Enquanto a FIA persistir em sua política tão restritiva, é natural que os engenheiros continuem buscando coelhos em suas cartolas. Espero ansioso pelos próximos!
Napoleão dizia: “impor condições excessivamente duras promove o seu descumprimento”.
Me parece que isso é o que está fazendo a FIA com a Fórmula 1. Basta uma olhada no regulamento técnico da categoria; mais do que um regulamento, parece um livro de instruções de como construir um carro. Tudo está detalhadamente especificado e delimitado em seus mínimos quesitos. Aos engenheiros resta um campo de manobra tão limitado que não é estranho que, com frequência, se aventurem a invadir o terreno cinzento que separa o legal do ilegal – e que pode também separar vitória e derrota.
Nas últimas temporadas, foi habitual ver como o campeão se beneficiava de alguma “genialidade” que dotava seu carro de certa vantagem sobre os demais concorrentes. Algo assim como se os engenheiros, como magos, tirassem coelhos da cartola em forma de inovações técnicas que pegavam de surpresa os demais concorrentes e que, em não poucos casos, eram fruto de uma interpretação sui generis do regulamento.
O mais recente desses “coelhos” foi o chamado difusor soprado, que a FIA baniu para 2012 e que foi tão bem aproveitado pela Red Bull em 2010 e 2011. Adrian Newey, em sua busca por mais downforce, retomou uma velha ideia que a Renault tinha experimentado em 1983. Aquele seria o ano em que os fundos planos seriam implantados para, como pensava a FIA, acabar com o carro asa.
Os anos se passaram e Newey retomou a ideia da Renault, dirigindo os escapamentos para o difusor e, deste modo, reduzindo a pressão nessa zona e aumentando a velocidade do fluxo de ar sob o carro. Como sabemos, segundo o efeito de Bernoulli, maior velocidade do fluxo significa menor pressão. Ao acentuar este efeito, Newey empurrou ainda mais os seus carros contra a pista, dando a eles mais estabilidade e tração. Resultado: os Red Bull se tornaram bem mais velozes nas curvas do que seus opositores.
A ideia era muito boa, sem dúvida, mas para que funcionasse perfeitamente, era necessário que o fluxo de gases dos escapamentos não diminuísse nas curvas. O problema é que, quando o piloto, aliviando o acelerador, reduz a demanda de potência do motor, também se reduzem os gases gerados pois há um menor consumo de combustível. Mas a Renault (a equipe pioneira no sistema, curioso não?) achou um jeito de fazer o motor continuar consumindo um pouco de combustível para manter a emissão de gases.
No que a mim respeita, o difusor soprado sempre me pareceu ilegal mas a FIA, incompreensivelmente, permitiu o sistema durante mais de dois anos. Me parecia ilegal porque essa emissão de gases não tinha como propósito gerar potência, finalidade única do motor: converter energia contida no combustível em movimento. No caso, os gases não eram um efeito colateral mas induzido com o único propósito de conseguir um beneficio aerodinâmico.
Resulta também significativo que no GP da Grã Bretanha 2011, único da temporada em que o sistema não foi permitido, fosse vencedor Fernando Alonso com Ferrari, sendo essa a única vitória da equipe italiana que, em toda a temporada, nunca mostrou ter condições de ameaçar a Red Bull e seus difusores soprados.
Anteriormente, na temporada 2009, tivemos outro desses “coelhos”: o difusor duplo da Brawn. Neste caso se tratou de algo que gerou muita controvérsia mas que foi fruto de uma melhor interpretação do regulamento por parte de Ross Brawn. A FIA redigiu o artigo referente aos difusores de maneira tão pobre que
ele logo percebeu que ali havia um “buraco”. Dizia o regulamento que quando um observador situado embaixo do carro olhasse para cima, devia ver o difusor como uma superfície contínua e sem interrupções. A própria redação é bastante deficiente pois devia simplesmente dizer “vista inferior”, que é o termo técnico para descrever o que se vê desde baixo. O caso é que, a maioria das equipes interpretou que a superfície devia ser plana e contínua e assim construíram seus difusores. Mas o regulamento, estritamente, não dizia isso. Tampouco dizia que a superfície tinha que ser “fisicamente contínua” pois, tal como estava escrito, essa continuidade era exigida apenas quando se olhava desde baixo.
Felizmente a FIA, talvez admitindo a redação deficiente da norma, não cedeu às pressões das outras equipes de proibir o sistema e a Brawn pode desfrutar da sua vantagem.
Também poderíamos incluir nessa lista de inovações o assoalho móvel, o F-duct, o mass damper e as asas flexíveis, todos exemplo de deficiente redação do regulamento.
Neste último casos, em 2007 e 2008 Ferrari, McLaren, Red Bull e outras equipes foram acusadas de construir suas asas com excessiva flexibilidade. No entanto, todas passavam nos testes de rigidez da FIA! Acontece que os testes estabeleciam cargas muito inferiores àquelas as que as asas seriam submetidas durante a corrida. A norma, assim, resultava até ridícula: que sentido tinha exigir uma rigidez que estava verificada com cargas muito inferiores às das condições de corrida? Com isso, tínhamos que todos os carros passavam no teste sendo, portanto, legais. Porém, restava a dúvida de saber se quem venceu era quem mais se aproximava ao teste. Ou seja: alguns podiam ser “mais legais” e outros “menos legais” em virtude da maior ou menor flexibilidade que conseguiam…
Como vimos, impor um regulamento muito restritivo tem o perigo de promover seu descumprimento e de provocar situações pouco recomendáveis, que nenhum bem fazem à competição, confirmando uma vez mais as palavras de Napoleão.
No entanto, a saga nunca termina. No início deste ano, a FIA proibiu o sistema de freio da Renault (resisto chama-la Lotus), que visava reduzir o mergulho do bico do carro durante as frenagens. Me parece bem tal proibição pois resultava claro, no meu entender, que violava a onipresente regra 3.15 (e possivelmente outras), relativa aos possíveis efeitos aerodinâmicos causados pois, sem proporcionar beneficio à própria frenagem – função primária do freio – mantinha o bico estável, melhorando o fluxo de ar que circula por baixo do carro.
Enquanto a FIA persistir em sua política tão restritiva, é natural que os engenheiros continuem buscando coelhos em suas cartolas. Espero ansioso pelos próximos!
Manuel Blanco
1 Comments
Uma unica pergunta: quem elabora estes regulamentos tecnicos para a FIA já construiu algum carro de corrida?
Fernando Marques
Niterói RJ