Em busca da ultrapassagem perfeita 1/4

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Em busca da ultrapassagem perfeita 2/4
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Em abril de 2011, selecionei vídeos de algumas ultrapassagens notáveis e as comentei brevemente, atribuindo uma pontuação a elas.

Vou republicar a partir de hoje e nos próximos dias a minha seleção de ultrapassagens, acrescentando mais sete delas à lista original e alterando a ordem de entrada das minhas escolhas, de forma a criar uma evolução, começando pelas menos pontuadas até chegar à ultrapassagem perfeita – que todo mundo já sabe qual é.

Abraços

Edu

 

 

Que me desculpem os entusiastas das asas móveis e do kers, mas o momento mais alto do automobilismo esportivo não pode ser objeto de truques capazes de banalizá-lo, o empacotando em embalagens individuais, baratinhas, descartáveis. As tentativas entre oportunistas e atabalhoadas de vender ultrapassagens como se fossem mulheres gostosas em peças publicitárias são uma violência contra o esporte, uma inutilidade, uma bobagem, um ato antinatural, algo que certamente levará a um final infeliz.

Ultrapassagens sintetizam a superação de um piloto sobre outro, de um carro sobre outro e, também, do piloto sobre o próprio carro. São uma mistura de coragem, potência, reflexo, habilidade, controle e imaginação. Qualquer coisa que se faça para facilitá-las automaticamente as apequenam.

Por isso, é essencial que ultrapassagens sejam raras. Emoção é um remédio que se toma em doses pequenas. O abuso as desvalorizam, produzindo indiferença ou, pior, a busca por algo mais forte, geralmente maléfico para a saúde. Pensem no gol. Eles são raros; por isso são tão valorizados.

Logo, por difícil que seja, deveríamos nos conformar em ver temporadas onde simplesmente não restará uma ultrapassagem notável a se comemorar e este parece ser o caso da temporada 2011. Com asas móveis, kers e dezenas de pit stops, eventuais tentativas ousadas de ultrapassagem certamente resultarão em broncas nos pilotos vindas dos boxes.

Sobre as asas móveis, nem o advento do nitro me parece tão odioso. Afinal, o uso do nitro depende apenas do piloto e está disponível pra todos. Quem está sendo ultrapassado pela força do nitro tem a possibilidade de reagir usando a mesma arma (basta que quem vá à frente faça uso criterioso dele). Já no caso da asa móvel, não. É como se alguém estivesse sendo punido por ser mais rápido. É combater com uma das mãos amarradas. E, ao limar a dificuldade da ultrapassagem, mata-se no ninho a possibilidade de beleza, coragem, habilidade, reflexo, inventividade.

Ah, Edu! Mas e se alguém precisa ganhar a posição de qualquer jeito?

Ué? Se precisa ganhar a posição, que ganhe. Desculpem a franqueza, mas quero que Fernando Alonso se dane se não conseguiu passar por Vitaly Petrov no mal afamado GP do Abu Dhabi de 2010. O russo não era um retardatário e se estava em jogo o título da temporada, Alonso que fosse mais rápido. Como não foi, lhe resta apenas se sentar na sarjeta e chorar.

A ultrapassagem perfeita depende de uma pré-condição e quatro qualidades essenciais. A pré-condição: os carros dos envolvidos precisam estar em igualdade de condições. Ultrapassar alguém com o carro capenga não é mérito; é obrigação.

Quanto às qualidades essenciais, cito:

1) Inventividade. Há belas manobras clássicas – uma curva tomada por dentro é o exemplo mais comum –, mas traçados diferentes são sempre bem-vindos.

2) Reflexos rápidos. Aqui, falamos da capacidade do piloto em inventar rápido. Há situações em que é possível planejar com antecedência uma ultrapassagem diferente. No conforto da própria cama, um piloto pode sacar que, numa dada situação, se ele sair de uma curva de um jeito, pode chegar a outra em uma posição que lhe permita uma trajetória indefensável. Mas a oportunidade de ultrapassagem pode aparecer por um motivo fortuito – um retardatário, uma mancha de óleo ou algo do gênero. Nesta hora, contará o reflexo rápido.

3) Bravura, bravura e bravura são os ingredientes finais. Ultrapassagem tem de, necessariamente, envolver risco. Senão, não tem graça.

4) Habilidade. Rodas travadas, carro desgastado, sujeira na pista, um adversário aguerrido, tudo exige braço, o bom e velho braço.

Depois de ter publicado a primeira coluna da série, me arrependi de não ter considerado um quinto item de avaliação: a beleza da ultrapassagem. Ok; os demais quatro itens podem até levar em conta a plasticidade da manobra, mas não totalmente. Uma ultrapassagem pode ser inventiva, rápida, corajosa e hábil, porém feia. Mas… a coluna já tinha ido ao ar e, pra mim, é como se estivesse impressa na pedra; não se pode alterá-la.

Dito isso, vamos analisar algumas ultrapassagens marcantes. Atribui pontuação por qualidade, de zero a três:

Mansell x Piquet – Silverstone 87

É muito difícil pra mim elogiar esta manobra. Restavam três voltas para o final da prova, que havia sido liderada por Nelson Piquet desde o começo. Nigel Mansell, correndo em segundo, optou por uma troca de pneus no meio da prova e, a partir daí, começou a descontar a diferença para o companheiro na Williams.

Quando se aproximou de Piquet, não havia nada que o brasileiro pudesse fazer, tanto mais numa pista larga como um aeroporto como Silverstone. O tal drible final sempre me pareceu um brilhareco barato, mas foi uma bela vigança pelo que Piquet fez a Mansell em Monza 86.

Inventividade: 1

Reflexos rápidos: 0

Coragem: 0

Habilidade: 0

 

Mansell x Senna Espanha 91

Bela mas inútil (na medida em que Mansell parou logo depois para trocar pneus e devolveu a posição ao brasileiro). Vale pela beleza da cena e para mostrar a determinação de dois dos maiores pilotos de todos os tempos.

Inventividade: 0

Reflexos rápidos: 0

Coragem: 1

Habilidade: 1

 

Prost x Senna – Portugal 88

Ayrton Senna sabia ser duro, quase desleal, quando queria. O que se vê aqui é tanto uma ultrapassagem corajosa de Alain Prost como, na via oposta, algo próximo de uma tentativa de homicídio, que rivaliza com Rubinho x Schumacher na Hungria 2010.

Em defesa de Senna, diga-se que ele deve ter se irritado com a tentativa de aperto de que foi vítima na largada e também que ele se desculpou com Prost depois da prova…

Inventividade: 0

Reflexos rápidos: 3

Coragem: 0

Habilidade: 0

 

Senna x Prost – Japão 88

Aqui, vemos o troco de Prost, com o atenuante de que não havia um muro do outro lado…

De se registrar que Prost tinha problemas graves de câmbio, o que permitiu a Senna descontar uma grande vantagem do francês.

Inventividade: 0

Reflexos rápidos: 2

Coragem: 0

Habilidade: 0

 

Peterson x Depailler – África do Sul 1978

Há quem coloque esta disputa no mesmo patamar de Villeneuve x Arnoux na França 79, mas… além de bem mais curta, me parecem evidentes os problemas de pneus ou motor do Tyrrell de Patrick Depailler, tanto que ele nem consegue ultrapassar o retardatário (o mexicano Hector Rebaque, com um Lotus igual ao de Ronnie Peterson).

Vale mais pelo conjunto da obra, o fato de ser a última volta da corrida e também pelo controle do sueco (seu carro obviamente também devia estar no osso) do que pela ultrapassagem em si.

Inventividade: 1

Reflexos rápidos: 0

Coragem: 1

Habilidade: 1

 

Montoya x Schumacher – Spa 2004

A inventividade e habilidade de Juan Pablo Montoya, conseguindo a ultrapassagem num ponto quase impossível, mas… Michael Schumacher quase estacionou para facilitar o trabalho do rival. O Ferrari do alemão, pelo menos nesta altura da prova, não era páreo para o Williams de Montoya.

Inventividade: 2

Reflexos rápidos: 0

Coragem: 0

Habilidade: 1

 

Hamilton x Raikkonen – Monza 2007

Manobra clássica, mas muito bela, o McLaren de Lewis Hamilton um pouco mais veloz do que o Ferrari de Kimi Raikkonen, mas o controle demonstrado pelo inglês na tomada e contorno da curva vale o destaque.

Inventividade: 0

Reflexos rápidos: 0

Coragem: 1

Habilidade: 2

 

Hakkinen x Schumacher – Spa 2000

Plasticamente bela e rara, a manobra mundialmente famosa de Mika Hakkinen revela reflexo em grau bastante elevado, mas… – fala sério! – o Ferrari de Michael Schumacher já estava abrindo o bico. Era apenas uma questão de tempo para que Hakkinen, com o carro bem mais rápido, conseguisse tomar a liderança. Mesmo assim, uma grande ultrapassagem, muito lembrada pelo público, mas, em minha opinião, bastante superestimada.

Veja abaixo, em nosso canal no YouTube, os colegas Marcio, Lucas e João comentando a ultrapassagem, inclusive seu contexto histórico:

Inventividade: 1

Reflexos rápidos: 2

Coragem: 1

Habilidade: 0

 

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

1 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Edu,

    sinceramente não me lembrava do Alan Prost ultrapassando o Senna … sempre achei que isso nunca tinha acontecido

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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