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Após o GP do Canadá, em que Jody Scheckter mais uma vez se envolveu numa batida, desta vez com François Cevert – e aos olhos do mundo estava a um fio de sair da Fórmula 1 – o circo seguiu para a corrida final em Watkins Glen.

Mesmo com o abandono na prova anterior, a Tyrrell mantinha esperanças em Cevert para que ele conquistasse o vice-campeonato, fechando assim com chave de ouro a temporada 1973, já vencida por Jackie Stewart.

A despeito do aborrecimento que o francês carregava pelo incidente ocorrido em Mosport, seu foco agora era a corrida de Glen e a batalha não apenas pelo vice, mas pelo título de construtores, contra a Lotus de Emerson Fittipaldi e Ronnie Peterson.

Bem, infelizmente sabemos que aconteceria em seguida. Cevert morre tragicamente, em um dos mais horripilantes acidentes da história da F1. E Jackie Stewart, frustrado ao ver morto o amigo e pupilo, desiste de participar daquela que seria sua centésima e última corrida.

Assim, uma das melhores equipes da época está repentinamente esfacelada. Perde seus dois pilotos num único final de semana, numa situação traumática e dolorosa.

Cevert acabou morrendo sem saber que seria justamente Jody Scheckter seu companheiro de equipe na Tyrrell para 1974 – a dupla que havia se enroscado na prova anterior…

Ironicamente, Ken Tyrrell, impressionado com a velocidade do jovem sul-africano e por sugestão de Jackie Stewart, havia contratado o sul-africano após a prova da Itália. Ninguém sabia disso, nem mesmo na equipe Tyrrell.

A temporada de 1973 está encerrada e o futuro da Tyrrell está nebuloso. O velho “tio” Ken tem uma situação inusitada para administrar: sua equipe está entre as maiores forças do grid e ele tem dois assentos literalmente vagos de pilotos de ponta, com apenas três meses pela frente para buscar alguém capaz de ser um substituto a altura de Jackie Stewart.

Essa situação seria idêntica nos dias atuais se uma Red Bull, por exemplo, ficasse sem opção de buscar pilotos a altura de sua força.

Tyrrell pensa em dois nomes na ocasião: Jacky Ickx e Chris Amon. Mas devido ao curto espaço de tempo, os dois já estão comprometidos. O belga iria para a Lotus, melhor equipe do ano, substituir Emerson Fittipaldi, de malas prontas para a McLaren, levando consigo os nomes Marlboro e Texaco. Quanto a Amon, ele decidira construir sua própria equipe, pois estava cansado de só ser lembrado quando as equipes buscavam um coringa.

Por outro lado, a ELF, principal investidora da Tyrrell, faz uma grande pressão para que o “prata da casa” Patrick Depailler, piloto da escola da petroleira francesa, seja promovido.

Por sua parte, existia uma resistência de Ken ao francês, por achar que Depailler ainda estava muito “verde” para estar num time de ponta. Quem ajuda muito Ken nesse período é Jackie Stewart, que o aconselha a seguir em frente. O escocês se compromete a ajudar a preparar os dois pilotos, Jody e Patrick, o que conhecemos nos dias de hoje como coaching dos pilotos.

Diante de uma situação tão atípica, Jody Scheckter, o “troglodita”, o “destruidor”, o “temerário”, aquele que estava a ponto de ser ejetado da Fórmula 1, acaba sendo o maior beneficiado da decisão que Ken e Stewart haviam tomado. Jody, claro, sequer imaginava o impacto que essas escolhas teriam em sua vida.

Chega 1974 e Jody Scheckter passa a integrar à equipe Tyrrell como seu primeiro piloto, simplesmente a equipe com a qual Jackie Stewart havia acabado de conquistar seu terceiro título mundial.

O mundo da Fórmula 1 acha a promoção de Scheckter totalmente precipitada e que a Tyrrell tinha de ter alguém a altura de um time de seu porte, e não um maluco que estava sendo contestado pela maioria dos pilotos por ser um demolidor e troglodita.

A temporada começa bem cedo, em 13 de janeiro, na Argentina. Mas a equipe só vai ter pronto o carro novo, modelo 007, em abril. Isso obriga Jody, Patrick e a Tyrrell começarem do zero com o modelo velho, o 006, que já dava mostras da idade. Pra piorar, Jody não se dá muito bem com o carro, bastante diferente da McLaren M23 que havia pilotado no ano anterior.

E se nesses três primeiros GPs Scheckter não consegue pontuar, ao menos não se envolve em nenhum acidente, o que deixa a equipe tranquila.

Scheckter lembra desse período de transição:

“A minha passagem pela McLaren me deu a visão sobre o que é estar numa equipe profissional e organizada. Mas na Tyrrell, a melhor coisa é a forma como Ken mantém ordem na casa. Ele é rigoroso e traz a disciplina acima de tudo. Ele e Stewart tiveram um papel fundamental em mim nesse período, Ken conversa muito e com todos os membros da equipe e eu aceitei todos os conselhos que recebi, pois percebi que a estabilidade emocional que eu precisava era algo que eu conseguia ter seguindo os aconselhamentos.”

O pessoal no circo da Fórmula 1 percebe a presença constante de Stewart nos boxes da Tyrrell e na maior parte do tempo conversando com Scheckter, que relembra:

Ele [Stewart] tem sido muito generoso comigo, sempre me dando conselhos sobre os circuitos, como manter uma boa relação entre a afinação do carro, a pilotagem e os concorrentes. Particularmente em circuitos onde eu poderia ter problemas por desconhecimento ele me ajudou muito”.

Com o novo modelo 007, que estreou em Jarama, na Espanha, quarta etapa, o seu desempenho melhora substancialmente e Jody logo de cara pontua ao terminar a corrida em quinto lugar. Na corrida seguinte, na Bélgica, ele obtém o seu primeiro pódio em Nivelles, alcançando a terceira posição na última volta ao ultrapassar a Ferrari de Clay Regazzoni.

Scheckter continua progredindo em seu estilo de pilotar. A corrida seguinte é em Mônaco, um enorme desafio para quem até então tinha a sua fama, ainda mais nunca tendo pilotado no circuito com um carro de F1. Até mesmo Ken Tyrrell estava preocupado, como relembra Scheckter:

“Considero Mônaco o melhor resultado que obtive em 74. Foi o nosso primeiro resultado de fato bom, pelo que nos aconteceu nos meses anteriores. Ken ficava o tempo todo me dizendo que eu não terminaria a corrida, que eu destruiria o carro e tal, fiquei realmente muito satisfeito por devolver o carro inteiro ao final da prova com o troféu do segundo lugar”.

Na sequência vem o GP da Suécia em Anderstorp. Nos treinos de classificação veio a maior surpresa. As duas Tyrrells estão em ótima forma e fazem a primeira fila do grid: Depailler com a pole e Scheckter em segundo.

Na corrida, Scheckter assume a liderança desde a largada e vence de ponta a ponta, com o seu companheiro de equipe em segundo, numa dobradinha da Tyrrell, algo que ninguém creditava ser possível com dois pilotos “novatos”. Scheckter assim chega a sua primeira vitória com apenas 24 anos e em sua 14° corrida na carreira. Nada mal para um iniciante…

Na sequência, ele continua pontuando de forma consistente e volta a vencer no GP da Grã-Bretanha, disputado em Brands Hatch. Após o GP da Alemanha, em que ele chega em segundo, o cara que tinha uma fama de troglodita, aparece em segundo lugar na tabela de classificação, apenas três pontos atrás Regazzoni, vencedor do GP e que liderava o campeonato naquele momento.

httpv://youtu.be/34F8fhg9ikw

A cabeça quente de Scheckter havia se transformado em poucos meses. Ele era definitivamente um piloto muito mais centrado e com uma visão muito boa de corrida. Ele acabava de conquistar sua oitava pontuação seguida, nenhum outro piloto havia tido melhor desempenho no meio da temporada.

Será que Stewart tinha encontrado o seu sucessor?

Faltando quatro provas para o término da temporada, o sul africano enfrenta o desafio de se manter calmo e, logo em sua primeira temporada completa, disputar um título mundial. Mas a sorte atrapalha seus planos. Na Áustria, ele tem o motor estourado logo na oitava volta. No GP da Itália, ele volta ao pódio ao terminar em terceiro lugar, mas na corrida seguinte, no Canadá, um novo abandono, mais uma vez sem que fosse sua culpa: os freios deixaram ele na mão.

Mesmo coma maré de azar, Scheckter chega à corrida decisiva em Watkins Glen com chances matemáticas de disputar o título contra Emerson e Regazzoni. Novos problemas mecânicos, entretanto, fazem com que Scheckter tenha que abandonar mais uma vez. Quando ele saiu do carro, ele relatou que na caminhada de volta aos boxes fez a seguinte reflexão:

“Puxa foram 15 corridas, consegui duas vitórias, um sequência muito boa de 8 corridas seguidas pontuando e mesmo assim estou desapontado por estar fora da luta pelo título”.

Scheckter encerrava a temporada de 1974 num honroso terceiro lugar, apenas 10 pontos atrás do campeão Emerson Fittipaldi, tendo que esperar o carro novo ficar pronto apenas a partir da quarta etapa – no que é plausível crer que poderia pontuar ainda mais. Era uma incrível reviravolta para quem um ano antes estava praticamente fora da Fórmula 1 por ser hostilizado pelos colegas pilotos.

A situação para Jody até podia ser de decepção, e é até normal entre pilotos competitivos sentirem isso ao não conquistar um primeiro lugar. Mas o que ele não havia tido tempo de refletir é o quanto a situação era diferente um ano antes.

A performance de Scheckter em 1974 fez com que muita gente mudasse de opinião sobre ele. Em seu voo de volta para casa, ele finalmente pôde pensar melhor sobre tudo o que se passara de um ano para o outro, e isso deu a ele um ânimo e disposição que encheu seu espirito de confiança para os anos seguintes, rumo ao seu merecido título mundial em 1979.

O “Fora Scheckter” havia se transformado em “Fica Scheckter”.

Abraços,

Mário

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

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