Normalidade no caos

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Pode chover, relampejar, raio cair… mas Max Verstappen continuará sua temporada dominante na F1 em 2023. Em meio ao caos que marcou o início e o fim da corrida em Zandvoort neste domingo, Max Verstappen soube passar por cima de qualquer intempérie para vencer novamente, se igualando ao recorde que foi de outro piloto da Red Bull, Sebastian Vettel dez anos atrás, com nove vitórias consecutivas. O detalhe foi que em 2013 Vettel só não aumentou seu recorde porque aquela temporada terminou, já Max tem nove corridas para quebrar o recorde de Seb e até mesmo aumentá-lo.

Se hoje não foi um passeio dominical, como normalmente acontece em 2023, Max Verstappen parecia que tinha a corrida sob controle o tempo inteiro, mesmo quando se viu bem atrás de Pérez nas primeiras dez voltas da corrida, onde o clima neerlandês quase aprontou uma peça com o piloto da casa.

Max Verstappen vem se mostrando inevitável nesse ano.

 

Durante as férias da F1, houveram várias corridas de outras categorias, mas queria destacar a etapa da F-Indy no misto de Indianápolis. O onipresente Scott Dixon liderava nas voltas finais, mas o neozelandês economiza bastante combustível, enquanto Graham Rahal se aproximava de Dixon sem maiores preocupações com combustível. Quando Rahal ficou a menos de 1s de Dixon, pensei: se fosse na F1, a disputa tinha terminado. Na Indy existe um aparato de ajuda de ultrapassagens, o ‘Push-to-Pass’, mas num sistema bem diferente do DRS da F1.

Voltando à Indianápolis, mesmo com mais combustível, Rahal não tinha muito PTP, enquanto Dixon se equilibrava na economia. O que importa nesse caso foi que tanto Dixon poderia usar o ‘Push’ para se defender, como Rahal poderia usar para atacar. Como deveria acontecer em toda a corrida.

No fim, Dixon conseguiu a vitória em Indy e com outro triunfo nesse domingo, ainda respira na briga pelo título com Alex Palou. Perguntado se preferia o sistema da F1 (DRS), mesmo derrotado Graham Rahal falou: “É isso que adoro na nossa versão de disputas por ultrapassagem. Nossa batalha é mano a mano, você ataca e se defende, não é como esta porcaria de DRS que facilita.”

Falou tudo Graham!

A carreira de Daniel Ricciardo na F1 parecia terminada quando saiu da McLaren pelas portas dos fundos no final de 2022, mas o australiano achou refúgio na velha casa Red Bull e com as más atuações de Sergio Pérez e Nyck de Vries nessa temporada, de repente Ricciardo viu sua carreira renascer com um retorno à Alpha Tauri, com chances reais de retornar à equipe Red Bull em 2024.

Porém, no treino livre de sexta-feira em Zandvoort, Ricciardo viu seu compatriota Oscar Piastri atravessado na curva 3 e o australiano teve pouco tempo de reação, preferindo bater no muro, ao invés de acertar a McLaren de Piastri. Um acidente tolo, mas que acabou custando uma fratura na mão esquerda e uma cirurgia.

Liam Lawson foi chamado às pressas e fez um final de semana decente num carro que nunca pilotou e em condições traiçoeiras. Já Ricciardo vê novamente sua carreira na F1 em perigo.

O final de semana em Zandvoort prometia duas coisas. Uma era uma grande festa da torcida neerlandesa para o dominante Max Verstappen. A outra era previsão de chuva em todo final de semana. No sábado já houveram algumas surpresas com a pista molhada, mas sem nada muito caótico. Tudo ficou para domingo. Quando os pilotos estavam saindo para a volta de apresentação, já se enxergava pingos de chuva nas câmeras de TV e no apagar das luzes vermelhas, ainda com pista completamente seca, Max saiu calmamente, se aproveitando da estreiteza da pista em Zandvoort, onde ninguém se arrisca muito pelo simples fato de não haver muito espaço. Porém, quando o pelotão de carros se aproximou do último terço da primeira volta, a pista estava bastante molhada, pegando todos de surpresa. Tanto que poucos pilotos tiveram a iniciativa de ir aos pits colocar pneus intermediários, liderados por Sergio Pérez. No entanto, a previsão era que a chuva fosse passageira, deixando os estrategistas das equipes de cabelo em pé. O que fazer? Arriscar ficar na pista molhada com os pneus slicks ou ir imediatamente aos pits? Boa parte do grid optou pela segunda opção e quanto mais tempo os pilotos ficassem na pista com slicks, poderiam perder ainda mais tempo.

Verstappen foi um dos que pararam na segunda volta, levando uma clara desvantagem de quem parou na primeira volta. Max chegou a ficar 13s atrás de Checo, que rapidamente chegou à liderança da corrida. Enquanto isso, os ‘pajés’ de McLaren e Mercedes comeram mosca e deixaram seus carros mais uma volta e só então os trouxeram aos pits, fazendo com que Hamilton, Norris e Russell perdessem muito tempo. ‘Minha previsão era ir ao pódio e agora estou nas últimas posições’, bodejou via rádio Russell. Já Albon, Piastri, Hulkenberg e Sargeant optaram pela tática mais arriscada, que era não parar e ficar na pista molhada com os pneus slicks.

Com menos de dez voltas, o sol já brilhava em Zandvoort e com os pilotos que arriscaram ficar com slicks até 4s mais rápidos, estava na hora dos pilotos que colocaram pneus intermediários ‘destrocar’ para slicks. Nesse momento Verstappen já havia deixado Zhou e Gasly para trás com uma ferocidade incrível e com a mesma fome, diminuiu a vantagem de Pérez de 13s para menos de 5s. Não querendo encrencas na pista entre seus pilotos, a Red Bull foi bem prática ao trazer Max primeiro aos pits, só trazendo Checo uma volta mais tarde, para tristeza do mexicano, que questionou a manobra via rádio. Porém, alguém duvida que se tudo fosse resolvido na pista, Verstappen atropelaria Pérez como fizera em Miami? Apesar das reclamações, não se pode afirmar que Pérez ficou no rol dos prejudicados nas caóticas primeiras voltas, pois largando em sétimo, com tudo isso Sérgio completava a dobradinha da Red Bull, com Alonso em terceiro, após uma largada agressiva do espanhol, ganhando duas posições na primeira volta e parando na mesma volta de Max. Leclerc tocou rodas com Piastri na primeira volta e se aparentemente só quebrou parte do bico, não estava à olho nu a quebra do assoalho da Ferrari, estragando de vez a corrida do monegasco. Contudo, não se pode falar de uma corrida em 2023 sem uma atrapalhada da Ferrari. Charles foi um dos que foram aos pits na primeira volta. Leclerc tinha tudo para ter uma vantagem, como fizeram Pérez, Zhou e Gasly. Só esqueceram de avisar a Ferrari, que quando viu Leclerc emergir no pit-lane, simplesmente não tinham os pneus intermediários prontos. Mais uma cena inacreditável que entrará para o folclore da F1 e da Ferrari. O vexame só não foi maior porque, com o problema no assoalho, Leclerc abandonou melancolicamente no meio da prova, quando levava pressão do novato Liam Lawson.

Quando a corrida tendia a ficar mais calma, Logan Sargeant estampou sua Williams no muro, trazendo o primeiro Safety-Car do dia. O jovem americano, que quebrou um jejum de trinta anos de um piloto ianque largando entre os dez primeiros numa corrida de F1, mais uma vez bateu forte seu Williams no final de semana neerlandês e ficou a corrida inteira introspectivo, pensando na vida e no que fazer em 2024, o que pode ser bem longe da F1.  Isso fez com que alguns pilotos que se aproveitaram do caos das primeiras voltas vissem os pilotos prejudicados encostarem, como foi o caso de Hamilton e Norris, enquanto Russell pensou um pouco diferente e colocou pneus duros, numa tentativa de levar sua Mercedes até o final. Ou quem sabe até a próxima pancada de chuva. Afinal, como anunciadores do apocalipse, os engenheiros das equipes davam previsões de que a chuva viria em algum momento no final da corrida.

Enquanto isso, Max liderava tranquilamente, tendo Pérez como escudeiro e Alonso fechando o pódio provisório. Na única Ferrari minimamente competitiva, Sainz sofria com um carro com acerto ruim em pistas de alto downforce e era superado por um Gasly que capitalizou bastante na estratégia nas tateantes primeiras voltas. Hamilton e Norris subiam pelo pelotão, já se aproximando da zona de pontuação, enquanto Albon fazia outra corrida assombrosa. Enquanto seu companheiro de equipe sofria ao lado da pista, pensando na morte da bezerra, Albon passou da metade da corrida sem fazer um único pit-stop, se segurando na pista com pneus não compatíveis e depois levando essa mesma borracha a durar mais do que o esperado. É por essas e outras que Albon já desperta a cobiça de equipes grandes na F1.

Ao horizonte, uma nuvem pesada vindo do Oceano Atlântico se aproximava da pista de Zandvoort. O céu escureceu e faltando dez voltas para o fim, uma chuva ainda mais forte do que uma hora e meia antes despencou em Zandvoort. Foi outro Deus-nos-acuda. Pérez fez o mesmo que na primeira volta e entrou nos pits antes de todos, talvez sem avisar à Red Bull, que deu uma de Ferrari e esqueceu dos pneus, fazendo Pérez perder muito tempo na operação. Checo só não perdeu a posição ali, porque a Aston Martin tinha errado na parada de Alonso mais cedo. Aconteceu outra procissão aos pits, mas a chuva era tão forte, que não demorou que alguns pilotos aquaplanassem, entre eles Pérez, que dessa vez perdeu a posição para Alonso. Ocon colocou os pneus para chuva forte e quando o francês reclamou com sua equipe, o que era uma chuva forte se transformou em dilúvio, fazendo com que alguns pilotos imitassem o francês da Ocon, antes de Guanyu Zhuo bater forte sua Alfa Romeo na curva Tarzan, causando uma bandeira vermelha.

Faltando sete voltas para o fim, em outros tempos essa bandeira vermelha significaria o fim da corrida, mas em tempos de Liberty Media, o show tem que continuar, mesmo com alguns empecilhos. A grande realidade é que Zandvoort só está no calendário da F1 atual por causa da ‘Verstappenmania’ e mesmo na década de 1980, já haviam reclamações do pouco espaço no pit neerlandês. Com um pit-lane tão apertado, seria um risco os pilotos largarem com pneus para chuva extrema e na volta seguinte, como vem sendo comum, irem procurar, todos ao mesmo tempo, os pneus intermediários. Então se esperou quarenta minutos para que a chuva diminuísse e a pista se tornasse praticável para os intermediários, com os pilotos sendo obrigados a largarem com os pneus de tarja verde. Assim que foi dada a relargada, foi anunciado uma punição de 5s para Pérez, por excesso de velocidade nos pits. Verstappen teve a presença incômoda de Alonso na relargada, mas como o próprio espanhol relatou depois da corrida, as condições estavam tão difíceis que um acidente poderia tirar os dois da corrida. As últimas voltas foram marcadas pela tentativa frutífera de Gasly se manter menos de 5s de Pérez para conseguir um muito comemorado pódio, enquanto Hamilton tentava e não conseguia ultrapassar a Ferrari de Sainz, tendo que se conformar com a sexta posição. Albon marcou bons pontos, condizentes com sua bela pilotagem em todo o final de semana. Norris largou na primeira fila, mas foi derrubado por erros estratégicos da McLaren e pelo melhor ritmo da Mercedes para ser oitavo, tendo se envolvido num toque com Russell nas últimas voltas, que fez o piloto da Mercedes cair para último. Piastri teve a mesma estratégia de Albon, mas não brilhou como o anglo-tailandês, mas pelo menos terminou nos pontos, enquanto Ocon melhorou ainda mais o dia da Alpine conseguindo um pontinho.

A frase ‘Motorsports is dangerous’ vinha estampada nos ingressos das corridas de antigamente e mesmo com a perigosa sensação de segurança em que vivemos, com toda a evolução de carros, pistas e procedimentos, acidentes graves ainda podem acontecer, como se fosse um lembrete de que o perigo nas pistas nunca será exterminado por completo.

No sábado à noite, Ryan Preece sofreu um acidente assustador na Nascar, com seu Ford capotando mais de dez vezes nas voltas finais da Daytona 400. Felizmente Preece saiu andando do seu carro, mesmo que precisando passar a noite no hospital em observação. Depois da prova da F1, um enrosco entre Nelsinho Piquet e Gabriel Casagrande na corrida 600 da Stock Car em Goiânia quase teve consequências graves. A bruxa estava pairando no esporte a motor e finalmente desceu mais ao sul, em Cascavel.

Na etapa do Brasileiro de Motovelocidade, ainda na primeira volta da categoria Moto1000GP, o piloto André Veríssimo caiu no meio da pista, sendo colhido por Érico Veríssimo, que não tem nenhum parentesco com André. Foi uma cena violentíssima. André e Érico foram levados para o hospital em estado gravíssimo, mas não resistiram aos ferimentos e faleceram poucas horas depois.

Infelizmente o domingo terminou de forma trágica e todos do GPTotal expressam suas condolências para as famílias dos envolvidos.

João Carlos Viana

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

1 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    JC Viana,

    o titulo da coluna diz tudo o que foi o GP da Holanda … “Normalidade no caos” … no inicio quando vi a velocidade do Peres (que parou logo na primeira volta) passando todo mundo que estava na frente como um foguete , pensei … Verstappen vai ter que remar muito se quiser ganhar essa corrida … me enganei … Agora tiro o chapeu para a corrida do Alonso … ai se ele tivesse uma RBR pra pilotar …

    Realmente o fim de semana foi triste … esse acidente de Cascavel foi terrível …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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