No último momento

Corrida dos ventos uivantes (Coluna + Youtube)
23/09/2025

Coluna publicada originalmente em 05/12/2014, fiz uma releitura para o contexto atual

Existe uma expressão que é muito interessante e nos ajuda a refletir nas diversas situações ao qual estamos expostos na vida:

“A vitória não é eterna e o fracasso não é definitivo”.

E olha, são muitas as situações que temos a nossa frente diariamente para enfrentar. A luta é constante e, sejamos bem sucedidos ou não, o dito acima acaba servindo para nos mostrar que não podemos ficar indefinidamente presos a um determinado modo de encarar o que nos acontece. Não devemos esmorecer nas dificuldades ou achar que o sucesso nos faz mais, ou melhor, que outras pessoas.

Recentemente, um questionamento me aflorou e me senti estimulado a buscar a resposta. Minha curiosidade foi acerca de qual piloto na F1 ganhou uma corrida percorrendo o menor espaço já realizado como líder de uma prova.

Encontrei em minha pesquisa 12 GPs decididos de maneira em que o vencedor só foi registrado como líder na última volta. Vamos a elas:

1 – 1959, EUA: Bruce McLaren (Cooper T51)
2 – 1964, Bélgica: Jim Clark (Lotus 25)
3 – 1967, Itália: John Surtees (Honda RA 300)
4 – 1968, Bélgica: Bruce McLaren (McLaren M7A)
5 – 1970, Mônaco: Jochen Rindt (Lotus 49C)
6 – 1977, França: Mario Andretti (Lotus 78)
7 – 1878, África do Sul: Ronnie Peterson (Lotus 78)
8 – 1991, Canadá: Nelson Piquet (Benetton B191)
9 – 1997, Hungria: Jacques Villeneuve (Williams FW19)
10 – 1997, Europa: Mika Häkkinen (McLaren MP4/12)
11 – 2003, Brasil: Giancarlo Fisichella (Jordan EJ13)
12 – 2011, Canadá: Jenson Button (McLaren MP4/26)

O GP dos Estados Unidos de 1959 é o primeiro da lista. Foi uma prova realizada no circuito de Sebring e decidia o título daquele ano. Foram 42 voltas disputadas, e a princípio parecia que Jack Brabham levaria facilmente o título, uma vez que ele assume a ponta na volta 6 e lá permanece até o inicio da última volta. Porém, para desespero do piloto e excitação do público, na metade da volta seu carro fica sem combustível.

Seu companheiro Bruce McLaren o seguia de perto e rapidamente desacelera quando percebe a diminuição de Brabham, mas vendo Maurice Trintignant se aproximando, ele volta a acelerar e ganha a corrida. Jack Brabham desce do carro e, numa cena dramática, empurra o carro até a linha de chegada marcando o quarto lugar, essa posição lhe garante o título. Mas o que chama a atenção é que Bruce McLaren se tornava o mais jovem piloto a vencer uma corrida – essa marca perdurou por mais de 43 anos – e é o primeiro piloto na história a vencer uma corrida tendo liderado apenas na volta final.

A corrida seguinte da pesquisa é o GP da Bélgica de 1964, disputado em Spa em 32 voltas. Para essa corrida, a Lotus prepara a estreia do modelo 33, uma versão melhorada do modelo 25, campeão do ano anterior. Mas uma pane pouco antes da largada obriga Clark a correr com o 25. Na largada, um bloco composto por Dan Gurney, Jim Clark, Graham Hill, John Surtees e Peter Arundell se destaca na frente dos demais competidores. A partir da quarta volta, Gurney vai para a liderança da prova e começa a se afastar do pelotão, abrindo boa vantagem dos demais

Faltando quatro voltas, a situação toma contornos dramáticos e fica incerto quem vai vencer, pois começa a aparecer uma série de problemas, que atinge a todos os candidatos à vitória.

O primeiro a parar foi Jim Clark. Ele vai aos boxes com problema de superaquecimento do motor. Os mecânicos levam pouco mais de um minuto para reabastecer seu radiador e, quando ele volta, está bem atrasado, mas mantém a quarta posição

Na volta seguinte, subitamente, o líder Gurney tem de abrandar o ritmo para poupar combustível e nem sabe se tem suficiente para chegar aos boxes. Ele consegue chegar, mas numa situação improvável para os dias de hoje, os mecânicos não estão preparados e a equipe sequer tem combustível para reabastecer o carro. Gurney sai dos boxes furioso e seu carro logo para com pane seca.

Entrando na volta 32, o novo líder é Graham Hill. E não é que a bomba de gasolina do inglês quebra a meia volta do fim? Bruce Mclaren assume a ponta e parece caminhar firme para a vitória. Só falta meia volta para ele percorrer, mas corrida só é ganha na bandeirada e seu carro já apresentava falhas de funcionamento, pois o combustível estava acabando.  O golpe vem no contorno da curva Source e o motor morre de vez. Ele segue no embalo, vendo a meta a sua frente. Só que com apenas 100 metros da linha de chegada, Jim Clark aparece em velocidade e ultrapassa Bruce para vencer.

Essa foi a corrida da história, segundo a pesquisa que fiz, em que o vencedor percorreu a menor distância em um GP como líder para obter a vitória. Foram apenas 100 metros.

Na sequência, aconteceram em todos esses anos mais corridas com o vencedor liderando apenas a última volta. As situações variam, desde a falta de sorte de alguns, avarias mecânicas ou erros em momentos sob pressão.

Tendo o elemento da falta de combustível como motivo, posso citar o GP da Bélgica de 1968, onde um Jackie Stewart liderou com muita tranquilidade até abrir a última volta e seu carro ficou sem combustível, com a vitória a cair no colo de Bruce McLaren – o mesmo que perdeu em Spa quatro anos antes. Duas marcas interessantes aconteceram na corrida. O primeiro é que Bruce passou à história como terceiro vencedor com um carro construído pelo piloto (o primeiro foi Jack Brabham e o segundo Dan Gurney) e, repetindo Sebring 59, essa foi a segunda vez que ele vencia uma corrida liderando apenas a última volta.

Nesse mesmo cenário, o GP da França 1977 pode ser apontado. John Watson com a Brabham BT45 liderou com muita personalidade a corrida por 75 voltas, sendo bastante pressionado por Mario Andretti. Na metade da última volta, seu carro começa a falhar por estar com pouco combustível e Andretti aproveita a oportunidade para passar Watson, faltando 800 metros para a chegada. Watson consegue usar as últimas gotas do tanque para ficar em contato com a Lotus, mas é tarde demais. A Brabham perde a oportunidade para encontrar o caminho para a vitória e seus membros ficam atônitos com essa derrota.

Houve duas ocasiões em que um erro de um piloto próximo a chegada decidiu a corrida em favor de outro.

A primeira foi o GP da Itália de 1967, uma das corridas mais lembradas da história, primeiro por conta de um problema com Jim Clark e a Lotus 49, nessa que muitos consideram uma das maiores corridas do escocês, e claro, pela acirrada disputa entre Jack Brabham e John Surtees pela liderança. Brabham torna-se líder no giro final com a pane seca de Clark, mas erra a aproximação da Parabólica. O australiano abre em excesso e escorrega, dando a Surtees a oportunidade de ultrapassar. Surtees percorre cerca de 300 metros com um Brabham na sua cola, mas o Inglês vence com seu Honda.

A segunda foi em Mônaco 1970, novamente com Jack Brabham. Ele liderava há mais de 50 voltas, num circuito de difícil ultrapassagem. Com um Jack tão experiente naquela altura da vida, ninguém imaginaria um dos erros mais crassos da história: ao abrir a última volta ele tem mais de 2 segundos de vantagem para Jochen Rindt. O austríaco vem mais rápido, mas não o suficiente para passar. Entretanto, ao se aproximar do gasômetro (na época não existia a Rascasse), Jack erra a freada e passa reto, dando a Rindt a oportunidade de vencer. Este resultado é muito cruel para Jack Brabham: pela terceira vez em sua carreira, ele perde um primeiro lugar na rodada final. Aos 44 anos, apesar de várias temporadas e de seus três títulos mundiais de F1, ele erra como um novato.

Há ainda mais dois GPs em particular dessa pesquisa que assisti como torcedor, que me marcaram e que lembro muito bem até hoje.

O GP da Hungria em 1997 é um deles. Tendo sido campeão no ano anterior, Damon Hill foi dispensado pela equipe Williams e acabou acertando contrato com a pequena Arrows, que em 1997 utilizava o motor Yamaha de pouca potência e confiabilidade, muito pouco para um campeão do mundo. Durante a temporada, os resultados de Hill eram pífios, a Hungria era a 11° primeira prova daquela temporada e o inglês só havia feito 1 ponto até então. Nos treinos, ele surpreende e marca o terceiro tempo.

Vem a corrida e, de forma inesperada e surpreendente, Damon Hill assume a ponta na volta 11. Faz seu pit na volta 25, e na 30, retoma a ponta, abrindo uma vantagem de 30 segundos para Jacques Villeneuve. Na volta 74, faltavam apenas 3 para o fim quando o carro de Hill começa a apresentar falhas no acelerador e câmbio. Sua vantagem diminui de maneira assustadora, mas ele abre a volta final na frente. Com um ritmo muito mais lento, porém, ele perde a vitória, sendo ultrapassado a meio circuito da bandeirada.

Confesso que nesse dia como, milhares de fãs, fiquei frustrado com esse resultado. Mas Hill sempre teve um espirito muito esportivo e comemora o segundo lugar com euforia.

O GP da África do Sul em 1978 é o outro memorável. Patrick Depailler correndo no Tyrrell 008 assume a ponta na volta 64 e lidera até a volta 77. Ronnie Peterson, que corria na Lotus, vem descontando a vantagem de Depailler, que não se rende e não deixa brecha para a ultrapassagem do sueco. Vem a última volta e os dois protagonizam uma luta acirrada pelo primeiro lugar. O sueco leva a melhor, assumindo a ponta na metade da volta, ganhando a corrida por uma pequena margem.

Patrick Depailler está muito desapontado ao retornar aos boxes, afinal, ele termina em segundo lugar pela oitava vez na carreira e acaba desabafando a sua insatisfação a Ken Tyrrell, que por outro, lado está muito feliz com o resultado, porque pela primeira vez em dois anos, a sua equipe volta a ser competitiva nas disputas por vitórias. O velho Ken estava mais do que certo: alguns dias depois, Depailler vence em Mônaco e finalmente obtém a sua tão sonhada primeira vitória.

Em todas as histórias que envolvem esses GPs, é perceptível  que a vitória às vezes nos chega quando estamos muito próximos do final de uma etapa. É preciso acreditar e trabalhar duro até o último momento.

E o contraponto é que muitos tiveram uma vitória certa tirada a muito pouco da meta: alguns até enxergaram o diretor de prova com a bandeira quadriculada na mão e foram obrigados a assistir, incrédulos, seus adversários levarem a bandeirada em primeiro, o que nos lembra que não se deve tirar o pé antes da hora, ou contar com um resultado antes que este aconteça.

Fazendo uma reflexão, os dias atuais cobram uma fatura muito alta para as pessoas insanamente buscarem a vitória a qualquer custo, e subliminarmente a sociedade de uma forma geral rotula muito fácil quem não vence como um perdedor, a vida não é tão simplista assim, devemos sempre lutar e se cair levantar e continuar, por isso gosto nesses momento de lembrar a frase abaixo:

A glória da vitória não é eterna e o fracasso é não definitivo.

 

Até a próxima

Mário Salustiano

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

1 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Mário

    Me lembro muito bem da vitoria do Piquet no Canadá em 1991 … foi um deleite …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

Deixe um comentário para Fernando Marques Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *