O mais prezado tesouro – Final

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Continuando nossa abordagem sobre a ganância dos dirigentes atuais, lembro que no passado existia mais flexibilidade e abertura para a entrada de novas equipes, muitas das atuais grandes se beneficiaram dessa acolhida, leia a primeira parte clicando no link abaixo:

 

O mais prezado tesouro – Parte 1

 

Segundo o próprio Bem Sulayen, o presidente da FIA, se trata de um problema de cobiça, pois tudo se resume a uma questão de dinheiro e considera que a Liberty e as equipes, coletivamente, priorizam as suas ganâncias e o seu valor comercial. Michael Andreti, que faz tempo tenta ingressar na categoria, também se manifestou nesse sentido dizendo:

É tudo uma questão de dinheiro. É tudo uma questão de ganância e (as equipes existentes) só olham para si próprias e não olham para o que é melhor para o crescimento geral da categoria“.

 

Também podemos citar as palavras de Zak Brown, da McLaren, que não teve nenhum pudor em dizer que: O objetivo desses 200 milhões é proteger o valor das equipes existentes ! Neste caso tampouco nos devemos de surpreender, pois a McLaren tem entre seus acionistas ha cinco investidores, dentre os quais destaca Mumtalacat Holding Co., que possui mais da metade de suas ações e em conjunto os cinco controlam mais de 85% do accionariado. Sendo assim, Brown apenas defende os interesses daqueles que pagam seu salário.

Ainda temos o caso da Sauber que, em 2016, estando já à beira da falência, seria comprada a preço de saldo pela firma de investimentos Longbow Finance S.A.. Em outubro de 2021, Michael Andreti lhes apresenta uma oferta de cerca de 350 milhões pela compra de 80% da escuderia, o que lhe daria o ansiado aceso à categoria.

A oferta mais do que duplicava o que haviam pagado, mas quando Toto Wolff soube disso logo diria que estariam loucos se vendessem, pois o valor das equipes estava em pleno ascenso e num par de anos valeria muito mais.

Chegados a este ponto, não posso deixar de recordar as palavras de Nicolau Maquiavel que, apesar de que fossem ditas no longínquo século XVI, continuam plenamente atuais:

Os homens passam de uma ambição para outra: primeiro, procuram proteger-se contra os ataques e, depois, atacam os outros.

Com a devida adaptação ao contexto da Formula 1 que vemos agora, me parece que essas palavras estão carregadas de razão, pois essa mesma é a forma em que se comportam aqueles que dirigem a categoria… Cegados por uma insaciável cobiça.

Essa mesma cegueira é a que lhes impele a impor todos esses requerimentos e condições a qualquer um que tente se aventurar na categoria, pondo em perigo a confortável posição que desfrutam e a reduzir a sua suculenta “porção do bolo”.

Essa mesma cegueira é a que lhes impede ver que eles mesmos chegaram onde estão sem a necessidade de superar nenhuma dessas exigências, como as que agora eles pretendem que outros cumpram, o que me parece um comportamento bastante egoísta por parte deles.

 

Como digo nenhuma das equipes atuais foi submetida a escrutínio algum e, com a exceção da Ferrari que compete desde a criação do campeonato em 1950, todas elas tiveram a sua origem em escuderias que, segundo as exigências atuais, não acrescentavam nada à categoria. Isso mesmo é o que disse Wolff, em nome dos seus colegas: “Qualquer aspirante deve “acrescentar” algo à Formula 1 !“

A cobiça tem mesmo efeitos muito nocivos e parece que até a perda de memória é um deles, portanto recordemos a origem daqueles que agora se erigem como juízes das capacidades de outros:

Comecemos pela própria equipe de Wolff, a Mercedes, cuja origem foi a modesta escuderia de Ken Tyrrell, um entusiasta do automobilismo. Ken começou competindo com carros da Matra e da March, antes de fabricar os seus próprios e sua equipe passaria anos depois pelas mãos da BAR, da Honda e de Ross Braun, até ser vendida por este à Mercedes por 175,7 milhões de Dólares. A firma de investimentos Aabar Finance, possui 40% das ações da equipe.

Por sua parte a Williams também teve uns inícios muito modestos, pois a Frank lhe levou 10 anos conseguir o ansiado sucesso, durante os quais era apenas uma inexpressiva escuderia do fundo do pelotão, sempre à beira da falência, enquanto a McLaren, como a Williams, começou participando de forma esporádica em 1966, como produto da paixão de Bruce, antes de se assentar na categoria alguns anos depois.

Com aparição já posterior à dos supracitados temos outro entusiasta: Peter Sauber, quem nunca chegou ao nível de sucesso dos anteriores, mas que teve seu momento de glória quando contou com o apoio da BMW.

Destacável é o singular caso da Red Bull que, no fim de 2004, comprou a Jaguar por apenas uma libra, quando a Ford se cansou de esperar que a equipe do felino lhe proporcionasse alguma alegria, e decidiu abandonar a categoria.

Nesse mesmo ano Red Bull, pouco antes, já havia comprado a moribunda Minardi, uma equipe habitual do fundo da classificação, por apenas 20 milhões de euros, para que atuasse como a sua segunda equipe.

20 milhões também seria o preço pagado por Gene Hass pela compra da Manor (antes Marussia) no fim de 2014. Para então as dívidas da modesta escuderia eram já uma carga demasiado pesada, e a venda era inevitável. Em seus cinco anos na categoria, um nono lugar foi seu melhor resultado.

A mais recente escuderia na Formula 1 é a Aston Martin, que acederia ao seleto grupo da categoria quando comprou a Force Índia, equipe originalmente fundada por outro entusiasta ex piloto: Eddie Jordan. No intervalo entre Jordan e Force Índia, a equipe havia sido vendida, primeiro à Midland e depois à Spiker para, finalmente, ser vendida por esta a um consorcio de investidores liderado por Lawrence Stroll por 105 milhões de libras.

Por último temos o caso da Renault, que apesar de ser uma equipe de um grande fabricante, entrou na Formula um de forma pausada. A equipe se apresentaria no British GP de 1977, disputando apenas outros dois GPs aquela temporada. Em 1978 compete ainda com apenas um carro para Jabouille, mas sem se apresentar nas provas sul americanas sendo somente em 1979 quando participa já com dois carros em todos os GPs.

Agora todas essas equipes, uma vez bem assentadas no milionário negócio em que se transformou a Formula 1, tratam de proteger suas riquezas ante qualquer “intruso”. A cegueira que lhes provoca a cobiça não lhes deixa ver que com sua atitude apenas privam a categoria do que sempre foi: uma competição aberta a quem se atrevesse a participar. Uma competição onde a única condição para participar era que o carro cumprisse com o regulamento vigente

Assim, antanho muitos entusiastas se atreveram a aceitar o repto que a Formula um representava, e a maioria das escuderias atuais surgiram na conhecida como “época dourada da Formula 1” ( ou já no fim dela ). Assim, todas estas equipes, acresciam muito à categoria e a sua contribuição enaltecia os valores próprios de toda competição, como a paixão, a sadia ambição pela superação e a busca da glória da vitória, o cumprimento de um sonho, etc.

Possivelmente, por tudo isso mesmo é que aquela época era dourada.

Tratando de representar de forma gráfica a evolução da categoria ao longo dos anos, aqui temos este gráfico que se apresenta separando a Formula 1 em quatro períodos, mostrando a média de equipes inscritas e quantas destas eram construtores em cada período: O primeiro vai de 1966, ano do início de atividades da McLaren, até 1981, último ano em que as equipes podiam competir sem ser construtoras, usando carros fornecidos por outras.

O segundo período vai de 1982 até 1995, último ano em que houve mais de 12 equipes no grid. Já o terceiro período é o que vai de 1996 até 2012, sendo este o último ano com 12 ou mais equipes inscritas. Finalmente, temos o período de 2013 até o presente, que se caracteriza por sempre haver contado com menos de 12 equipes ( nos últimos sete anos foram apenas dez )

Observando o gráfico, logo podemos perceber como, conforme o negócio da categoria crescia tornando seus participantes mais e mais ricos… As equipes inscritas diminuíam. Diz o velho ditado que “Dinheiro chama dinheiro”, e isso mesmo acabou acontecendo, visto todas as empresas de investimento que foram se envolvendo na categoria.

Lamentavelmente, longe ficam os tempos em que a Formula um era uma competição onde a competência dos participantes se demonstrava nas pistas, sendo estas os únicos juízes, mas também verdugos daqueles aspirantes não aptos, pois ali é onde se separa o trigo do joio.

Atualmente, a cobiça daqueles que desfrutam da privilegiada posição que se encontram, lhes cega e tudo ao que aspiram é a conseguir mais e mais dinheiro. Hoje, a competição foi sendo relegada pelo espetáculo numa ânsia por conseguir maiores audiências… Que lhes proporcionem mais dinheiro !

Assim, tratando de manter essas audiências, foram sendo implementadas medidas como o DRS, a bandeira azul ou o safety car, todas contrarias ao mais elementar espírito da competição ou dos valores que a caracterizavam e que constituem o seu verdadeiro tesouro.

Assim a Formula 1 foi “transformando” em ouro tudo aquilo que tocava e, no processo, enriquecendo a todos, de modo que agora vemos como todos tratam de evitar por qualquer meio que a sua parte no bolo possa ser reduzida com a chegada de novos contendedores, pois segundo dizem isso abalaria o delicado equilíbrio financeiro de todas as equipes.

Porém, um comportamento é corrupto em si mesmo quando se orienta estritamente para o lucro… Sem acrescentar nada (aqui sim serve o tal termo ) e, como no caso do rei Midas e de sua cega cobiça, todos os membros da atual “elite”, também correm o risco de acabar perdendo o mais prezado tesouro.

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

2 Comments

  1. Thanks for sharing. I read many of your blog posts, cool, your blog is very good.

  2. Fernando marques disse:

    Manuel Blanco,

    Gostei mais da segunda parte e a certeza que não é só a fórmula 1 que segue o business.
    Todos os esportes fazem o mesmo. As olimpíadas há tempo não é mais esporte para amadores.
    Sua coluna é uma autêntica auditoria.
    E no caso da fórmula 1 a verdadeira verdade.
    Saudades do automobilismo raiz.
    Só faço um porém em tudo o que vc falou.
    A fórmula 1 quando começou era dominada pelos grandes montadoras. E hoje, com elas de volta a fórmula 1 não sobrevive sem elas.
    É uma realidade. Não acredito num retrocesso nesse sentido

    Fernando Marques
    Niterói rj

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