Gilles e eu

Interlagos, 1972
06/05/2013
Voltamos!
10/05/2013

Gilles Villeneuve sempre me sugeriu uma criança mimada, impulsionada por um insaciável espírito destrutivo, que pulverizava seus brinquedos, apenas para ganhar outro, maior e mais reluzente.

Essa é muito boa!

Todos sabemos que os RBR estão regularmente, já há algum tempo, entre os F1 mais lentos nas retas. Para não ir longe, os cinco pilotos menos velozes no domingo, no Bahrein, foram, pela ordem, Giedo van der Garde, Charles Pic, Sebastian Vettel, Max Chilton e Mark Webber. Dois Caterham, um Marussia, dois RBR. Que bela companhia!

Mas, como se não bastasse, agora temos a revelação de que os RBR são, também, lentos em curvas de alta velocidade e este é considerado um dos segredos do bom desempenho de Vettel em 2013. “Nas curvas velozes”, disse ele depois de vencer no Bahrein, “é preciso maneirar, não dar todo o gás. Assim, se conserva os pneus para os trechos sinuosos”.

Resta a ele abrir vantagem sobre os adversários pela janela maior de aproveitamento dos pneus Pirelli e poder acelerar melhor na saída das curvas de baixa velocidade, uma qualidade antiga dos RBR projetados por Adrian Newey.

A coisa chegou a tal ponta que o chefão da equipe tricampeã, Dietrich Mateschitz, deu uma rara entrevista, lamentando a situação:hoje não vence o piloto ou o carro mais veloz e sim quem gerencia melhor os pneus. Tivemos de tornar o nosso carro menos competitivo. Se pudéssemos andar forte como somos capazes, precisaríamos de dez a quinze pit stops por corrida”, disse ele.

Não há esperanças de que as coisas mudem nesta temporada. A maioria das equipes não quer mudanças, as autoridades esportivas também não e a Pirelli certamente não arriscaria rever radicalmente a construção dos seus pneus-mussarela, como os definiu AutoSprint, dada a facilidade com que se desfazem.

Mas e no ano que vem?

Não se sabe ainda quanta potência debitará o power train (lindo termo, este!) dos carros – um motor turbo mais dois kers. Tem de ser mais do que atualmente, principalmente na medida em que Renault, Ferrari e Mercedes forem afinando suas criaturas. E que sentido teria investir milhões no desenvolvimento de novos motores se é para ficar na mesma?

O mínimo que se espera é que os motores voltem a se tornar o fator predominante de desempenho, subtraindo importância da aerodinâmica, mandatória hoje, a ponto de premiar o carro menos veloz em retas e curvas rápidas.

Motores mais potentes e menos apoio aerodinâmico levam naturalmente a pneus mais largos, como os de antigamente, com quase o dobro de banda de rodagem em relação aos pneus atuais. Sem pneus bem largos, a única alternativa para a F1 seria reduzir muito a velocidade dos carros em curvas.

Descobre-se, porém, que ainda não se bateu o martelo para 2014 nem sobre o pacote aerodinâmico dos carros, nem sobre os pneus, a Pirelli sequer estando sacramentada como fornecedora da categoria. E no entanto, ela já avisou que não se sente apta a desenvolver pneus muito diferentes dos desse ano.

O que acontecerá, então?

Ninguém sabe ao certo e isso não é nenhuma novidade. Autoridades esportivas, assim como os políticos, sempre demolem a casa sem saber o que vão construir no lugar…

Por falar em indefinições, a nova versão do Pacto da Concórdia empacou.

Segundo se informa, as equipes já concordaram com Bernie Ecclestone nas cláusulas comerciais e financeiras mas se recusam a assinar o contrato que as amarrará à categoria entre 2014 e 2018 sem saber quem será o sucessor do inglês, hoje com 83 anos.

Fico pensando em quem somaria ganância, vaidade e truculência a ponto de merecer suceder Bernie. Na política brasileira, temos alguns nomes que poderiam se candidatar, não acham?

Os anos de Gilles Villeneuve na Fórmula 1 foram para mim, em sua maior parte, um período de distanciamento do automobilismo. Estávamos, entre 77 e 80, eu e tantos outros torcedores, em plena ressaca da ida de Emerson Fittipaldi para a Copersucar. Ele havia nos mostrado o paraíso mas nos expulsou de lá logo depois.

Em 80, Nelson Piquet despontou para a vitória e as coisas foram voltando ao normal. Foi exatamente nestes anos que Gilles forjou a sua fama, atraindo as atenções do mundo inteiro, com a sua pilotagem exuberante – e totalmente irresponsável.

Não sei se pelo afastamento, pela irresponsabilidade ou pela comparação com Piquet, nunca me tornei sensível aos apelos de Gilles. Me divertia com ele, claro, mas acabava torcendo o nariz para o desperdício de toda aquela velocidade, toda aquela ânsia de acelerar e ultrapassar limites sem um mínimo de compromisso com todo o resto. Por que, em nome de Deus, destruir um após outro aqueles maravilhosos Ferrari sem qualquer propósito, sem qualquer sentido prático, como Gilles fez em Zandvoort 79, por exemplo?

Ele me sugeria uma criança mimada, impulsionada por um insaciável espírito destrutivo, que pulverizava seus brinquedos, apenas para ganhar outro, maior e mais reluzente. Espírito selvagem, dizia o mundo, embevecido; espírito infantil, imaturo, inconsequente, ruminava eu, com os meus botões.

Nunca consegui olhar Gilles sem compara-lo à eficiência de Piquet. O brasileiro era tão ou quase tão veloz, também era movido por um fogo sagrado, também era destemido – o provam as voltas de classificação com o motor BMW turbo de sabe-se lá quantos cavalos – mas com foco na vitória, no campeonato e na vida, enquanto Gilles simplesmente se deixava levar por uma sucessão de disputas a cada corrida, a cada volta, a cada curva, numa voracidade que só pode encontrar paralelo num vício, um vício que leva a autoimolação, uma autoimolação que, na data de hoje, completa 31 anos.

Pelas paixões que moveu, Gilles integra de fato e de direito o panteão dos Grandes do Automobilismo Mundial. Espero que ele, onde estiver, não se importe em não ter o meu reconhecimento.

A partir de hoje até dia 14, a página do GPTotal no FaceBook rende um singela homenagem a Gilles Villeneuve, relembrando as suas vitórias na Fórmula 1. Os textos serão assinados por Lucas Giavoni, Márcio Madeira e Marcel Pilatti.

Abraços

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

8 Comments

  1. Edu disse:

    Não deu tempo de escrever na coluna:

    1) Os novos pneus hard da Pirelli – de cor laranja – são mais resistentes. Isso pode ser uma boa notícia pra Felipe Massa

    2) A má notícia é que, em teoria, podem melhorar ainda mais o desempenho dos RBR, Webber em especial. O acerto dos RBR, a traseira bem mais alta do que a frente do carro, é “devoradora de pneus”, segundo explicação que li em AutoSprint. Daí a sacada de Vettel aliviar nas curvas de alta.

    Edu

    • Mauro Santana disse:

      Vamos ver se esse ano o “tã tã tã” toca ao menos uma vez, pois o disco já esta bastante empoeirado!

      Abraço!

  2. Mário Salustiano disse:

    amigos

    sem dúvida eu que também acompanhei a F1 desses anos tenho opinião semelhante a do Edu, era interessante assistir várias provas onde Villeneuve saia tão rápido da prova por abandono, que as vezes quase passava imperceptível nas transmissões da TV,exceto pela plasticidade por vezes da forma como batia, claro que houveram momentos onde tudo deu certo o carro aguentou e fomos brindados com cenas antológicas, Dijon 79, Jarama 81 só para citar duas ocasiões que a TV transmitiu ao vivo, mas do ponto de pilotagem selvagem ele era imbatível e parecia que sua mente só funcionava para aqueles segundos do momento presente, nada de pensar nas voltas subsequentes, campeonato então esquece, ele não era desse mundo nesse sentido.
    Não creio que tanto Villeneuve quanto Peterson foram “prejudicados” pela fragilidade de seus equipamentos , na mesma época correram Scheckter, Alan Jones e James Hunt que para mim representam campeões que não eram gentis com suas maquinas, mas que sabiam dosar o necessário quando era preciso, acho que no caso de Peterson pesou mais a conjuntura de suas escolhas quando sua maturidade como piloto o deixou pronto para vencer de forma perene, o período da Lotus entre 74 a 76 e na March e Tyrrell entre 76 e 77 claramente foram escolhas ruins em termos de equipamentos para disputar títulos, isso pesou tanto na carreira dele que seu retorno na Lotus em 78 foi na condição de segundo piloto sem poder contestar a posição de Andretti, um fato daquele ano que me lembro bem, aconteceu na Holanda, onde pela primeira vez assisti uma ordem de equipe para um piloto não ultrapassar outro, por várias voltas Peterson emparelhou seu carro ao lado de Andretti na reta de Zandvoort, mas Chapman proibiu a ultrapassagem e assim ele ficou na segunda posição, naquela época não tinhamos narradores histéricos para recriminar o ocorrido e talvez por isso talvez o fato seja pouco lembrado

    abraços

    Mário

    • Fernando Marques disse:

      Mauro,

      quando citei a fragilidade dos carros foi por pensar que o Gilles e o Perterson possuiam os mesmos dons do Senna … que a meu ver se corresse naquela epoca tambem não conseguiria ser campeão … lembro que tínhamos o Pace que não fugia tambem destas caracteristicas …

      Fernando MArques
      Niterói RJ

  3. Marcel Pilatti disse:

    concordo com o Ronaldo.

  4. Fernando MArques disse:

    O que faltou ao Gilles Villenueve e ao R. Perteson era uma Formula 1 com carros resistentes, confiáveis e não tão frágeis como os daquela época. Tanto que os grandes campeões dos anos 70 e 80 eram bons principalmente por não ser apenas um pé pesado..
    O Ayrton Senna teve um carro resistente e confiável para ser campeão. A partir de 1988 a Formula 1 conseguiu fazer carros assim.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  5. Mauro Santana disse:

    Gilles era Ferro ou Fogo, 8 ou 80!

    Para mim e para muitos, Gilles Villeneuve e Ronnie Peterson são os 2 campeões sem títulos.

    Como seria a temporada de 1985 com Senna(que na época andava feito louco com a Lotus 97T) alinhando no mesmo grid com o canadense!?

    Sempre fico imaginando isso.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

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