Eu voto 12

2014 em 10 atos
08/12/2014
Suspeitei desde o princípio
12/12/2014

Nada, NADA como os motores 12 cilindros.

Início da década de 30: às vésperas da 2a. Guerra os países mais desenvolvidos estavam empenhadíssimos em desenvolver tecnologia em terra, mar e ar. Se hoje você fica encantado com as corridas aéreas patrocinadas pela Red Bull, talvez goste de saber que nessa época existia o Troféu Schneider, por exemplo, onde os projetistas inscreviam aviões experimentais, para pouso na água em particular. Protótipos de um avião que veio a se chamar Spitfire foram vencedores das últimas edições.

Motor Rolls Royce V12, entregando cerca de 1100 HP nas primeiras versões.

Mas os alemães tinham tomado a dianteira e o Spit foi uma exceção, o único caça aliado com desempenho equivalente ao dos Messerschmitt Bf 109E, motor Daimler Benz V12 invertido, tirando o fato de que usava carburador e o alemão já vinha com injeção direta.

No final do conflito, vários motores a pistão já estavam acima dos 2.000 HP, com superchargers de dois estágios e assim por diante. Esse state of the art dessa tecnologia me faz lembrar os grandes e poderosos órgãos incrustrados nas principais igrejas europeias. Não dá mais para melhorar.

É o ápice.

httpv://youtu.be/JHQFOP4HoRw

Quem já teve a oportunidade de assistir a uma missa em um ambiente como esse, com esse instrumento fazendo a trilha sonora, sabe que é uma experiência especial, que leva a mente a um outro plano.

Em 1937 a italiana Alfa, com seu motor de 4,1L de 12 cilindros, tinha perdido a dianteira para Mercedes e Auto Union na categoria top do automobilismo. As Mercedes desse ano vinham equipadas com um motor oito em linha de 5,6 litros entregando 600HP. A Auto Union, cujo engenheiro-chefe era ninguém menos que o Dr. Ferdinand Porsche, tinha um motor V16, 6L, também entregando 600HP.

Depois do grande conflito mundial, quando o dinheiro volta a circular com algum vigor na Europa, a Alfa retoma sua supremacia e vence a primeira edição da Formula 1, novo nome da antiga categoria Grand Prix, com Giuseppe Farina.

httpv://youtu.be/yQGmE7olMcg

Motor? 1.5L, oito em linha, entregando cerca de 350HP com supercharger, em 1950. No ano seguinte, mais 100HP. Nessa década os motores voltam a ganhar musculatura e cilindros, mas ainda longe do poder pré-guerra. Lendas são confirmadas, com a continuidade da predominância italiana via Maserati e Ferrari.

A Mercedes reaparece com força total, com seus magníficos W196 e uma esquadra allstar. Todo mundo operando, na maior parte do tempo, com 2,5L, seis ou oito cilindros, em linha ou em V, aspirados. No caso dos Mercedes, entregavam entre 290BHP (a 8.500 rpm) e 350BHP (a 10 mil giros).

O início da década de 60, com o sucesso extraordinário do conceito Cooper, vê os motores voltarem a 1,5L, mas aspirados. Moss tinha provado, em Buenos Aires, que distribuição de peso/potencia era mais eficaz que a potencia pura.

Aí a turma radicalizou.

Imagino o choque que deve ter sido para quem tinha tido a experiência de ver os gigantes pré-guerra roncando a pleno pelas grandes retas europeias e curvas parabólicas de Avus e Monza.

Transportando para o mundo musical, deve ter sido algo como abandonar o mundo das big band populares nos EUA e entrar na intimidade de um banquinho e um violão, sem nenhum julgamento de mérito musical.

Essa formula nunca foi completamente aceita, tal a falta de apelo dos motorzinhos, e certamente teria passado em branco não fosse o brilho da dupla Chapman/Clark.

O pessoal queria barulho.

Na década de 60, aqui no Brasil, além das lendárias equipes Willys, Simca Abarth, DKW Vemag havia a Jolly, encabeçada por Piero Gancia e Emilio Zambello, que alinhava as famosas Alfa GT, que faziam bela figura diante dos Porsche GT na Europa.

Lembro de ter lido uma coluna na 4 Rodas em que o jornalista se admirava com a habilidade do mecânico-chefe dessa escuderia, Giuseppe Perego, que só precisava encostar uma chave de fenda no bloco do motor para diagnosticar problemas de funcionamento e rapidamente corrigir. Era como um maestro com sua batuta. Suponho que fazia o mesmo para regular as raras Ferrari 275 que vez ou outra apareciam nas ruas, com aqueles capôs enormes escondendo uma multidão de cilindros e intrincados tubos de escapamento. Um Arturo Toscanini para uma mecânica erudita.

No fim dos anos 60 a saudade apertou e o regulamento subiu para 3,0L. Brabham espertamente pegou a competente Repco, que escolheu o bloco de série Oldsmobile V8 e, trocando potencia por simplicidade/confiabilidade, com o mínimo de investimento, levaram a taça.

Mas as equipes ficaram animadas e diversas experiências foram tentadas. A aparentemente mais simples e ao mesmo tempo interessante de todas foi a da BRM, que juntou dois motores V8 1,5L na configuração inédita H16, e, apesar dos inúmeros problemas ainda ganhou o GP dos EUA, com Clark na Lotus 43.

httpv://youtu.be/WmtMRgJBwyg

Havia um antecedente aéreo. O caça a pistão mais rápido do conflito, Hawker Tempest, usava um motor Napier Sabre H24, que nas versões finais entregava cerca de 3.500HP. McLaren decidiu reduzir um V8 Ford tipo Indianápolis de 4,2L para 3,0 e não chegou a lugar algum.

Cooper fez um acordo em tese muito promissor com a Maserati, mas esta tinha que “modernizar” um V12 abandonado há muitos anos, desde que ela se retirara das competições em 1957. Dan Gurney encomendou um V12 zero quilometro ao reputado engenheiro inglês Harry Weslake, pagando o preço por começar de uma folha em branco.

Logicamente a concorrente mais forte seria a Ferrari. Seu primeiro V12 datava de 1947, sob responsabilidade do Ing. Colombo. Outras unidades foram concebidas sob a responsabilidade dos igualmente lendários Ing. Lampredi e Jano, equipando os carros esportivos que ajudaram a construir o mito, ao mesmo tempo que custeavam as equipes de competição, a verdadeira paixão do fundador.

Experiência não faltava e ela foi a primeira a apresentar sua criação de acordo com o novo regulamento, em uma prova extra-campeonato em Siracusa, que venceu sem problemas. Mas eles apareceram mais tarde e o favoritismo não se confirmou.

Veio o mais extraordinário predomínio de um motor, o DFV Cosworth, simples, eficiente, compacto, confiável, com ótima relação peso/potencia. Financiado pela Ford, que assim mantinha sua birra com a ex-noiva fugitiva Ferrari.

Os V12 sabidamente levam desvantagem em peso e precisam levar mais combustível, portanto nem sempre sua maior potencia pode compensar. Mas, do ponto de vista musical quem teve oportunidade de ir a um autódromo e escutar os dois tipos de motores competindo há de convir: é uma sinfônica completa em concha acústica versus uma configuração de câmera.

Não é apenas a exuberância das duas bancadas de seis cilindros. Quando o motor está totalmente exposto, é um prazer para os olhos observar a complexidade do escapamento, os tubos se emaranhando e sobrepondo para que a exaustão dos gases seja igual para todos.

Não lembra os órgãos medievais?

Torci por todos os “on” brasileiros e fiquei feliz pelos oito títulos, mas francamente? Pena que não fizeram isso com um flat12 nas costas. Teria gostado muito mais. Depois, como sabem, vieram os turbo, descomunais, depois os V10 com que Michael fez a festa e a ordem seguiu decrescente até esse tédio que desfila pelo mundo, que mais parece um instrumento de sopro infantil tocando em surdina.

De acordo que a F1 é a categoria que deve promover o maior número de inovações. Mas potencia é potencia e ela não deve ser sacrificada nunca. As orquestras sinfônicas sempre terão seu lugar e o público que aprecia música erudita jamais aceitará menos do que isso.

Está fora de moda? Observem o sucesso de André Rieu e verão que a grandeza não tem substituto.

Como dizem os ingleses, there is no substitute for cc.

Por isso voto pela volta dos 12 cilindros.

Um ótimo 2015 a todos.

Abraços,
Chiesa

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

2 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Eu voto em qualquer motor na Formula 1 que resgate o verdadeiro ronco de um motor de carro de corrida.
    Só que vamos ficar na saudade … não demora muito teremos motores eletricos na Formula 1 …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  2. Mauro Santana disse:

    Bela coluna Chiesa!

    Na minha opinião, o ronco de um F1 que eu sempre achei o melhor, foi o do motor turbo dos anos 80, aquilo era brutal!

    Mas, assim como em 88 tive o privilégio de escutar os turbos no finado Jacarepaguá, em 89 tive o privilégio de escutar o V12 Ferrari também no Rio de Janeiro, e aquele BERRO era FANTÁSTICO!!!!

    Também voto no 12, e que a F1 volte a fazer muito barulho!!!

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

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