No museu de Fangio

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Em meio às maiores preciosidades da vida do grande argentino.

Aqui estou como prometido* na já republicada coluna “Na Casa de Fangio”, para contar mais sobre Juan Manuel Fangio, esse argentino que assombrou o mundo da velocidade nos anos 50, no início da Fórmula 1, abocanhando 5 títulos mundiais. Como já escrevi a respeito da visita a cidade natal do piloto e de sua casa de campo, agora vou contar um pouco sobre o museu que guarda as maiores preciosidades da vida do argentino.

A primeira cena que é possível ver quando se entra por lá é a imagem de um Fangio sorridente, acenando para o público. E olha que quem conviveu com ele, diz que o argentino era exatamente assim – alegre e sempre acessível.

Muitos ainda acham que Fangio, nascido em 1911, tinha uma certa pompa, sempre com uma postura ereta e um olhar para cima. Luis Barragan, um dos grandes amigos de Fangio, e hoje diretor do museu, afirmou que a posição só existia pelas decorrências de um dos acidentes de Fangio, o que impossibilitou o argentino de ter uns trejeitos mais suaves.

Apelidado também de “El Chueco” (o manco) – pelas pernas arqueadas – o início da carreira de Fangio não foi fácil, imagine só como era comprar um carro em 1939! Pois foi somente neste ano que Fangio comprou seu primeiro veículo – antes dependia de empréstimos para competir. O primeiro carro só foi comprado graças a doações feitas pelos moradores de sua cidade natal, Balcarce, a cerca de 400 km de Buenos Aires. As doações variaram de 40 centavos até 500 pesos e a lista teve uns 250 inscritos. O carro deu sorte – em 1940 foi campeão argentino de carreteras. Venceu as mil milhas do país e também correu no Brasil diversas vezes -ganhou em Interlagos e no circuito da Boa Vista, no Rio.

Por sinal, Fangio e um certo brasileiro se davam muito bem. Ayrton Senna era tratado por Fangio como um filho, e Senna tinha no argentino uma espécie de conselheiro. Fotos, imagens e lembranças trocadas entre os dois estão espalhadas por todo o museu e até mesmo na casa de campo nos arredores de Balcarce. No museu, uma réplica da McLaren de Senna, homenageia o piloto brasileiro.

Na Fórmula 1, onde Fangio se consagrou campeão mundial em 51 e de 54 a 57, houve uma demora de quase 50 anos para a marca do argentino ser quebrada, por Michael Schumacher.

Fangio esteve a bordo de Ferrari, Maserati, Alfa Romeo e Mercedes, inclusive a lendária “Flecha de Prata” – que no museu recebe um pano de fundo todo especial.

Difícil, entre tantos carros, escolher o mais bonito, ou o qual reverencie mais o que representou Fangio. Talvez as carreteras? Quem sabe “La Negrita”, de 1946, que devido a cor recebeu esse apelido, e atingia 170 km/h, um Ford T com motor Chevrolet? Ou os monopostos, cada um mais belo que outro? Ou ainda o famoso “Flecha de Prata”? Eu tenho o meu favorito: o Lancia Ferrari D-50, um dos carros mais belos que já vi. Os contornos, a grande boca, é tipo uma Angelina Jolie com motor. Que carro!

Mas nem só de corridas e carros memoráveis pelo desempenho e história vive o museu, há muitas curiosidades também, como o Maserati com o qual Fangio fez o melhor tempo para a classificação da prova de Cuba, em 58. Fangio só não participou da prova porque foi sequestrado por guerrilheiros do grupo em que fazia parte um nome bem conhecido – Fidel Castro. A prova abriria o calendário do campeonato mundial de carros esporte e contava com a presença de pilotos de Fórmula 1, entre eles o britânico Stirling Moss. Fangio correria com uma Maserati 450S, enquanto que Moss pilotaria uma Ferrari. Na noite anterior à prova, Fangio estava no hotel com amigos quando apareceu um guerrilheiro armado com revólver, obrigando-o a deixar o estabelecimento e entrar num automóvel.

As autoridades policiais foram alertadas, mas, até a hora da largada da competição, o destino de Fangio era ignorado. A corrida não poderia esperar. Então foi designado Maurice Trintignant para pilotar o carro do argentino. O GP durou apenas cinco voltas, pois o carro do piloto cubano Armando Garcia Cifuentes derrapou numa curva e arremeteu contra espectadores. Seis pessoas morreram e 32 ficaram feridas. A prova foi interrompida, tendo sido declarado vencedor Stirling Moss. Fangio foi libertado 29 horas depois.

Luis Barragan contou que 34 anos após o sequestro, Fangio e seus sequestradores se encontraram na Argentina, Fangio morreu três anos após isso ocorrer.

No museu também está a réplica da oficina, mal iluminada e com chão de terra, em que Fangio trabalhava como mecânico, preparando carreteras.

A réplica do escritório que Fangio atendia empresas e imprensa em Buenos Aires também está lá e há até uma bicicleta. E o que tem essa bicicleta com a história? Bom, acontece que quando Fangio conquistou o primeiro título mundial, entrou em contato com seu pai na Argentina. Perguntou o que o pai gostaria de ganhar de presente da Europa. Sem hesitação o pai respondeu que gostaria de ganhar uma bicicleta para poder ir mais rápido ao trabalho.

São essas as peças que formaram Fangio, um ídolo na Argentina e no mundo. Um piloto daqueles que dão saudade. Junção de desportividade, humildade e alegria.

Tiago Toricelli
(tiagotoricelli@hotmail.com)

*Coluna publicada originalmente em 10 de agosto de 2009.

Tiago Toricelli
Tiago Toricelli
Jornalista, autor de "Rally dos Sertões" e "Manual do Alpinista de Primeira Montanha". Já cobriu 12 temporadas de F1 (CBN) e acompanhou de perto as principais categorias da velocidade.

1 Comments

  1. wladimir duarte sales disse:

    Boa tarde a todos!
    Qualquer carro da Renault merecia estar no museu de Fangio menos um pilotado por aquele arremedo de piloto e pessoa chamado alain prost. Nem se Jânio Quadros desinfetasse a cadeira do cockpit como fez com a da prefeitura de São Paulo iria remediar o mal estar causado num ambiente que homenageia o maior piloto da história!!
    A simples menção do nome daquele desclassificado nas lembranças do campeonato que Fangio engrandeceu com sua presença enquanto competidor é, no mínimo, o pior dos insultos à sua memória! Juan Manuel Fangio foi um símbolo, sua presença foi maior que a própria F1!! Nunca ouvi falar que “El Chueco” batesse de propósito nos colegas, ainda mais se fossem da mesma equipe, ou vivesse chorando pelas derrotas para o dono da equipe ou fosse correndo pros dirigentes da categoria pra eles inventarem desclassificação contra seu concorrente direto. Mas o mal está feito, queria ser curador deste museu para, no mínimo, apagar o nome ou mandar trocar o carro por outro que tivesse o nome de René Arnoux. Este sim digno de ter seu nome associado ao de Fangio por conta de sua época mais combativa(1979 a 1984) que foi prejudicada por aquele campeão de papel!!!!! Ou trocaria por qualquer ferrari que tivesse os nomes de Jody Scheckter, Gilles Villeneuve, Didier Pironi, Carlos Reutemann, Nikki Lauda ou qualquer outro campeão de fato.

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