus compatriotas poderiam supor. Depois de sagrar-se campeão pela terceira vez, ajudando a reerguer uma equipe que havia se tornado motivo de piada, Alonso renovou com a McLaren por mais duas temporadas, mas desta vez foi ele a vítima de um jovem companheiro de equipe. Vandoorne aproveitou o caminho aberto pelo companheiro e venceu os dois títulos seguintes. Ser o primeiro espanhol campeão da categoria e ter arrancado para o terceiro título em seu país significavam pouco àquela altura. Alcançar o mesmo número de títulos de Ayrton Senna e colocar seu nome ao lado dos heróis da McLaren-Honda pesavam muito mais na balança.

Como diz meu colega Guilherme Palesi, o Guipa da Bradesco Esportes FM, é fácil contar uma história do fim para o começo. O vexame de Alonso e de sua McLaren pode estar só no início, mas esse início pode ter um fim bem diferente. E, se tiver, quem vai aguentar o ego de Fernando Alonso depois disso?

Alessandra Alves
Alessandra Alves
Editora da LetraDelta e comentarista na Rádio Bandeirantes desde 2008. Acompanha automobilismo desde 83, embalada pelo bi de Piquet e pelo título de Senna na F3.

5 Comments

  1. Ronaldo disse:

    Muito bacana! Sempre torci contra o Alonso, acho uma figura extremamente antipática. Mas é um piloto grande demais pra terminar a carreira com dois títulos e vários quases.

  2. Fernando Marques disse:

    Gostei das premonições …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  3. Eduardo Trevisan disse:

    Se non è vero, è ben trovato.

  4. Fabiano Bastos das Neves disse:

    Alessandra,

    Tuas previsões não consideraram a existência das outras equipes, apenas McLaren e Ferrari.
    Também acredito no sucesso da parceria McLaren Honda, mas se é para brincar assim, vou contar a história do “fantástico retorno da Porsche a F1, com direito a título de Hülkenberg na primeira temporada”.
    Como diria Paulinho Mocidade, Dico da Viola e Moleque Silveira, sonhar não custa nada!

  5. Rubergil Jr disse:

    Texto muito legal e corajoso! Gostei, e espero que assim seja.

    P.S. Alessandra, o que sua bola de cristal mostrou sobre o Felipe Nasr?

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