Eis um tema que tem sido muito (de)batido atualmente: o que é e como classificar uma “geração”?
Entre os muitos conceitos, alguns se firmaram: os veteranos, os “baby boomers”, e as gerações ‘X‘, ‘Y‘ e ‘Z‘. Em linhas gerais, a primeira se refere genericamente todos os nascidos até o final da 2ª guerra mundial, a segunda define originários desse período até começo dos 60, a “X” é usada para definir quem nasceu entre início dos 60 até o começo dos 80, e as subsequentes classificam os que nasceram entre o começo dos 80 e a metade dos 90, e de meados de 90 até o fim da primeira década de 2000, respectivamente.
Trazendo isso tudo à luz da Fórmula 1, precisamos tomar alguns cuidados. Primeiro: não esquecer de valorizar – sem, é claro, minorizar o atual – o que veio antes.
O segundo é sobre definir a geração de acordo com o período de atividade, e não de nascimento: por exemplo, Lauda e Rosberg-pai, baby boomers por natureza, tiveram seus períodos mais duradouros antes de combater Piquet-Prost-Mansell-Senna; Damon Hill, sociologicamente pertencente aos baby boomers, só estreou na F1 quando essa geração estava praticamente extinta; e Schumacher e Barrichello, representantes da geração X, correm agora contra o pessoal Y (e podem até vir a lutar contra representantes da Z!).
httpv://youtu.be/UYVaGYwzD58
Assim, contrariando a sociologia e a psicologia, que são demasiadamente humanas, vamos batizar essas gerações com a música, mais especificamente o bom e velho rock (com gosto para todos), pois este é a cara da Fórmula 1.
“My generation”
Quando o The Who lançou essa canção, que era também o nome do disco, Ayrton Senna estava nos 5 anos de idade, Piquet contava com 13, Mansell havia chego aos 12 e Prost se aproximava de seu 11º aniversário. É bem possível que nenhum deles (Mansell, talvez, por ser da nacionalidade da banda) tenha curtido o álbum em sua totalidade, pelo menos não na época do lançamento.
Mas a letra dessa obra-prima – e a forma com que a banda se apresentava, também – me parece a melhor tradução para aquela geração da F-1 dos anos 80. A começar pelo nome: “Minha geração”. ‘Minha’, nunca ‘nossa’. Pronome possessivo. Da primeira pessoa. Do singular. ‘Egoísmo’ e ‘Individualismo’, por um lado; ‘Liberdade’ e ‘Novidade’, por outro.
A geração “do desbunde”, como diria Cazuza. Foi quando houve o duelo argentino-inglês nas Malvinas, Diego Maradona era o maior craque do planeta, o cinema vivia sua fase “Rambo” (1982/85/88) e “Indiana Jones” (1981/84/89), Michael Jackson revolucionava o mundo da música e o Brasil estava em vias de encerrar a ditadura. Era tudo diferente do que até então se havia visto…
“Espero morrer antes de ficar velho”, diz a canção. Ainda que Ayrton Senna tenha sido o único que partiu novo, todos os quatro deixaram a F-1 com uma boa impressão: Prost se aposentou como campeão, Senna morreu liderando uma corrida, Piquet terminou o ano com uma vitória e à frente de seu(s) companheiro(s) de equipe, e Mansell venceu um GP aos 41 anos, depois de voltar de aposentadoria.
Embora somente em 1986 e 1987 os quatro, de fato, disputaram o campeonato entre si, em 1985 e 1990 todos eles venceram corridas. E não apenas o quarteto marcou época, mas também Michele Alboreto (vice em 1985), Riccardo Patrese (vice em 1992), Berger (vencia GPs fora das melhores equipes), e Boutsen (duas vitórias em 1989) tiveram momentos de brilho. Tudo isso sem contar Rosberg e Lauda que, em vias de aposentadoria, ainda eram fortes, e Stefan Bellof, que poderia ter sido tão grande quanto os quatro primeiros.
É importante lembrar, também, que foi o auge e o final dos motores turbo, o que talvez tenha sido a principal mudança técnica da F1 nos últimos 30 anos… Com toda razão, essa fase da Fórmula 1 é, até hoje, lembrada como a melhor da categoria em termos de ‘talentos máximos’.
httpv://youtu.be/NDJdqVfhXMA
“Geração Coca-Cola”
É muito provável que, com a exceção lógica de Barrichello, nenhum dos principais pilotos da ‘geração 90’ tenha ouvido essa canção ou até mesmo saiba quem foi Renato Russo ou Legião Urbana. Mas o verso “somos os filhos da revolução”, por tudo que foi dito no tópico anterior, cai como uma luva. É a geração de pilotos que cresceu assistindo os maiores duelos e ultrapassagens da história.
O título da canção indica os rumos que o mundo tomava: sob o comando do maior símbolo do imperialismo, tivemos a queda do socialismo e o fim do Apartheid em meio à Guerra do Golfo e de Ruanda; No cinema, produções nem sempre antológicas batiam recordes de orçamento: True Lies, Waterworld, Titanic…
O maior jogador do mundo era Matthaus, depois Baggio, seguido de Romário e Weah, até chegar em Ronaldo, Zidane e Rivaldo; Michael Jackson àquela altura já tinha virado branco e se envolvia em diversas polêmicas; e o Brasil passava do Impeachment para as mega-privatizações.
Na F-1 não foi diferente: as lições que essa geração pôs em prática não foram as de Jerez/1987, citada pelo leitor Mauro Santana. Foram outras. Um trecho da canção de Renato diz:“Depois de 20 anos na escola, não é difícil aprender todas as manhas do seu jogo sujo”. Michael Schumacher já disse essa frase, em outras palavras, quando perguntado sobre suas manobras: o alemão afirmou que cresceu “vendo Senna e Prost”, e que para ele “isso era normal”.
E tudo ficou mais normalizado ainda. Como consequência direta, tivemos uma safra de pilotos que foi, sim, boa, mas que permanece longe de ser “grandiosa”: dessa época, pode-se dizer que apenas o citado Schumacher e Mika Häkkinen foram pilotos do mais alto calibre: Barrichello, os ‘filhos’ Jacques e Damon, o ‘irmão’ Ralf, Frentzen, Coulthard, Irvine, o ‘deslocado’ Alesi e o ‘tardio’ Montoya dificilmente fariam algo maior do que Alboreto ou Patrese conquistaram – e Rubinho foi o melhor deles, diga-se.
Também foi época de mudanças de regras, com o banimento e posterior retorno da eletrônica, e o maior aniquilamento esportivo (tantas vezes citado no site) pelo qual a F-1 passou: o reabastecimento.
httpv://youtu.be/miD0fxT66D8
“Now Generation”
Ao contrário das outras citadas, o Black Eyed Peas certamente é uma banda (re)conhecida pela safra de pilotos que hoje estamos vendo. Ano passado eles lançaram uma música que pode ser vista como o hino da atual geração (e não falo somente de F-1): “Geração Agora”. “Agora” é advérbio de tempo. Se refere ao presente. Pode ser também interjeição. Indica o momento, o instante. Sem espaços para ‘ontem’, ou ‘amanhã’.
“Eu quero dinheiro”, “preciso de grana”, “eu quero agora”,“não posso esperar”, diz a canção. Sinais de um mundo e de uma Fórmula 1 cada vez mais endinheirados. ‘Negócios’. ‘Interesses’ ‘Ecclestone’. Outro trecho da letra demarca:“rápido, veloz como torpedo”. É o retrato de uma época iniciada no 11 de setembro de 2001. Informação é sinônimo de passado. Mudança é a palavra de ordem.
O mundo que cresce à toda velocidade, é também a F-1 renovada: sem espaço para domínios. Verdadeiros moleques se revelam gigantes dentro de um carro: Alguersuari, 20 anos, Buemi, 21. Até pouco tempo, estariam iniciando uma temporada de Fórmula Ford. Ou 3000. Para eles, Keke Rosberg talvez seja o “pai do Nico” e Ayrton Senna o “tio do Bruno”.
Mas, paradoxalmente, essa rapidez e essa ambição criaram o ambiente mais propício para o surgimento de talentos que não eram vistos desde as estreias de Hakkinen e Schumacher: Lewis Hamilton e Fernando Alonso já estão consolidados entre os grandes nomes do esporte; Sebastian Vettel e Robert Kubica estão cada vez mais próximos disso.
O atual campeão Jenson Button e o prematuramente aposentado Kimi Raikkonen são também pilotos de primeira linha; Nico Rosberg, Adrian Sutil, Felipe Massa e Mark Webber, outros talentos inegáveis. E agora também temos um piloto de 41 anos que volta de aposentadoria.
Essa geração é, sob todos os aspectos, mais forte que a anterior e, num conjunto total, tão boa quanto aquela dos 80. Melhor ainda: aos poucos estão removendo a eletrônica, e o reabastecimento está novamente proibido, revalorizando a ‘porção esporte’ que ainda resta(va) na categoria.
httpv://youtu.be/9LrO-MOCW3E
Não pode ser mera coincidência, portanto, que ‘Rambo’ e ‘Indiana Jones’ tenham voltado ao cinema; que a questão das Malvinas voltou a ser discutida a nível internacional; que o melhor do mundo seja argentino e visto como o ‘novo Maradona’; que Michael Jackson tenha voltado ao topo dos noticiários – ainda que, para isso, precisasse morrer (‘before I get old?‘); e que o Brasil esteja também respirando ares de renovação (não necessariamente política)…
Coluna publicada originalmente em 23 de abril de 2010
9 Comments
Assino embaixo. Um ponto curioso é que, no “reinado” da geração pós-“quarteto fantástico”, todos os campeonatos eram decididos, sem exceção, entre pilotos que estavam no melhor carro do grid ou, quando muito, um segundo lugar muito próximo. Nem mesmo os excelentes Schumacher e Hakkinen quebraram essa regra. Antes disso não apenas tinha gente com terceiro melhor carro entrando na briga, mas até mesmo sendo campeão (como Piquet). Só em 2003 vimos novamente um piloto disputando campeonato (embora com chances mínimas) quando havia duas equipes claramente melhores. Alonso faria o mesmo em 2010, e o que está fazendo com a atual Ferrari (que se atualmente parece estar finalmente entre os primeiros, começou o ano como quinta equipe na melhor das hipóteses) mostra que a geração atual é, sim, bem melhor que aquela pós-quarteto.
Outro ponto curioso é que os grandes astros dessa geração não fizeram exatamente o que se espera em uma sucessão convincente. Schumacher, Hakkinen e Hill foram companheiros de equipe de Piquet, Senna e Prost, e ficaram muito longe de “mostrar o valor da juventude” pra geração anterior (que é o que está acontecendo agora na Mercedes). Pelo contrário: Schumacher não fez mais que um quinto lugar com um carro com o qual Piquet fez três pódios e uma vitória, Hakkinen até conseguiu superar o Senna em uma classificação mas também não passou disso, e Hill tomou um vareio do Prost. Isto é, sempre vai ficar aquela dúvida: será que essa geração pós-93 teria conseguido seus campeonatos se o pessoal da geração anterior tivesse ficado no esporte um pouco mais? Eu particularmente acho que não. Coisa bem diferente aconteceu na sucessão para a geração seguinte: Alonso venceu um campeonato contra Schumacher mesmo tendo um carro claramente inferior na segunda metade do campeonato (diferença bem maior que a vantagem da Renault sobre a Ferrari na primeira), mas fazendo uma temporada quase que totalmente desprovida de erros (acho que o único erro do Alonso durante todo o ano foi na corrida da China, quando botou pneus de dois tipos diferentes e foi parar lá atrás devido ao péssimo stint, mas ainda assim, quando colocou os pneus certos na parada seguinte, fez uma recuperação absurda e ainda chegou em terceiro) – enquanto o Schumacher bateu sozinho na Austrália, fez uma corrida pífia na Malásia, cometeu aquela c… em Mônaco quando tinha carro pra ganhar (ou pelo menos acumular muito mais pontos mesmo se alguém tivesse superado seu tempo de classificação após o momento da “estacionada”, depois outra corrida sofrível na Hungria (cortando chicane, queimando pneu e finalmente enchendo a traseira do Heidfeld)… Enfim, naquele momento ficava claro que tinha aparecido um piloto melhor (o que já era sintomático em 2003, quando esse mesmo piloto fez quatro pódios, duas poles e uma vitória com um carro que era só o quarto melhor do grid). Enfim, em 2006 tivemos realmente a impressão de que a nova geração definitivamente superava a anterior. Coisa que nem de longe aconteceu na sucessão pós-93. Sorte nossa de estar acompanhando esse momento!
Excelente texto, Lucas.
Muitíssimo bem observado sobre 2006. Aliás, recomendo o texto que escrevi ano passado, comparando os campeonatos com 1994 com 2006:
http://gptotal.com.br/?p=471
http://gptotal.com.br/?p=367
Fernando,
Já nos anos 1980 os pilotos dependiam de dados obtidos de recursos eletrônicos para em conjunto com seus engenheiros definirem o set-up dos carros. Mais do que isso: com base nas informações de consumo de combustível, entre outras coisas eles definiam a abordagem que teriam em treinos e corridas.
Em 1986, 2 semanas antes do GP do Brasil, a Williams fez simulações de grande prêmio somente para coletar dados de consumo de combustível. Em sua melhor simulação, Piquet ficou com deficit de consumo de 2 voltas (caso fosse uma corrida oficial, Piquet teria uma pane seca a 2 voltas do fim). Com base nesses dados, Honda e Williams trabalharam frenéticamente para otimizar o consumo do motor Honda e do acerto do carro para reverter esse quadro negativo. E reverteram.
É evidente que hoje os pilotos possuem mais dados do que naquela época. Entretanto, isso faz parte da evolução tecnológica natural do esporte e não representa nenhum demérito a eles. Fosse assim e teríamos de dizer que os pilotos dos anos 1980 eram “pilotos de Atari” se comparados aos pilotos dos anos 1960 por exemplo.
ola gptos queria saber se a piloto maria de villota tem chance de ser segundo piloto da hispania. abraços
Arlindo.
nos anos 70 e 80 eram os pilotos que definiam o set up dos carros … a eletronica ajudava mas não era fundamental … nem nos treinos e nem nas corridas …
Fernando Marques
Niterói RJ
Discordo do Fernando,
A eletrônica esteve presente na F1 daquela época sim e modificou muito a cara da categoria, auxiliando os pilotos em sua pilotagem.
Primeiro foi com a implementação da telemetria, depois com o advento da suspensão ativa (presente desde 1987), do controle de altura (presente desde 1988), do câmbio semi automático (surgido em 1989), controle de tração, do controle de largada, da telemetria bi-direcional, nos diferenciais eletrônicos, nos aceleradores fly-by-wire…
Tanto assim que os campeonatos de 1992 e 1993 foram disputas onde quem não tivesse esses recursos eletrônicos não tinha a menor chance de vencer (vide os fiascos da Ferrari, uma equipe envolta em crise e com poucos investimentos em eletrônica na época).
Recursos como o computador de bordo (com informações de tempo de volta, pressão de óleo, consumo de combustível, etc, etc), que surgiu no final dos anos 1970 (salvo engano, no Brabham BT46 de 1978) era algo muito mais sofisticado do que aquilo que os pilotos dos anos 1960 por exemplo tinham a sua disposição.
Hoje temos a tão criticada asa móvel para facilitar ultrapassagens. Só que nos anos 1980 havia o botão de boost que incrementava 100, 200 HP instantaneamente e deixavam algumas disputas tão desiguais quanto as atuais onde um piloto pode usar a asa móvel e o outro não.
A Formula 1 sempre contou com os melhores pilotos em todas as gerações …
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As primeiras gerações certamente era a que tinham pilotos mais audazes face as condições minimas de segurança que havia na categoria
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Entre 1970 até a morte de Senna, creio que Formula 1 produziu as melhores safras de pilotos, pois a Formula 1 evoluiu sem ainda interferencia da eletronica o que fazia ainda valer o braço …
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A atual geração são pilotos de videogames
Fernando Marques
Niterói
Olá pessoal
Gostaria de tirar uma dúvida com vocês.
Na primeira corrida da temporada 1991 de F1, realizada em Phoenix, EUA, o piloto da Jordan, Andrea De Cesaris, foi desclassificado ou não se classificou para o grid de largada?
Abraço a todos!
Ricardo Sarmento, Maceió
Oi Ricardo
De Cesaris não passou da pré-classificação.
Explico: naquela temporada, por conta do grande número de inscritos – 34 no GP de Phoenix -, havia uma pré-classificação, disputada logo cedo na sexta-feira, onde seis pilotos, se não estou enganado, disputavam duas vagas para participar dos treinos classificatórios. Nestes, participavam 30 pilotos sendo que os quatro mais lentos ficavam de fora da largada.
Segundo dados do Statsf1, De Cesaris não se pré-classificou para participar dos treinos.
Abraços (EC)
Vou dizer algo que pode até causar certo barulho, mas acho que o nível do grid atual da F1 é melhor que o nível do grid da F1 nos anos 1980.
Temos 6 campeões mundiais (Schumacher, Alonso, Raikkonen, Hamilton, Button e Vettel) que já provaram várias vezes o nível de seu talento.
Temos também Webber e Massa, que já chegaram perto do título mundial, temos Rosberg que é um potencial ganhador de GPs e temos jovens promessas que no futuro podem vencer provas, como Grosjean, Alguersuari, Di Resta. E mesmo os paydrivers de hoje já não são mais figuras exóticas como eram Nakajima, De Cesaris, Allen Berg (quem?!?) entre outros. Petrov, Senna e Maldonado estão aí pra provar isso.
E isso porque ficarão de fora por pura e simples falta de vaga esse ano gente como Sutil e Barrichello.