Indianapolis Jones e as Mille Miglia II

O mágico e o refundador
26/03/2012
Alegrias e Dúvidas
29/03/2012

Leia a conclusão do capítulo do livro “O capacete verde”, escrito por Jon Cleary.

Leia a conclusão do capítulo do livro “O capacete verde”, escrito por Jon Cleary.

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Entraram em Ravena com Ham dando nos freios ao se aproximarem do posto de controle. Taz estendeu a ficha do roteiro, ao diminuírem a marcha; um fiscal acercou-se do carro e aplicou um carimbo sobre a ficha, afastando-se logo e fazendo-lhes sinal para seguirem.

Depois de Ravena havia a estrada sinuosa de Forli e dali uma volta brusca para o sul em direção a Rimini. Daí a Pescara entrava-se no trecho mais rápido de toda a corrida. À esquerda o Adriático parecia um vasto campo salpicado de sol. Nas aldeias viam-se as redes dos pescadores estendidas para secar, quadriculando os reflexos da manhã. Mas Ham e Taz viam apenas a estrada azulada e poeirenta pela frente: era uma fita, com mil milhas de comprimento, que o Mago precisava engolir.

Entraram a 170 km/h em uma ponte arqueada, elevando-se no ar que nem um avião. Ham conservou as rodas alinhadas, confiante em que Taz não lhe tivesse fornecido nenhuma indicação errada, e cem metros adiante o carro pegou de novo a estrada, ainda na linha e ainda a 170 km/h.

Pescara era o segundo posto de controle. Ao diminuírem a velocidade para receberem o carimbo na ficha, avistaram George Hayes no hangar atrás do posto, acenando para eles com uma toalha de mesa verde amarrada a um bambu.

_ Vocês estão em segundo lugar, gritou ao vê-los dirigirem-se à parada; George sacudia a mangueira de gasolina, à ré do carro. – Doze segundos atrás do primeiro.

Um mecânico limpava as moscas e insetos mortos no pára-brisa; outro verificava a situação do óleo e da água; um terceiro examinava os pneus. Bartell não fizera economias: aqueles homens haviam sido contratados pelo dia inteiro, para trinta segundos de trabalho. Ham meteu os dentes na banana descascada que lhe foi oferecida, Taz estava chupando uma laranja.

_ Toquem para a frente, berrou George, encontro vocês em Brescia!

Ham engoliu o resto da banana, enfiou um bocado de chiclete fresco na boca, fez a mudança e acelerou, com um gemido da máquina e um grito de protesto dos pneus. Se Rossano, o puxa-fila, obtivera trinta segundos de vantagem até Ravena, que era o lugar onde o seu tempo devia ter sido assinalado e comunicado pelo telefone, essa vantagem deveria ter crescido no longo trecho de caminho até Pescara. Ham precisava caprichar no próximo lance.

A parada seguinte era Roma, a 150 milhas, do outro lado das montanhas. Essa era o trecho onde Richie perdera a vida.

O dia já estava quente. Pela frente do carro as montanhas abruptas erguiam-se contra a fulguração azul do céu. Ham sentia-se molhado de suor, que escorria abrindo caminho no pó que lhe enegrecia o rosto e os braços. Os pulsos e os braços começavam a ressentir-se do esforço continuado em batalhar com o volante; o braço esquerdo sofria mais que o direito, devido ao trabalho com a alavanca do cambio. Também a perna esquerda principiava a endurecer de tanto pisar na embreagem.

Estavam numa reta. Ham sentiu um toque na coxa. Taz gritou qualquer coisa, ele virou a cabeça para o lado e o irmão tornou a dizer: Vazamento!

Correu os olhos pelo interior do carro, buscando o escape de óleo ou gasolina; de repente entendeu. Freou bruscamente, rindo consigo mesmo e foi atrás de Taz, que saíra para se aliviar. Correr de bexiga cheia era um perigo: qualquer batida poderia ter sérias conseqüências no organismo.

Desabotoou o macacão e olhou em torno, avistando uma longa fila de monges, vestidos de marrom, de pé no barranco logo acima deles. Os monges, com as cabeças raspadas brilhando como seixos de rio, batiam as mãos para anima-los: não era a hora de falsa piedade, o momento era de urgência. Assim ficaram os monges e os dois volantes olhando uns para os outros, dando boas gargalhadas, enquanto na estrada pouco atrás outros carros passavam levantando ciclones de ruído e poeira. Ham e Taz acenaram para os monges e retomaram o caminho com o carro.

Enquanto escalavam as montanhas o calor dava a impressão de tornar-se mais intenso. Enveredaram por umas ruas estreitas, sombreadas como túneis. A corrida parecia ter começado a cobrar o seu tributo. Encontravam carros que tinham perdido a direção: um com a frente amassada contra o portão de uma casa, outro queimado como judas em sábado de aleluia.

Também deixavam para trás carros que ainda estavam no páreo. Na subida até Áquila toparam com uma Ferrari cujo piloto parecia ter necessidade de toda a largura da pista para conservar-se nela. Em cada curva ou rampa acabava sempre em cima do saibro ou do cascalho que margeava a estrada. Ham não ia a mais de dois metros da Ferrari ao entrar e sair de cada curva. Sabia que era preciso passar; não podia ficar preso atrás do outro até saírem da parte montanhosa. Taz tocava a buzina e piscava os faróis mas o piloto da Ferrari parecia noutro mundo.

Atravessaram a localidade de Áquila, um furacão de dois carros jogando as pessoas de encontro às casas e começaram a descer para Rieti. Naquele trecho morrera Richie, mas Ham afastou essa idéia do espírito.

As ladeiras eram bem acentuadas e o piloto da Ferrari ia levando a melhor. Excessos de potencia pouco significavam, todo mundo corria na descida. E entretanto era o ponto em que os corredores duelavam.

Iam chegando ao lugar em que Ham e Richie tinham saltado da pista. Taz deu o sinal, avistando a curva em S e da curva fechada para a direita logo a seguir, mas Ham tinha de cor toda aquela parte da estrada como se a visse inteiramente descoberta à sua frente. A Ferrari entrou no S já trabalhando com os freios e abriu bastante no segundo lance para entrar bem na curva à direita. Nesse momento Ham enfiou o Mago por dentro; estiveram um instante lado a lado, ao frearem para entrar na outra curva. Aí os nervos do piloto do Ferrari não agüentaram; pisou mais forte nos freios.

A curva abriu-se diante deles. Ham tirou o pé do freio e pisou no acelerador. Dependia da força do Mago. Ouviu o motor rugir, sentiu firmes os pneus, e assim saíram da curva deixando para trás a Ferrari. O rombo ainda estava lá na muralha baixa e também a árvore contra a qual o carro fora atirado; mas Ham não viu, e Taz, absorto com a perícia do irmão, esqueceu-se de olhar.

Acabaram de descer a montanha e chegaram a dar 170 no caminho de Roma. Entraram nos subúrbios da cidade deslizando nas curvas como se as pedras das ruas fossem quadrados de gelo; e Taz usava a buzina e os faróis para avisar da chegada não a outros carros, mas aos espectadores.

A massa, com vocação para o suicídio, amontoava-se nas ruas até dar a impressão de que uma bicicleta já custaria a passar. Taz continuava buzinando e a multidão jogava-se para trás enquanto o Mago abria caminho a 130. Assim chegaram ao posto de controle.

Ham pulou fora do carro e pôs-se a andar de um lado para outro. Já dois mecânicos trabalhavam nas rodas traseiras – haviam resolvido mudar as rodas de trás ali em Roma – e um terceiro mantinha o macaco pronto para arriar o carro novamente. A gasolina enchia o tanque sob pressão, em quantidade bastante para chegar a Florença; também bombearam o óleo e puseram água no radiador. Ham, para lá para cá, tentando alijar da perna aquela dormência doída, admirava a maneira pela qual Ed Carlin organizara tudo ali.

Carlin deu-lhe um copo de laranjada e uma barra de chocolate. Enquanto ele bebia, Carlin refrescava-lhe o rosto e a nuca com uma toalha molhada, como se fosse um assistente de lutador de boxe num intervalo entre assaltos.

_ Rossano é que vocês tem que vencer. Ainda leva dez segundos de vantagem, disseram de Rieti, pelo telefone. Vocês descontaram um pouco nas montanhas, de Pescara até aqui. Ele desenvolve mais nas retas de modo que é preciso alcança-lo agora e deixa-lo para trás quando passarem Florença. Muito bem, já estão acabando. Boa sorte!

Ham, com a boca ainda cheia de chocolate, ajeitou-se no assento. As rodas traseiras bateram no chão com um ruído surdo, ao ser tirado o macaco. Ham já dera partida e ia engatando a marcha; os pneus rolaram, ganharam firmeza no chão e o carro saiu. Fazia cinco horas e meia que estavam correndo e a parte mais difícil da jornada era a que tinham ainda pela frente.

Avançaram para Viterbo e subiram o Passo Radicofani, com a assistência apinhada como um clube de suicidas à beira de cada curva. O sol ia alto, transformando o interior do carro em uma fornalha. O único remédio era não pensar naquilo. Taz já principiava a sentir-se mal; era um alivio quando tinha alguma anotação para ler, buzina para tocar, faróis para acender e apagar. Passaram zunindo no Passo por um Gordini azul que perdeu a direção e foi bater no muro, na hora exata em que o deixavam para trás.

Enveredaram por uma longa reta, avistando a aldeia lá adiante, e Taz fez um sinal para ir freando e entrar a meia-força por uma curva à direita. Quando se achavam mais perto, Ham começou a frear. Vira um carro vermelho entrar a uns trezentos metros na frente deles, envolto numa nuvem de poeira, e teve a intuição de que havia alguma coisa.

Dobraram a esquina de uma casa alinhada com a rua e lá estava o carro vermelho bem na frente deles, cercado de aldeões que faziam tudo para pô-lo novamente a caminho. Uma mulher gritou, mas Ham e Taz, ensurdecidos pelo barulho do próprio motor, não chegaram a ouvir. Só o que viram foi uma porção de rostos virando-se para eles, subitamente brancos de terror, e aí foi Taz quem gritou. Ham não forçou os freios; virou o volante um pouco e fez o carro deslizar. A multidão estarrecida cresceu ao lado deles; Taz viu um garoto esconder a cara nas pernas do pai. O Mago ia agora todo de lado; a traseira escorregou mais e Ham voltou a frear. O Mago passou de través, sem tocar na massa humana, e foi parar nos fardos de capim lá na beira da pista.

A multidão deu um suspiro de alivio, mas Ham já estava engrenando a primeira e tirando o carro de cima dos fardos. Assim ficava bloqueando a estrada e havia sempre o perigo de outro carro surgir correndo na curva. Deu ré, tornou a endireitar o carro, entreviu uma passagem no meio da turba e calcou o acelerador. Taz olhava com ar de encantamento. Ham deu uma risadinha: sabia que acabava de realizar uma de suas melhores proezas de toda sua carreira.

Escoavam-se as horas e os minutos e eles continuavam a correr absortos naquele mundo de flamantes castigos. Passaram fulgurando por Siena e tomaram o rumo de Florença. As estradas eram más e o carro sacudia e pulava como um animal selvagem; dançaram sobre um longo segmento de trilhos de bonde que mais pareciam duas fitas de gelo duro. Enveredaram por uma ponte e foram sair a mais de 100 numas ruas estreitas e sinuosas, atravessando uma praça com um amplo deslizamento sobre as quatro rodas, e logo chegaram ao posto de controle.

A ficha foi carimbada e avançaram devagar até o lugar onde os esperava Charlie, com a cara vermelha e o macacão escuro de suor, já empunhando pronta a mangueira de gasolina.

_ Precisam ir mais depressa! berrou, depois de enfiar o tubo no tanque, fazendo sinal de cabeça em direção aos hangares. – Rossano vem aí atrás, com um minuto de vantagem sobre vocês!

Ham cuspiu fora os chicletes e meteu outros na boca. Limpou o rosto com a toalha molhada que lhe deram e espremeu o resto da água na nuca. Charlie retirou a mangueira de gasolina, dando sinal para seguirem, e Ham castigou a máquina, lançando-a fora do abrigo. Antes de precisar concentrar a atenção na estrada que tinha pela frente, ainda pode ver, pelo espelho, o Ferrari vermelho de Rossano acabando de sair do galpão logo atrás dele.

O calor faiscava nas montanhas à frente e já relâmpagos sinistros arreganhavam os dentes por trás dos picos mais distantes. O asfalto fundido misturava-se com a borracha e o óleo de centenas de carros que já haviam passado por ali e em certos pontos da superfície da estrada constituía um risco de morte. Os braços de Ham não paravam de rodar enquanto ele movia o volante e a alavanca de cambio. Olhadas rápidas e esporádicas ao retrovisor demonstravam que Rossano não estava levando vantagem naquele trecho difícil. Mas isso não servia de consolo: precisava impedir que Rossano vencesse, e não só isso, precisava vence-lo! Contava recuperar o minuto perdido em alguma passagem daquelas montanhas e ganhar mais um minuto ou dois para ter o que perder nas retas compridas de Modena, Parma e Cremona, onde a Ferrari faria valer sua maior velocidade.

Encontravam-se no alto do Passo Futa quando desabou o temporal. A chuva caiu de repente sobre o Mago, como os respingos de uma grossa vaga arrebentando num canto do Passo Futa.

Num momento guiavam através da poeira, e já no momento seguinte a poeira do pára-brisa estava transformada em lama. Lama nos óculos de Ham também, e ele os arriou dos olhos. Fez sinal a Taz, que procurou no porta-luvas um par de óculos sobressalentes.

Ainda não chovera o suficiente para lavar a lama da estrada; o carro deslizava por superfícies escorregadias em cada curva. Diversos carros saíram da pista assim que entraram a correr na chuva. Ao descer de uma ladeira mais íngreme o Mago derrapou e aproximou-se da curva quase de través. Ham, esforçando-se para enxergar com os novos óculos já enlameados também, teve uma sensação de frio pânico; as mãos endureceram no volante, como se uma voz lhe segredasse que a morte era inevitável naquela hora, e o carro continuava derrapando. Aí o instinto de conservação tomou conta dele: esperou até o último instante, até se acharem na boca da curva, e então pisou com força. O Mago escorregou mais um pouquinho, com a beira da pista ameaçando cada vez mais perto, até que os pneus, pneus Bartell, firmaram-se. Um segundo depois venceram a curva.

A chuva agora era torrencial. Carros à frente deles diminuíam a marcha; ultrapassaram cinco de uma enfiada. As imagens do retrovisor estavam agora distorcidas pela água; era totalmente impossível saber se Rossano ainda vinha perto.

Ham sempre fora um dos melhores corredores em pista molhada. E estava ali com toda sua habilidade, se ainda tivesse confiança nela. Era a sua oportunidade de mostrar-se ainda o mestre na chuva. E era também a oportunidade de ganhar a corrida, porque naquele momento não havia nenhum outro capaz de competir com ele em semelhantes condições. O que Ham dissera a Richie meses antes era verdade: na verdade quem ganha a Mille Miglia é o piloto e não o carro.

Chegaram a uma aldeia escorregando sobre o calçamento em marcha batida; saíram do outro lado arando em lama e enfim tornaram à estrada aberta. Viram de relance os carros parados na aldeia e os aldeões debruçados nas janelas que nem pássaros de gaiolas. Na pista livre Taz arriscou uma olhada para trás. Não se via Rossano.

Iam com os faróis acesos, sob o aguaceiro que desabava sobre eles feito um véu sólido. O assoalho estava cheio d’água, molhando os pés. Os macacões diziam-se impermeáveis, mas não demonstraram impermeabilidade alguma debaixo daquela chuvarada. Taz fazia o possível para ler o rolo de anotações sob uma capa plástica; sentia-se cada vez mais temeroso de fornecer a Ham uma indicação errônea. Desceram o Passo Raticosa, deixando para trás o local onde o velho Rafferty morrera, a uma velocidade pouco inferior à que estariam fazendo em tempo seco. A pedra estava lá, negra de lama; mas os filhos passaram sem olhar. E daquele ponto em diante, como se acabasse de cruzar um Rubicão de perigo, Ham pôs-se a guiar cada vez mais depressa, como se tivesse levado a vida inteira correndo na chuva.

Fez a descida com uma série de deslizamentos que pareciam não levar em conta a superfície traiçoeira embaixo. Por duas vezes arranharam o parapeito de pedra na margem da pista; e de cada vez Ham saía com o Mago estrilando sem diminuir a marcha.

Assim se viram livres da montanha e a caminho de Bolonha. Entraram na cidade a mais de 130, começando a frear muito antes do posto de controle para não derrapar. A ficha foi carimbada sem terem ainda parado, com o fiscal muito satisfeito em poder voltar ao abrigo a coberto do aguaceiro, e sem parar continuaram rumo às estiradas retas de Modena e Parma até Piacenza.

A chuva enfim principiava a ter efeitos sobre o carro. Havia água nos freios e nas juntas, o jogo da direção endurecera cada vez mais até parecer quase sólido. Ham guiava agora quase exclusivamente com a força do motor e as rodas de trás, numa demonstração de arte que Taz não podia deixar de admirar mesmo quando com isso corriam sobre o fio que os separava da catástrofe. Era a arte de um homem com longa experiência e, naquele momento, com absoluta confiança na própria habilidade.

Passaram por Modena e depois dali beiravam os 160, levantando jorros de lama que se desdobravam em densos véus atrás deles. Ham, sem poder enxergar com os óculos, tirou-os e dirigia sem eles, entrecerrando os olhos contra o impacto da chuva. Continuavam ultrapassando outros carros, mas nenhum deles representava um desafio.

Parma, Piacenza, e a chuva sempre. Mantua, onde o fantasma de Nuvolari devia estar de pé para saúda-los. E por fim a última arrancada rumo a Brescia.

Ham guiava agora com habilidade, confiança, prazer, e um vago sentimento de tristeza: aquela seria sua última corrida, e nunca havia corrido melhor. Estava encharcado até a medula, preocupado e com frio; a perna era uma brasa dolorosa e os músculos do braço pareciam chumbo. Jamais fora tão feliz, uma felicidade com mescla de mágoa. No ano seguinte ele estaria em Brescia, como um dos outros, olhando e esperando; em Le Mans, Silverstone, Spa, Nürburgring… só teria o direito de olhar e esperar. Já o irmão Taz, a seu lado, moço e com toda uma carreira de piloto pela frente, estaria saboreando aquela felicidade. Era a inveja de Taz começando.

Bem recuado no assento, os braços quase esticados, naquele dia era o Mestre da profissão. Ao lado de Nuvolari, Varzi, Caracciola, Fangio, ao lado do pai. A máquina do Mago abriu num crescendo, a agulha do velocímetro subiu mais, o véu de espuma barrenta fez-se mais grosso e mais alto à retaguarda. Cobriam a estrada a 170, varando o resto do temporal rumo à escassa claridade que raiava sobre a cidade ao longe.

E assim chegaram a Brescia, tomaram o Viale Rebuffone a cem milhas por hora, a bandeira xadrez lá adiante, e o rugir da multidão ainda mais forte que o rugido do motor. Cruzaram a meta, a bandeira desceu, Ham começou a reduzir a marcha.

Foram parar sob uma brecha de sol claro. O carro fumegava. Ham tirou os pés da água que subira dez centímetros do fundo do assoalho. As roupas coladas aos corpos eram como peles adicionais; sentiam as carnes duras de fadiga e frio. Mas os dois riam.

Foi quando Bartell chegou perto, a cara ossuda desarmada por uma felicidade igual à deles.

_ Você conseguiu! Ganhou! Rossano disse em Modena que este era um grande dia. Vocês venceram!

Ham virou-se e pós a mão no joelho de Taz:

_ Daqui por diante a pista é sua.

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Abraços

 Carlos Chiesa

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

4 Comments

  1. ronaldo disse:

    As indicações de velocidade são em milhas ou Km?

  2. Fernando Marques disse:

    A Milli Miglia ainda é disputada?
    Acho que li alguma coisa a respeito disso na internet

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Carlos Chiesa disse:

      Creio que é disputada como rally de regularidade para carros históricos, Fernando. Não mais como era no início, uma vez que era perigosa não só para os competidores como para o público, coisa que se pode depreender pela obra de Jon Cleary.

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