Ok, vou parar de amolar a paciência dos leitores com este papo de mil GPs, mas me deixem liquidar minhas anotações sobre o tema, imprecisas e distraídas como sempre (Confira aqui as partes 1, 2 e 3).
Os carros
Dos primeiros GPs até o comecinho dos anos 70, um bom carro de Fórmula 1 era o mais veloz nas retas. Estabilidade nas curvas e frenagem eram preocupações menores dos projetistas. Não por acaso, Enzo Ferrari só queria saber de motores, motores, motores.
Também, com aqueles pneuzinhos e os freios a tambor e a única preocupação com aerodinâmica sendo a redução da área frontal dos carros, não havia muito o que os projetistas pudessem fazer para reduzir os espaços de frenagem e aumentar a velocidade em curvas.
Isso começou a mudar a partir do momento em que as autoridades esportivas impuseram os motores de 3 litros, em 1966. A partir daí, os projetistas começaram uma longa viagem em busca de pressão aerodinâmica que permitisse despejar toda aquela potência sobre as rodas.
Com o passar do tempo e a evolução da curva de aprendizado, a ênfase nos motores foi se perdendo, trocada pelas pesquisas aerodinâmicas. As coisas se inverteram de tal forma, a ponta de se beirar o ridículo: na maioria dos GPs vencidos pela RBR nos seus anos de dominância – 2010-2013 –, seus carros eram sistematicamente os mais lentos em retas. Enzo Ferrari teria dificuldades para aceitar a realidade crua dos fatos, de que a velocidade máxima dos carros tornou-se de tal forma irrelevante.
E, no entanto, esta investida em busca da pressão aerodinâmica tornou os carros de F1 mais próximas daquela definição suscinta e elegante que é a meta maior e mais nobre de quase todos os carros de corrida: tornar a sua velocidade média a mais próxima possível da velocidade máxima.
Este desafio foi atingido por conta de investimentos maciços em pesquisa, materiais e métodos construtivos, movidos por centenas de engenheiros. Não tenho medo de afirmar que o corpo de engenharia da menor equipe da F1 atual – penso na Williams –, é maior do que a soma de todos os engenheiros de todas as equipes que correram na F1 durante as suas três primeiras décadas.
Enzo Ferrari certamente teria dificuldades em entender o rumo que as coisas tomaram.
Os motores
Bem, não tenho muito mais a falar sobre eles. Aliás, nem motores são mais; são powertrains, numa concepção difícil de entender e, creio eu, sem volta.
A opção das montadoras pelos motores elétricos é irreversível no momento, mesmo contra as evidências de maior preço e dificuldades de descarte de baterias, que duram uns dez anos e são de difícil reciclagem, pelo pouco que sei do assunto. E se as montadoras endossam esta visão de futuro, não vejo como a F1 possa fugir dela.
A grande pergunta é se a categoria terá coragem de adotar o motor único, como faz com os pneus. Até uns três anos atrás, diria que é impossível. Hoje, não sei: várias delas já associam as suas marcas aos carros da Fórmula E.
As corridas
As maratonas dos primeiros tempos – GPs com três horas ou mais de duração eram a regra até os anos 60 – deram lugar a verdadeiras corridas de sprint na chamada época de ouro, a única estratégia possível sendo aquela resumida na frase lapidar de Nelson Piquet: “não tem estratégia. É o tempo todo com o pé lá…”. Todos aqui sabem o que Piquet quis dizer com “lá…”.
Hoje, a coisa é bem diferente. Começa pela relação entre o carro e o rendimento e desgaste dos pneus, pista a pista, passando depois por uma análise complexa das condições da corrida: tempo total do pit stop, presença ou não de carro de segurança, tráfego e outras mumunhas mais.
Quando as regras atuais passaram a viger, sem reabastecimento, mas com troca obrigatória de pneus de compostos diferentes, previ que haveria uma homogeneização das estratégias de corrida. Isso, de fato, aconteceu, mas como nossa tendência ao dissenso vale para todas as facetas humanas, as equipes foram complicando e complicando a questão, montando inclusive grupos de estratégia de corrida, com dezenas de integrantes e computadores de alto desempenho na sede das equipes, ligados ao autódromo por sistemas de comunicação de altíssima velocidade.
Quando você toma medidas deste tipo, a tendência inevitável é o crescimento dos exotismos que, como se tem visto, geralmente só ferram com as equipes.
A tendência, porém, é forte e duvido que se atenue, salvo por alguma mudança radical no regulamento.
Hoje, não é mais o tempo todo “lá” e isso empalideceu o espetáculo. No meu caso pessoal, reduziu consideravelmente o interesse que já tive pela Fórmula 1, como já lamentei tantas vezes aqui.
Os pilotos
Tenho a impressão que eles já não precisam tanto de coragem quanto no passado, confiantes que se tornaram na segurança dos carros.
Tiveram, em contrapartida, de desenvolver uma série de habilidades. A mais importante delas, por paradoxal que seja, foi aprender a frear. Imagino que este seja o maior diferencial de um piloto contemporâneo.
Os testes
Acabaram, simplesmente acabaram, trocados por simulações de computadores e simuladores, expondo a categoria a outra situação esdrúxula, exposta por Fernando Alonso, anos atrás: a F1 é o esporte em que os praticantes menos treinam.
Trata-se de outra realidade inalterável.
O público
Não há mais a proximidade entre o público e os carros. Ou, há, mas custa muito caro.
Penso em eu e Roberto Agresti catando nacos de borracha de pneus de F1 na Curva do Sol, em Interlagos, ou nós, ajudando a empurrar o McLaren de Emerson Fittipaldi em 1974 – quer dizer: ele empurrando e eu zoando…
Hoje, teríamos de pagar uns três mil reais por ingressos de paddock para podermos olhar os carros mais de perto, mas nunca, nunca colocar as mãos naquelas joias preciosas.
O mesmo vale para o povo das tribunas e arquibancadas. Nos velhos tempos, a F1 era um esporte de massa, o ingresso custando barato. Hoje, é programa de rico. Isso certamente pesa, não sei bem como, no menor interesse pela categoria.
Também a divulgação maciça das imagens da F1 pesa. Ver GPs pela TV foi um privilégio que se banalizou. Não estou lamentando, apenas constatando.
Brasil
Chegamos à Fórmula 1 com vinte anos de atraso – pedindo desculpas aos pioneiros Landi&Cia – e aí arrasamos até 1994 e tivemos vários bons momentos até 2009.
Agora, como no futebol, é só um retrato na parede…
Mobilidade
Não é o carro que envelheceu; foi o conceito de mobilidade que perdeu relevância em nossas vidas. Se mover tornou-se, na maior parte dos casos, uma chateação da vida moderna e a posse de um automóvel algo totalmente desprovido de interesse. Mesmo carros esportivos, noto com pesar, são coisa de homens de idade. Não creio que um James Dean contemporâneo com um Porsche Spyder atrairia a atenção de muita gente hoje em dia.
A segurança
É a melhor notícia da Fórmula 1 contemporânea.
As medidas que pouparam a vida de talvez algumas dezenas de pilotos nos últimos trinta anos não se deram às custas da contenção do desempenho dos carros, muito pelo contrário. Obra dos engenheiros, associada a investimentos e a uma firme disposição dos dirigentes em não se acomodarem.
Foi um momento raro e especial da categoria, como implicações em todo o automobilismo: o fato de o número de acidente com vítimas ter caído não temm significado uma redução nos investimentos e iniciativas em segurança ativa e passiva nos carros e autódromos.
Isto, Enzo Ferrari, que foi definido uma vez como um “Saturno moderno”, certamente aplaudiria.
Abraços,
Eduardo Correa
5 Comments
Belíssimo artigo. Pode continuar suas colunas Mil o quanto quiser pois são pérolas de bom texto.
Palmas para a coluna!!!
Edu,
pensa na coluna 2Mil! …
sabe-se lá até onde a Formula 1 vai chegar???? … será que teremos pilotos ou robôs pilotando as maquinas?
Fernando Marques
Niterói RJ
Não quis brincar com esta ideia, Fernando.
Considerando umas 22 corridas por ano, o GP 2000 será disputado lá pelo ano 2 060. Não sei se a humanidade dura até lá…
Abraços
Edu
Artigo state of the art.