O cachorro no palheiro – Parte final

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Continuando a saga de Jean Pierre Jarier na Fórmula 1 chegamos a terceira e última parte, lei a parte 1 clicando no link abaixo:

O cachorro no palheiro – Parte 1

Leia a parte 2 clicando no link abaixo:

O cachorro no palheiro – Parte 2

 

A temporada de 1976 seria ainda pior, apesar de sua excelente atuação novamente no Brasil, onde a Jarier a fortuna, uma vez mais, lhe foi esquiva, pois faltando apenas sete voltas, derrapa no óleo derramado por James Hunt na volta anterior e quando já estava se aproximando rapidamente de Lauda, o líder.

Porem, o DN5B continuava sendo um carro muito frágil e Jarier nem consegue pontuar no resto da temporada. O patrocinador da Shadow, a petrolífera UOP, havia deixado a equipe no fim da temporada anterior e andavam muito escassos de recursos. Tanto que no meio do ano já deviam a Jarier vários meses de salário. Então apareceu publicada na imprensa a noticia de que Jarier já participaria no GP da França com a Ligier, data que coincidia com o dia da festa nacional Francesa. Não obstante, seu sonho seria truncado uma vez mais quando Nichols finalmente pagou a divida que tinha com Jarier e este teve de cumprir seu contrato até o fim do ano.

Já com trinta anos de idade, Jarier temia que as boas oportunidades fossem cada vez mais escassas, e vai para a ATS em 1977. A primeira vista não parecia um mau destino, pois Gunther Schmid, o dono da ATS, havia comprado os PC4 da Penske quando esta decidiu se retirar da Formula Um, pois o carro havia mostrado um bom rendimento no fim de 1976. Logo na primeira participação da equipe no USA West GP, Jarier termina num promissor sexto lugar. Infelizmente, cada modificação que se introduzia no carro com intenção de melhorar seu rendimento… O deixava pior. Jarier não voltaria a pontuar no resto da temporada. O difícil caráter de Schmid tampouco ajudava muito, pois não promovia um bom ambiente de trabalho e não eras raras as broncas e discussões.

As únicas alegrias de Jarier viriam no WEC, onde venceria os 500km de Dijon e os 500km de Le Castellet, formando dupla com Arturo Merzario na Alfa Romeo, enquanto que nas 24h de Le Mans consegue o 2º lugar junto a Vern Schuppan num Mirage Renault . Em dezembro ainda viria a vitória nas 6h de Dakar, com Porsche

Em 1978 as coisas seguem o mesmo na ATS e quando Jarier nem consegue se classificar em Mônaco, depois de uma forte discussão entre ambos, Schmid despede o francês. Apesar de que na equipe também estava o experiente Jochem Mass, este tampouco se classifica para o GP da Bélgica e nos seguintes quatro GPs, ainda que consegue terminar, sempre o faria com voltas perdidas. Assim Schmid chama de volta a Jarier para o GP da Alemanha, mas quando também fica fora do grid, outra discussão entre ambos provoca que Jarier abandone definitivamente a equipe.

Pouco antes do USA GP, Colin Chapman chama Jarier para que ocupe o lugar do falecido Peterson nos dois últimos GPs da temporada, e Jarier chega em Watkins Glen justo para começar os treinamentos. O problema é que o carro estava ajustado para o sueco e Jarier era um pouco mais corpulento, o que o deixou desconfortável, alem de que aquela era a primeira vez que pilotava um carro asa. Ainda assim e sem tempo para novos ajustes… Jarier consegue o oitavo lugar no grid, a praticamente dois segundo de Andretti. Na corrida as coisas seriam muito diferentes.

Nas primeiras voltas, Jarier se mantém no grupo da frente até que na volta onze tem de entrar no Box para trocar um pneu furado. Sendo o francês também um pouco mais pesado que o sueco, a carro raspava em alguns lugares da pista, mas algumas voltas depois o problema desapareceu quando a carga de combustível diminui. Então, Jarier empreende uma espetacular recuperação, marcando a volta rápida e que o teria colocado na terceira posição no grid.

Jarier progredia de maneira irresistível e quando já estava em terceira posição, seu forte ritmo até fazia pensar que a vitória não era descartável, Porem, com apenas três voltas por cobrir… A gasolina acabou. O calculo de combustível necessário havia sido feito em base a Peterson, mas os poucos quilos de mais de Jarier provocaram que o consumo fosse ligeiramente maior.

No Canadá e com a experiência do GP anterior, Jarier coloca o Lotus na pole e, dada a largada, logo escapa na liderança. Jarier se mantinha solidamente na frente quando na volta 47 começa a ter problemas com os freios e duas voltas mais tarde abandona. Segundo diria Jarier depois, quando preparavam os carros para a corrida, enquanto o de Andretti era atendido por vários mecânicos, só um havia sido designado para se ocupar do seu carro, e o rapaz, com tantas coisas por fazer, acabou se esquecendo de trocar as pastilhas dos freios traseiros.

O italiano Franco Lini, um dos mais reputados jornalistas da época escreveria em sua crônica sobre aquelas corridas: “Ou essa Lotus é imbatível, ou Jarier é um campeão e ninguém percebeu

Aquelas corridas serviram para mostrar que Jarier estava em plena forma assim como o quão rápido ele se podia adaptar a um novo carro. Infelizmente, naquela altura do ano, as equipes já tinham todos os seus pilotos contratados. De fato, Chapman lhe diz que estava muito impressionado e que se não fosse porque já havia assinado um contrato com Reutemann… Ele teria sido o escolhido.

Pouco depois receberia uma oferta da Tyrrell que aceitaria sem saber que a equipe de Ken acabava de perder os seus patrocinadores. Infelizmente, a Tyrrell estava já em franco declive e só conseguiria um patrocinador no meio da temporada: Candy. Tyrrell tampouco desfrutava já do tratamento preferencial que antes lhe dispensava a Cosworth. Ainda assim, Jarier e Pironi, conseguem 14 pontos cada um, levando a Tyrrell até o 5º lugar entre os construtores em 1979. Seis pontos seriam os que Jarier consegue em 1980, os mesmos que Derek Daly, com a Tyrrell ainda em piores condições.

Em 1979, outro dos mais respeitados cronistas daqueles anos, o francês Gerard Crombac, escreveria que o apelido de “Godasse de Plomb” foi totalmente imerecido, quando ele disse que Jarier havia se tornado “Jarier la finesse“, com um “estilo de pureza inigualável “.

Sem contrato para a temporada de 1981, Jarier aceita ocupar o lugar de Jabouille na Ligier, enquanto este se recupera do seu acidente no Canadá do ano anterior. Em Long Beach, Jarier abandona, mas no Brasil acaba em 7º lugar. Jabouille estaria de volta na Argentina, mas o francês depois de cinco GPs ( não se classificaria em dois deles ), logo percebe que já não poderia render ao mesmo nível de antes… E decide se aposentar. Infelizmente, nessa altura, Jarier já tinha chegado a um acordo com a Osella para o resto da temporada, o que o impedia de regressar à Ligier.

Porem, no fim do ano, outro raio de esperança aparece no horizonte de Jarier, quando Ecclestone lhe pergunta se estaria disponível para 1982. Segundo Bernie, Hector Rebaque não seguiria na equipe e precisava de outro piloto. Jarier lhe diz que não havia problema e acordam que Bernie o avisaria chegado o momento. Pouco depois, Frank Williams também lhe fez a mesma pergunta porque, embora Reutemann tivesse um contrato com ales para 1982, temia que o argentino se retirasse das corridas no final do ano. Assim, Jarier teve duas boas oportunidades para se juntar a uma equipa de topo. Mas como diz o velho ditado que “ Alegria de pobre dura pouco ! “, alguns dias depois Bernie lhe comunica que os patrocinadores queriam um piloto italiano na equipe, portanto seria Riccardo Patrese quem acompanharia Piquet. Poucos dias depois a opção da Williams também acaba se dissipando, quando Reutemann, no ultimo momento, decide continuar ( Jarier inclusive já havia feito alguns testes com o FW07 ).

Noutra ironia da vida, depois de disputar os primeiros dois GPs da temporada, e devido à guerra nas ilhas Malvinas ( Falkland, para os inglêses ), a presença de um argentino numa equipe inglesa era algo que a Reutemann não lhe resultava agradável, e decide se retirar definitivamente da competição. Frank, logo volta a entrar em contato com Jarier para que se incorpore à equipe, mas, infelizmente, este lhe diz que acabava de assinar um contrato com a Osella para o resto da temporada. Porem 1982 seria uma temporada para esquecer, pois o carro era sucata e ainda sofreram a perda de Ricardo Paletti no grave acidente no GP do Canadá. Jarier, então, seria uma figura fundamental para manter a moral da equipe naqueles difíceis momentos.

No momento em que Jarier pensava em retirar-se, Guy Ligier chega com uma proposta irrecusável para 1983, oferecendo-lhe três milhões de francos (cerca de 300.000 euros), uma soma muito elevada na altura… E Jarier vai para lá. No entanto, a Ligier já estava em declínio e nem Jarier nem Raul Boesel conseguiram marcar um único ponto durante a época. Contudo, Jarier tem um bom desempenho no circuito de rua de Long Beach, onde o carro não conta tanto. Partindo da décima posição no grid, Jarier logo se encontra no encalço de Rosberg, então em terceira posição, e com um ritmo que fazia pensar que o pódio não estaria fora do seu alcance… E quem sabe se até a vitória. Entretanto, na volta 26, Rosberg, que parecia não ter um bom dia, golpeia o Ligier, danificando o seu bico e causando o abandono de Jarier.

Já retirado da Formula Um, Jarier continua nas pistas disputando corridas do WEC e Sport Car até 2003, conseguindo varias vitórias nesses anos como, por exemplo, nas 24h de Spa de 1993, junto a Christian Fittipaldi e Uwe Alzen, com Porsche, e seria campeão francês da FFSA GT, também com Porsche, em 1998 e 1999.

Como curiosidade, temos a participação de Jarier no filme RONIN de 1998, onde ele era um dos especialistas nas emocionantes cenas de perseguição.  Inclusive, foi ele o dublê de Robert deNiro nas cenas em que o ator aparecia dirigindo, mas a realidade é que o volante estava do lado direito do carro nas mãos de Jarier e deNiro apenas manejava um volante fajuto.

Já retirado da competição, Jarier diria numa entrevista, anos mais tarde, que a sua carreira tinha sido um fracasso. Porém penso que Javier estava sendo demasiado duro consigo próprio com essas palavras. É verdade, no entanto, que os resultados não estiveram à altura do seu potencial e talento, pois Jarier acabou por ser o único piloto da plêiade de pilotos franceses surgidos na década de 1970 que não conseguiu ganhar nenhuma corrida.

No entanto, não é menos verdade que, no momento em que teve a melhor oportunidade para desenvolver esse potencial e mostrar o seu talento, Max Mosley e a sua recusa em permitir que Jarier deixasse a March, como Stanley faria mais tarde com Lauda, acabou condicionando toda a sua carreira, pois agindo como o cachorro da história que não comia nem deixava comer, Max também não aproveitou o talento de Jarier… Nem permitiu que outros o fizessem. Uma oportunidade dessas só se apresenta uma vez na vida e Jarier perdeu-a por causa de Mosley.

Um abraço e sejam bons

Manuel Blanco

 

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

2 Comments

  1. Leandro disse:

    Que bom poder ler sobre estes “por menores” e como isso muda todo um olhar. Não sabia de nada sobre ele, e puder conhecer muito agora.

    Fico na expectativa para saber mais sobe outros “cachorros no palheiro”

  2. Fernando Marques disse:

    Manuel,

    como já tinha dito antes, sempre apreciei a tocada do J.P. Jarrier …
    como são belas as fotos dele no Lotus 79 e no ATS/Penske
    ele merecedor dessa homenagem do GEPETO

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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