

Recordes são importantes quando respeitados os contextos: dizer que o piloto X tem muito mais vitórias que o piloto Y e, a partir disso, tentar definir o melhor entre eles não é algo que gente séria e aprofundada no tema deve fazer: se nos anos 50 e 60 eram disputadas de 8 a 10 provas por ano, qual o sentido de dizer que pilotos dos anos 2020 são melhores porque ganharam mais corridas sendo que, em apenas uma temporada, já disputam uma quantidade de provas que antes um piloto levava quase três anos pra completar?
Por outro lado, quando falamos de números mais específicos, sequenciais ou proporcionais, a história é um pouco diferente.
Ayrton Senna ainda detém algumas marcas importantes, mas nenhuma de extrema relevância, a mais destacada sendo suas vitórias em Mônaco, por conta do peso que o circuito de Monte Carlo tem na história da F1 e do automobilismo em geral. Quando de sua morte, ele era dono ou se aproximava de muitas outras marcas históricas: pole-positions, km e voltas lideradas, vitórias de ponta a ponta etc. Todas essas marcas foram sendo, aos poucos, suplantadas, ora por Schumacher, ora por Vettel, por Lewis ou Verstappen.
Duas delas, porém, permanecem intactas e demonstram seu domínio em classificações: as 24 primeiras filas consecutivas, obtidas entre a metade de 1988 e ao longo de 1989, e as 7 poles seguidas em Imola, obtidas entre 1985 e 1991. O recorde das primeiras filas é difícil de ser superado, mas eventualmente isso irá acontecer – Hamilton chegou a 20, entre 2014 e 15. Quanto às sete poles seguidas num mesmo circuito, não creio.
Ano passado, escrevi aqui sobre essa marca, a qual considero ser “O grande recorde de Senna”: o feito foi obtido com equipamentos distintos, em diferentes formatos de treinos e diante de concorrências completamente diferentes. A não ser que Max Verstappen “prove me wrong”, acredito, sinceramente, que nunca veremos outro piloto repetir tal feito.
Jim Clark, o lendário escocês voador, outro forte candidato à posição de maior da história da F1, também obteve marca que desafia o tempo: por oito vezes ele marcou o Grand Chelem, ou Grand Slam: marcou a pole, liderou todas as voltas, marcou a mais rápida e cruzou a linha de chegada em primeiro. Ele fez isso um total de 8 vezes – e em apenas 72 GPs, portanto, a cada 9 corridas -, a última delas há 60 anos, no GP da Alemanha de 1965.
Na prova do Azerbaijão deste ano, Verstappen chegou ao seu sexto Grand Chelem, igualando Hamilton – vou ignorar, conforme nosso querido JC Viana relatou, o comentário do atual narrador oficial da F1 sobre a diferença da dificuldade das marcas de Clark e dos multicampeões atuais.

Diferente do caso das poles em Imola, embora difícil, eu acredito que essa seja uma marca que Max pode superar, sessenta anos depois.
Juan Manuel Fangio, por outro lado, já não detém mais recordes “absolutos”, seja de sequência ou no acumulado, mas tem a seu favor os incríveis percentuais: maior número de vitórias/GP disputado, melhor índice de poles, pódios, primeiras filas e de melhores voltas. Também é o que tem maior aproveitamento (títulos) em campeonatos disputados.
Tais médias, até pelo fato de ter disputado já mais de 200 provas, Verstappen – nem, creio, qualquer outro piloto – não deverá igualar, muito menos superar, mas duvidar de que ele pudesse fazê-lo seria fazer de conta que a temporada 2023 não existiu: Max venceu 19 das 22 provas lá disputadas.
Todas essas marcas e feitos listados acima são imponentes e amostras simples de quão gigantescos foram os pilotos citados. A eles, Max Verstappen tem, dia após dia, se ombreado. “Eles sentam-se à mesma mesa”, para evocar expressão que tem se tornado comum nos debates esportivos atuais.
Mas há uma marca que é mais difícil do que as citadas acima, e Verstappen tem a chance de igualá-la este ano. É provavelmente o grande feito de Schumacher ao longo de sua carreira.
Michael Schumacher, no início dos anos 2000, impingiu o maior domínio até hoje visto. O alemão venceu um total de 48 corridas em 84 GPs (para efeito de comparação, é mais do que Fangio conseguiu em sua carreira e mais do que Verstappen obteve no período dos carros asa), mesmo com mudanças drásticas em regulamentos, tanto na parte técnica quanto, principalmente, na parte organizacional dos fins de semana de GP – sistema de treinos, de pontuação, de liberação e proibição nas mudanças dos carros.
Por consequência, o alemão venceu todos os campeonatos disputados nas respectivas temporadas. Até hoje, ele é o único piloto a ser de fato pentacampeão. Antes dele, Fangio; após ele, Vettel, Hamilton e Verstappen: os 4 conseguiram tetracampeonatos, e este ano Verstappen é candidato ao título na base do talento. Se ele conquistar o quinto campeonato, será um feito ainda superior ao de Schumacher.
Nesta coluna eu irei relembrar a sequência de cada um deles – e tentar entender por que Schumy permanece sendo o único “mão cheia” do grupo.
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Juan Manuel Fangio: campeão de 1954 a 1957
Em 1953, Fangio retornava após um ano fora das corridas, depois do terrível acidente que sofreu em 1952. Além do período de readaptação, a Maserati do Maestro não era páreo para a Ferrari do Italiano Alberto Ascari, que já havia dominado de forma acachapante a temporada anterior.
Ascari marcou a pole em 6 das 8 provas (para todos os efeitos, não irei considerar as 500 milhas nas contagens) e venceu 60% delas, chegando ao absurdo de descartar uma vitória nos resultados válidos. Ascari totalizou 46,5 pontos, destes sendo contabilizados 34,5.
Fangio, que foi terceiro nos pontos totais (somando 32), fechou com 29,5 pontos e o vice-campeonato, após vencer a última corrida da temporada.
A partir do ano seguinte, Fangio iniciaria sua sequência de 4 títulos, abrindo a temporada de 1954 ainda pela Maserati (e vencendo as duas provas disputadas!) e em seguida se transferindo para a Mercedes – será para sempre o único piloto campeão correndo por duas equipes distintas no mesmo ano: “El chueco” vence 4 das 6 corridas restantes, além de um 3º e um 4º lugares.
Em 1955, mais uma temporada dominante: foram somente 6 provas, mas Fangio ganhou 4 e marcou um segundo lugar. Terminou com quase o dobro de pontos do vice. Um ano depois, tendo a Mercedes se retirado após a tragédia de Le Mans, Fangio migrou para a Ferrari. Lá, enfrentou seu campeonato mais complexo, e a concorrência maior estava dentro da própria equipe: Peter Collins – 20 anos mais novo.

Até o GP da Grã-Bretanha, antepenúltima etapa do ano, Fangio era segundo colocado no certame. Na prova seguinte, o argentino vence, assumindo a liderança e abrindo 8 pontos para Collins.
Monza, 2 de setembro.
Fangio marca a pole-position. Collins parte em sétimo. Logo no início, porém, o sul-americano tem problemas e vai perdendo posições até abandonar a corrida, na volta 30. Nesse momento, Collins era terceiro colocado. Se vencesse, o inglês seria campeão mundial. Terminando em segundo, não superaria os 30 pontos do Maestro.
Collins então decide pelo impensável: ele vai aos boxes, desce do carro e deixa Fangio assumir o monoposto (o regulamento da época assim permitia), garantindo os pontos necessários para assegurar o título – Moss, o líder da prova, corria por fora na disputa.
O companheiro de equipe de Fangio justificou sua decisão: “Ele [Fangio] merecia vencer. Ainda tenho muito tempo. [para ser campeão]”. Infelizmente, menos de dois anos depois o inglês estaria morto.
Depois de uma temporada claudicante, Fangio volta para a equipe onde conquistara o Mundial de 1954, e domina completamente: ele vence 4 das primeiras 5 etapas, garantindo o título na quinta corrida, sua melhor performance da carreira. Um verdadeiro épico.
Fangio abre 1958 na pole, mas os resultados são bastante insatisfatórios: quarto colocado na primeira etapa, depois duas não qualificações e novamente quarto lugar. O Maestro decidiu se aposentar.
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Na próxima parte desta coluna, iremos relembrar como foram as sagas modernas dos pilotos que venceram quatro campeonatos consecutivos.
2 Comments
Ola,
Bom tema, mas, devemos sempre nos lembrar que são eras diferentes e padrões muito diferentes, eram 10, depois 12, depois 16 corridas e sempre aumentando o calendário, como bem lembrado por você e isso é só um parâmetro.
Então creio que a porcentagem é um melhor termômetro para comparações.
embora, são eras tão distintas que realmente é muito difícil, tais comparações, mas é sempre um bom assunto.
Eu tenho uma opinião em que classifico os pilotos por ERAS, assim fica:
FANGIO, CLARK, SENNA, SCHUMACHER, HAMILTON E FINALMETE VERSTAPPEN, depois vem os outros,,,,
Abraço.
Antonio Manoel
Marcel
Excelente o tema … e relembrar os grandes feitos dos pilotos …
E recordes são pra serem batidos
Fernando Marques
Niterói RJ