Moleques em Interlagos II

39 anos depois
17/09/2012
Sorte e competência
24/09/2012

39 anos depois, a volta triunfal de Edu e Roberto Agresti às arquibancadas de Interlagos, com os Audi R18 como testemunha.

A caixa d´água segue lá, no mesmo lugar. Ela proporcionava a necessária privacidade para pular sossegadamente o muro que nos dava, moleques, acesso às maravilhas da Interlagos, anos 70.

Pular o muro, agora, seria mais complicado, e não por causa das barrigas apenas ligeiramente mais proeminentes. É que o terreno baldio que dava acesso ao muro a partir da Senador Teotônio Vilela, virou um hotel, delegacia ou algum outro estabelecimento cuja finalidade não foi possível precisar. Todos os três, diga-se, de aparência suspeita.

Mas faltou só mesmo o salto ao muro na nossa volta triunfal, homens feitos, a Interlagos, sábado passado, para assistir às 6 Horas de São Paulo, eu e Roberto Agresti, o mais fiel, próximo e identificado parceiro de aventuras adolescentes.

Nos últimos trinta e tantos anos, abri mão de acompanhar de perto e com método as demais categorias do automobilismo. Interlagos? Só F1 e, se não esqueci nada, uma única corrida de Stock Car, outra para acompanhar Roberto numa prova da Classic e alguns poucos eventos, como o relançamento do Copersucar. No mais, só pela TV e revistas e só F1. Sabe como é: a vida é curta e os interesses tantos que é preciso um mínimo de foco…

No entanto, quando vi a lista de inscritos para as 6 Horas de São Paulo, uma lâmpada se acendeu: não vá repetir o erro do 917/10!

Explico: no final de 72, acho, dias 24 e 31 de dezembro, Interlagos sediou duas provas onde largaram um ou dois Porsches 917/10. Devem ter sido as únicas duas corridas a que não estive presente em Interlagos naquele ano. Até hoje não me perdoou ter deixado de ver com os próprios olhos um dos carros que mais me impressionaram na vida.

Desde então, não houve muitos outros como ele. No mesmo nível, creio que só os Lotus 78 e 79. Ok. Tivemos o Porsche 956, os McLaren de Senna e Prost, aquele Jordan da estreia de Michael Schumacher, uns DTM nervosos mas, come on…

Bem. Aí lançaram este Audi R18 Ultra, turbo diesel, seguido pelo híbrido R18 E-Tron Quattro (a carroçaria de ambos é idêntica) e fiquei interessado. Quando a lâmpada começou a piscar, deixei os dias passarem e ver se o imobilismo, preguiça e trabalho rotineiro davam cabo do desejo de ir a Interlagos. Estava quase desistindo quando surgiu a ideia de convidar Roberto.

A ida ao autódromo, então, ficou perfeita, menos pelos Audi, mais pela sempre agradável companhia do meu amigo. E não digo isso pela conversa, ágil, interessante e engraçada, mas pela percepção que o passar dos anos nos mantém em sintonia, o que me deu uma grande alegria.

Lendo o seu relato da corrida, 2ª-feira, aqui no GPTo (https://gptotal.com.br/?p=3556), percebo que eu e ele concordamos que é preciso manter uma certa inocência, cuidadosa, vigilante, informada, mas ainda inocência, para trafegar no automobilismo – assim como na vida. É preciso, às vezes, apenas esquecer todo o resto e olhar os carros passarem à nossa frente, aceitando a velocidade, cor e barulho próprios de cada um, deixando de lado por um momento que seja aspectos comerciais, jurídicos, financeiros, mercadológicos, políticos, ideológicos e eventualmente policiais da vida.

Mais do que voltar a Interlagos, 39 anos depois, foi a alegria de saber que, cada um ao seu modo, eu e meu amigo querido soubemos lidar com a vida de uma forma minimamente sadia e que estamos firmes e forte para, quem sabe, voltar lá daqui 39 anos. Terei 94 anos, então, e sabe-se lá o que veremos na pista mas, seja o que for, certamente ainda teremos paixão e prazer por simplesmente ver os carros passarem diante de nós.

As aventuras de Edu e Roberto em Interlagos estão narradas em pelo menos duas colunas: “Buraco no alambrado (https://gptotal.com.br/2005/Colunas/Agresti/20071031.asp) e Moleques em Interlagos (https://gptotal.com.br/2005/Colunas/Eduardo/20071015.asp)

O que me atrai tanto neste Audi? Há muito tempo não curto a beleza dos Sport-Protótipos, o último deles que me sensibilizou sendo o Porsche 956, que enfileirou vitórias em Le Mans a partir de 82.

Não pode ser a pureza das linhas do R18. Reparem nos detalhes. É um quebra-cabeça, um enlouquecedor quebra-cabeça, especialmente seguir a linha dos para-lamas, bastante destacados do corpo do carro. O cockpit é como uma bolha desproporcional, implantada no centro chassi como se fosse um estorvo para os engenheiros, que adorariam dispensar o lugar para piloto.

Mas acho que é esta bolha a chave do enigma. Olhando detidamente as fotos, identifico uma semelhança, um DNA entre o Audi e o Porsche 917, transmitida ao 956 por aquele teto achatado, pelo arco elegante do para-brisa, em harmonia com os para-lamas, dando ao carro um aspecto enfezado e ameaçador, um bicho bravo e agressivo, difícil de domar e impiedoso para com os adversários, como era o 917, principalmente os da dinastia K, que oprimiram a oposição em 70 e 71.

Para os entusiastas dos motores híbridos do E-Tron, um baldinho de água fria. Segundo li em AutoSprint, há boas evidências de que o sistema de kers da viatura não funcionou durante as 24 Horas de Le Mans deste ano. Mais liberal do que o primo usado na F1, o sistema garante, em tese, um plus de 120 cavalos para o carro.

Outra do R18: ao entrarem na primeira vez no carro, pilotos ficam impressionados com a falta de visão a partir do cockpit, muito distante do para-brisa, muito rebaixado em relação à frente do carro, os para-lamas dianteiros, obstruindo seriamente a perspectiva do piloto, principalmente em relação à esquerda do carro. Johnny Herbert, ex piloto da Audi e que teve oportunidade de testar o R18 para a revista Motorsport, tem certeza de que ao menos dois acidentes graves do modelo, ambos na mãos de Alan McNish, se devem à falta de visão.

Para registro: os F1 cumprem a volta em Interlagos cerca de dez segundos mais rápidos do que os Audi e Toyota.

Na página do Gpto no FaceBook (http://www.facebook.com/GPTotal), mais fotos do R18 e dos Porsche 917 e 917/10.

Abraços

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

5 Comments

  1. Flavio Guerra disse:

    Belas memórias!

  2. Paulo C. Winckler disse:

    Prezados amigos do GPTotal

    Novamente o Edu me emociona com suas colunas. Desta vez foi a “Moleques em Interlagos II”, com sua sensibilidade para narrar momentos inesquecíveis e preciosos.

    A amizade e afinidade entre os personagens desta coluna não apenas emociona como é um ótimo exemplo. Me atrevo a dizer que a amizade talvez seja uma das mais perfeitas formas de amor que o ser humano consegue experimentar pois é desprovida de interesses ocultos, vantagens, favorecimentos e outros sentimentos menores que motivam a maioria dos seres humanos. Para finalizar e reforçar minha tese, lembro que a escolha da amizade é totalmente livre e depende apenas da aceitação recíproca das partes envolvidas, independendo inclusive de vínculos de parentesco e que, nos casos dos consanguíneos, não são opcionais. Logo, a amizade é no mínimo totalmente opcional e, quando verdadeira, desinteressada.

    Mas vamos voltar ao tema original, ou seja, o automobilismo.

    Sempre gostei, de forma especial e com o máximo respeito a todas as demais categorias do esporte a motor, independente da forma e do número de rodas, dos carros, do kart e aos fórmula. De maneira um pouca mais distanciada, dos Sport Protótipos e após, de tudo que tenha motor e de qualquer tipo.

    Logo, como não poderia deixar de ser, aguardei com muita expectativa a vinda da etapa brasileira destes maravilhosos carros e mais ainda, por ter na sua retaguarda, a experiente e augusta presença no nosso eterno primeiríssimo Campeão Emerson Fittipaldi.

    Para mim, esta maravilhosa categoria encontrou seu brilho máximo nos anos 60/70 e, até onde me lembro, tinha um regulamento no que tange ao motores, praticamente igual à Fórmula 1 . Concordo com o Edu quando refere-se ao Porsche 956 – e incluo eu o 962 que, até onde sei, é uma versão quase idêntica ao 956. E por falar nestas joias, segue um atalho do YouTube – http://youtu.be/RlPecspdJlY – com um giro a bordo do 962 em Le Mans. Pelo que pesquisei, nas grandes retas, eles chegavam a mais de 400 Km/h!

    Para encerrar, comento que me espantei com os 10 segundos de diferença entre o tempo por volta dos Sport Protótipos em relação à Fórmula 1 em Interlagos. Como já escrevi antes e com o máximo respeito às demais categorias, mas Fórmula é Fórmula!

    Forte abraço à Família GPTotal.

    Paulo C. Winckler, Porto Alegre

    • Mauro Santana disse:

      Complementando o amigo Paulo C.Winckler, após os acidentes fatais de Manfred Winkelhock e Stefan Bellof ambos em 1985, a Porsche fez uma modificação no 956, fazendo que os pés dos pilotos ficassem para trás da linha imaginária do eixo dianteiro, e rebatizando o modelo de 962.

      Quando o modelo 956 foi criado, ele dispunha do efeito solo, e no primeiro teste realizado pelo lendário Derek Bell, este ficou impressionado com o bólido, chegando a afirmar que o carro andava sobre trilhos.

      Bons tempos…

      Abraço!

      Mauro Santana
      Curitiba-PR

  3. Fernando Marques disse:

    Assim como na Formula 1, estes possantes estão ficando mais feios em razão dos avanços aerodinamicos …
    Para mim o mais bonito de todos os tempos foi o Ford GT-40

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  4. Mauro Santana disse:

    Tenho um grande orgulho de ter em minha coleção a miniatura do Porsche Gulf 917 1/18 #20 de Steve Macqueen, sendo este modelo o meu carro predileto!

    Mas eu acho bem mais lindo o Toyotão que venceu às 6 horas de São Paulo do que estes modelos da Audi.

    Gosto é gosto…

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba_PR

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