Pela competição e pela paisagem

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2013 começou muito bem no mundo automobilístico, com uma edição sensacional do Rally Dakar.

Nada poderia abrir o calendário do esporte a motor de maneira mais mais grandiosa que o Rally Dakar. Entre os dias 5 e 19 de janeiro, competidores com espírito off-road encararam um percurso de mais de 8,5 mil quilômetros (4,4 mil deles, cronometrados) entre Peru, Argentina e Chile, de Lima a Santiago. Foram 14 etapas para carros, motos, caminhões e quadriciclos reforçados para aguentar qualquer piso, da mais fina areia desértica até os trechos mais pedregosos ou enlamaçados. Dos desertos à altitude da Cordilheira dos Andes. Tinha de tudo no cardápio.

A edição deste ano consagra um monstro chamado Stéphane Peterhansel. O francês venceu na categoria motos em 1991, 1992, 1993, 1995, 1997 e 1998. Sim, um impressionante hexacampeão das duas rodas. Porém, não satisfeito, passou a competir nos carros. Ele demorou 5 anos para pegar a mão. Mas daí vieram os títulos em 2004, 2005, 2007, 2012 e agora, 2013. Some tudo e terá 11 taças de campeão. Assustador.

Mas Peter, a bordo de seu Mini 4×4 verde número 302, com motor BMW Turbodiesel, não foi protagonista sozinho. Seus rivais foram muito fortes. Os também campeões Nasser Al-Attiyah e Carlos Sainz (este, um bicampeão do Mundial de Rally), ex-companheiros de equipe do time oficial da Volkswagen, uniram forças novamente com um novo buggy com motor de Corvette e 400 kg a menos que os carros rivais.

Ambos ganharam etapas, mas sofreram com a juventude do projeto. “El Matador” Sainz, que abriu o Dakar vencendo o 1º estágio, começou a se atrasar já na etapa seguinte, para finalmente abandonar no 6º dia, por problemas elétricos. Nasser teve um desempenho melhor. Vencedor das etapas 3, 4 e 6, disputou ferozmente a ponta com Peterhansel até a 9ª especial, quando precisou abandonar com problemas de motor.

Robby Gordon, ex-Indy e Nascar, novamente colocou seu Hummer invocado na competição. Pilotou como sempre: ao ataque todo o tempo. Não fossem o problema mecânico da 1ª etapa, e a capotagem (!) na 4ª, certamente teria disputado o título palmo a palmo com Peter, já que chegou entre os cinco primeiros em 10 etapas, com duas vitórias. Este é o exato retrospecto de Peterhansel, que venceu justamente por ser consistente e não ter tido problemas mecânicos ou acidentes.

O vice-campeonato ficou para o também notável Giniel de Villiers. A bordo de uma Hilux especial, certamente inferior aos adversários, o sul-africano campeão de 2009 não prima pela velocidade, mas sim pela regularidade, precisão e cuidado com que enfrenta os terrenos – tanto que não venceu nenhuma etapa, mas foi recordista do Top Fice, com 11 etapas. Um ‘come-queto’ pra lá de eficiente. Leva a máquina até o fim e pronto. Se alguém tiver problemas ou contratempos, lá estará ele, ganhando posições importantes.

Outros competidores também se destacaram por vitórias em etapas. O ex-campeão mundial de esqui freestyle Guerlain Chicherit encarou a competição a bordo do buggy da equipe SMG. Ele é uma espécie de Grosjean off-road: comprovadamente rápido, porém destrutivo. Ele venceu a etapa 8, um dia após pilotar seu Buggy sem assistência hidráulica e ter chegado com os braços doloridos ao extremo.

O espanhol Joan ‘Nani’ Roma, companheiro de Peterhansel na equipe X-Raid Mini, é outro ex-campeão das motos que hoje compete nos carros. Ele foi o maior vencedor de etapas, ao ser o mais rápido das especiais 5, 9, 12 e 14. Mas como sofreu atrasos fundamentais, terminou a competição em 4º.

E para dar um gostinho regional ao Dakar, o argentino Orlando Terranova, a bordo do já veterano BMW X3CC, ganhou a etapa entre Córdoba e La Rioja, para alegria do público que sempre está presente, apoiando os pilotos – mesmo em regiões onde supostamente não conseguiriam chegar…

O Dakar é uma daquelas provas em que chegar ao fim já é uma grande vitória. E é perigoso, sim. Uma chuva torrencial transformou o leito seco de um rio num mar de lama que quase paralisou a competição em Salta, na base dos Andes. E até os deslocamentos, nos trechos não cronometrados, também exigem cuidado extremo. Três pessoas perderam a vida em acidentes que ocorreram nessa situação. O motociclista francês Thomas Bourgin morreu ao chocar-se frontalmente com um carro de polícia, enquanto duas outras pessoas de equipes de apoio faleceram a bordo de um táxi, que também se acidentou durante conexão.

O rally já contabiliza 54 mortes, entre pilotos, equipes de apoio e espectadores. Entre elas, de alguns campeões, como Fabrizio Meoni, bicampeão das motos que sofreu uma estafa cardíaca na edição 2005 e não resistiu. O próprio idealizador da competicão, Thierry Sabine, morreu durante a competição de 1986, quando o helicóptero da organização caiu no Mali durante uma tempestade de areia. Por sinal, muitos temores cercaram a competição enquanto disputada na África – houve até o sequestro do carro de Ari Vatanen em 1988. A ameaça terrorista de 2008 foi a triste gota d’água que fez o rally ser disputado na América do Sul desde 2009.

Chama atenção no Dakar um fator que normalmente descartamos quando falamos no esporte a motor. Como estamos acostumados a circuitos, nossos olhos se concentram na pista, normalmente ignorando os entornos – a não ser, claro, em casos fora do comum, como é a de Interlagos e o mar de prédios chamado São Paulo, ou Monte Carlo.

O Dakar é especial justamente pela enorme diversidade paisagística que envolve os competidores. Dunas intermináveis, leitos secos, vegetações típicas, praias e lagos desertos etc. Tudo isso gera imagens espetaculares, paradas ou em movimento. Tanto que foi difícil escolher as melhores fotos para esta coluna.

Cobrir um Dakar in loco é um dos meus objetivos profissionais. Ao pensar o que eu faria para que isso se tornasse possível, lembrei imediatamente daquela música do Frejat, em que ele promete dançar tango no teto, viajar a prazo pro inferno, caminhar do Rio a Salvador e outras situações surreais, apenas para poder ficar com sua cara-metade.

Eis minha lista de promessas – infelizmente destituída da forma poética, pois sou apenas um jornalista prosaico. Pelo Dakar, eu trabalharia de graça por duas semanas. Me contentaria com apenas um banho decente durante todo esse tempo, e não me importaria com calor, frio, chuva, insolação ou ar rarefeito. Eu estaria lá por uma refeição por dia e um lugar para dormir a cada fim de jornada. Duas semanas para mudar minha vida. Apenas para curtir a competição e a paisagem.

Que venham os outros eventos de 2013. Chegue forte, querido ano novo, tudo está por acontecer. Esperamos muito de você.

Aquele abraço!

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

1 Comments

  1. Manuel Blanco disse:

    Excelente narraçao, amigo Lucas !

    2013… começa bem aqui no Gptotal !

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