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O mestre de Fangio – parte 7
04/02/2019

Confira o início desta história clicando aqui.

No GP da França (Montlhéry) a vitória volta a sorrir. A imprensa da época atiça a rivalidade, França contra Italia, Bugatti X Alfa. A montadora de Molsheim alinha três T51 para Chiron/Varzi, Divo/Bouriat e William “Williams” Grove/Caberto Conelli. A Alfa traz três 8C para Campari/Borzacchini, Tazio/Giovanni Minozzi e a revelação Ferdinando “Nando” Minoia com Goffredo “Freddy” Zehender. A Maserati vem com duas 26M para Dreyfus/Pietro Ghersi e Clemente Biondetti/Luigi Parenti. Um terceiro chassis 26M recebe um motor 2,8L (o antigo 2,5 retrabalhado) e é entregue a Fagioli e Ernesto.

Fagioli larga na frente, favorecido pelo sorteio. Campari assume a terceira posição, Dreyfus a quarta, Chiron a quinta, após uma excelente largada. Na 4a. volta, para ultrapassar Fagioli o monegasco bate o recorde da pista, com média de 133,531km/h.

A ordem era: Chiron, Fagioli, “Williams”, Dreyfus, Lehoux (Bugatti independente), Divo, Campari, Sénéchal (Delage) e Nuvolari.  Nos 4 giros seguintes Fagioli não dá o menor sossego a Chiron e os dois vão batendo sucessivamente o recorde de volta. Na 10a. volta é a vez de Fagioli bater definitivamente o recorde de volta e reassumir a ponta. Imediatamente atrás dos dois, até o sexto lugar vem uma Maserati (Dreyfus) e três Bugatti. A primeira Alfa (Campari) aparece em 7º.

Na 16a. volta Chiron retoma a liderança.

No inicio da terceira hora começam os revezamentos. Achille abre 4’ de Ernesto Maserati. Nuvolari passa o volante a Minozzi em 4º tendo largado em 18º.

Na metade da corrida a ordem era: Chiron/Varzi, Divo/Bouriat, Dreyfus/Ghersi, Williams/Conelli/ Nuvolari/Minozzi, Minoia/Zehender. Fagioli/Ernesto já tinham abandonado devido a problemas com os freios. Campari/Borzacchini, também com problemas nos freios, estavam 4 voltas atrás da Bugatti líder.

A Bugatti tinha uma vantagem sobre as Alfa e Maserati nas paradas de boxe para troca das sapatas de freio. O tambor e a roda formavam uma peça só, em alumínio, e isso permitia gastar apenas o tempo de uma troca de roda, o que não ocorria com as máquinas italianas.

Estas tinham que sacar a roda para depois sacar o tambor, duas operações.

Chegando próximo ao final problemas de toda ordem para quase todo mundo foram surgindo e assim coube a Varzi receber a bandeirada, com Campari/Borzacchini em segundo, a 3 voltas, e Biondetti/Parenti em terceiro, a 5 voltas. A multidão explode de alegria, vitória francesa – folgada – em casa.  

Duas semanas mais tarde Varzi vence a prova de Susa-Moncenisio, válida para o campeonato europeu de subida de montanha.

A última das Grandes Épreuves é o GP da Bélgica.

A Maserati decidiu poupar seus carros para o GP da Alemanha na semana seguinte, assim a batalha seria entre Bugattis e Alfas. Ettore enviou 3 carros, para Varzi/Chiron, Divo/Bouriat e “Williams”/Conelli. A Alfa enviou duas 8C para Nuvolari/Borzacchini e Campari/Zehender. Uma terceira, na configuração da Targa Florio, foi consignada a Minoia/Minozzi. Com a ausência da marca do tridente o numero de carros inscritos baixou para 12.

Detectando sua falta de velocidade na França a Alfa alterou o eixo traseiro das 8C. Tendo tido problemas com pneus em Monza, a Bugatti usou Dunlop no GP da França, e diante da boa

performance continuou com essa marca na Bélgica.

Embora largando na segunda fila, Varzi e Nuvolari logo passam a disputar a liderança.

Completam a primeira volta nessa ordem, seguidos por Williams, Minoia, Wimille (Bugatti T51), Birkin (Alfa 2,3L sport modificada) e Campari. Achille e Tazio foram se alternando na liderança.

Completada a primeira hora era Tazio o ponteiro. Atrás de Achille vinham Williams, Minoia, Wimille, Divo, Birkin, Campari e os restantes independentes.

Ao longo da terceira hora vieram as primeiras paradas para reabastecimento, troca de pneus e pilotos. Borzacchini e Chiron assumem e este ultrapassa o colega italiano antes de completar essa hora. Mas pouco depois é obrigado a parar sua Bugatti na subida da Eau Rouge, por quebra do magneto. A Alfa de Campari/Freddy também abandona. Mais algum tempo e Divo/Bouriat também abandonam. Nivola e Borzacchini continuam na liderança e a única Bugatti que pode ameaçar é a de Williams/Conelli. Williams assume o último turno. Borzacchini tem o motor falhando e vai aos boxes. Ele acha que é alimentação, mas o problema continua. Com duas paradas nos boxes para isso e para trocar com Tazio, Williams assume a ponta e abre uma volta. Nuvolari parte em sua perseguição, recupera a volta mas não é o suficiente.

Com Minoia/Minozzi chegando em terceiro “Nando” se torna campeão europeu, mesmo sem ter uma única vitória, graças ao esquisito critério de pontuação. Embora Campari tenha desempenhado melhor ao longo da temporada, e os dois estivessem empatados em pontos, o critério foi a distância percorrida e isso favoreceu Minoia.

O GP da Alemanha, em Nurburgring (Nordschleife), obviamente estava fora da contagem de pontos para esse campeonato europeu, mas era uma prova importante, ao ponto que reuniu 31 carros representando 10 países, na categoria principal.

Aqui a Mercedes estava em casa e, ainda que não oficialmente, se fez representar por Caracciola, Stuck e Merz, coordenados pelo Rennstallleiter Alfred Neubauer. Eram 3 SSKL aliviadas de tudo quanto era peso dispensável, como parachoques, paralamas, faróis etc.. Essas providências funcionaram (somadas a uma chuva que durou 13 das 22 voltas), se tornando um prelúdio do sucesso que essa marca obteria alguns anos depois, e Caratsch, evidenciando sua maestria no molhado, vence. Chiron em segundo, Varzi em terceiro, mas à frente de Nivola.

Convém assinalar que a Alfa enviou apenas uma 2.3L via Scuderia Ferrari, ao passo que a Bugatti veio com força total.

Na Coppa Ciano (Montenero/Livorno) a Bugatti não vem oficialmente mas Chiron e Varzi alinham suas 2.3L com duplo comando tendo todo apoio da fábrica.

A Alfa vem novamente via Ferrari, com as 8C pilotadas por Nuvolari, Campari, Borzacchini e Cortese. A Maserati enviou apenas uma 2.8L com Fagioli. Ele e Varzi dominam no inicio, mas começam a ter problemas e o caminho para a vitória fica livre para Tazio. Achille teve um pneu furado, caiu para oitavo e terminou em 5º. Faz a volta mais rápida (85.7km/h de média).

Duas semanas depois vem a Coppa Acerbo.

A Alfa envia 2 Tipo A de 12 cilindros, 3.5L para Campari e Nuvolari, e mais 2 8C para Borzacchini e Severi, sob as cores da Scuderia Ferrari. A Tipo A era um carro muito interessante.

Na realidade não era um motor, mas dois 6C 1750cc instalados lado a lado no chassis de uma 8C. Cada motor tinha sua caixa de câmbio de 3 velocidades que transferiam potência também por meio de dois eixos, para dois diferenciais. Esse conjunto entregava 230 BHP, alcançava 240km/h, carregando um peso total de 930kg, portanto pouco mais de 4kg por HP.

Ao contrario de modelos anteriores, este carro só tinha um lugar, por isso era conhecido também como “monoposto”.

A Bugatti repete o esquema da prova anterior, Achille e Chiron como independentes, com Constantini nos boxes coordenando o apoio da fábrica. A Maserati traz a 2.8L para Fagioli, a V4 de 16 cilindros para Ernesto e duas 26M para Dreyfus e Klinger.  Campari assumiu a ponta, seguido por Fagioli, Varzi e Nuvolari já duelando, Borzacchini, Chiron, Ernesto. Os cinco primeiros já batem o recorde de volta nessa primeira volta. As Alfas se mostravam muito superiores na parte sinuosa do circuito e um pouco mais lentas em retas que as Bugatti e Maserati mais rápidas. Mas a pista estava muito abrasiva e a maioria começa a sofrer desgaste acentuado de pneus. Com isto Campari vence, seguido por Chiron, os dois únicos que não tiveram problemas. Nivola em 4º, Achille em 5º, tendo tido novamente um pneu furado.

Aí vem o GP de Monza. A Alfa agora tem duas 12 cilindros?

A Bugatti não vai deixar por isso mesmo.

Ela aparece com duas 8 cilindros de 5.0L (T54) para Varzi e Chiron. 300HP, velocidade máxima 250km/h. A Alfa vem oficialmente, com as Tipo A para Campari e Nuvolari, 3 8C para Minoia, Borzacchini e Minozzi. A Maserati traz duas 2.8L para Fagioli e Dreyfus e a V4 para Ernesto.  

Após as baterias eliminatórias 9 carros alinham. A primeira fila é composta por Minoia, Borzacchini, Dreyfus, Fagioli, Minozzi. A segunda por Lehoux, Varzi, Chiron, Nuvolari.

Fagioli lidera, Nuvolari tem um pistão quebrado, Varzi dois furos de pneu em momentos diferentes.

E assim o pódio é composto por Fagioli, Borzacchini (o único que não fez nenhuma parada) e Achille.

A última corrida da temporada foi em Masaryk, Tchecoslováquia. Logo no começo Fagioli, na liderança, não conseguiu corrigir a tempo uma derrapagem na saída de uma curva cega. Uma roda traseira bate no pilar de uma passagem de pedestres e esta cai, inutilizando a Maserati e bloqueando parcialmente a pista. Bizarro e perigoso.

Tazio e Achille vinham disputando roda a roda, logo atrás, e não tiveram como evitar o choque com os restos dessa ponte. Nivola danificou o eixo traseiro, Varzi entortou algumas rodas. Caracciola vinha atras, desviou mas foi parar em uma vala. Chiron, colado nele, também foi para a vala mas conseguiu se safar dela sem grandes danos. Varzi deu uma carona a Nuvolari até os boxes, trocou rodas, voltou para a pista mas tinha mais estrago e logo ele abandonou.

No final de novembro ele recebe o título de cavaleiro da ordem do mérito das mãos do Rei Vittorio Emmanuele III, assim como Tazio e Enzo Ferrari.

Para 1932 a Bugatti mantém Varzi e Chiron como pilotos titulares, com Divo e Bouriat como reservas. Os carros seguem sendo os mesmos, mas agora a Alfa, com suporte governamental, iria apresentar a nova Tipo B monoposto, 8 em linha, 2.6L. Nuvolari, Campari e Borzacchini seguiam sendo os principais pilotos, mas Rudolf Caracciola iria se tornar membro oficial da equipe a partir de Monaco. A Bugatti sabia que as 5.0L eram difíceis de pilotar e logo vai descobrir que as

T51 2.3L, mesmo melhoradas, não seriam páreo para a potência das novas Alfa.

A Maserati mantém as 26M 2.8L para Fagioli, Amedeo Ruggeri e Dreyfus.

Novamente Achille vai disputar a prova da Tunísia como independente, com sua T51 vermelha, e Chiron com a sua azul celeste. A Ferrari representa a Alfa com um único carro, 2.3L, para Siena. A Maserati envia Fagioli e Dreyfus com as 2.8L.

Mas vai enlutada. Alfieri Maserati tinha morrido um mês antes, em uma cirurgia para resolver problemas nos rins originados de um acidente que teve em 1927, em Messina. Tinha apenas 44 anos. Ernesto era o irmão que mais tinha convivido com ele e assume a liderança da empresa, mas ela tinha perdido seu principal esteio.

Não apenas pelas qualidades técnicas de Alfieri, mas também pelas pessoais: era conhecido por sua modéstia, generosidade e pelo trato amistoso.

Largando da terceira fila Achille tem uma partida excepcional e assume a liderança. Lehoux, com uma T54 o alcança na segunda volta, ultrapassa, mas Varzi logo dá o troco. Em terceiro vem Fagioli, seguido por Dreyfus, Chiron, nas principais posições. Na quinta volta a ordem era Varzi, Chiron, Fagioli, Dreyfus, Lehoux. O duelo entre os dois pilotos oficiais da Bugatti não chega a acontecer devido a uma parada excessivamente longa de Chiron nos boxes, 3’. Com isso Fagioli assume o segundo posto. Por que as T54 – e haviam 3, todas independentes – não desempenhavam melhor que as 2.3? Porque estavam equipadas com os mesmos freios que as irmãs menores, o que obviamente era insuficiente, obrigando a frear mais cedo.

Talvez se aplicasse aqui aquela famosa frase de Ettore respondendo à queixa de uma socialite a respeito dos freios de seu carro: “Construo carros para correr, não para parar.”

Na volta 17 a vida de Varzi fica ainda mais fácil quando Fagioli tem problemas no compressor e é obrigado a parar. Dreyfus também tem problemas então Varzi vence com 2’56″ à frente de Lehoux.

Ele se inscreve nas Mille Miglia em dupla com Carlo Castelbarco mas abandona logo.

Em Monaco, com a T51, larga na penúltima fila, uma vez que o grid era composto por sorteio.

Após 10 voltas está em quinto. Após 20, em terceiro, atrás de Chiron e Nuvolari. Nesse meio tempo ele baixa o recorde da volta em 5 segundos. Na altura da volta 30 Chiron comete um raro erro ao ultrapassar um retardatário, bate nos sacos de areia no trecho ao longo do píer, é cuspido para fora do carro e fica tonto por alguns momentos. Quando se recupera descobre que miraculosamente ele e o carro estão praticamente intactos. Retorna, mas as chances de repetir sua vitória do ano anterior se tornaram mínimas. Achille agora está a apenas 6” de seu principal rival. Ele se mantém em segundo até a volta 57, quando pára nos boxes com problemas que os mecânicos não conseguem resolver. Com seu abandono, a vitória sorri para Tazio.

Em Roma, no circuito que aproveitava a pista de aviação de Littorio, o principal adversário de Achille é Fagioli, que estreia a nova V5, de 5.0L. A Alfa comparece via Ferrari, com uma 2.3 para Piero Taruffi. E essa Maserati se mostra imbatível. Apesar dos esforços de Varzi, Fagioli livra distancia implacavelmente. Na volta 15 ele está 15” à frente de Achllle, que por sua vez abriu 8” de Taruffi. Mas Varzi teve que parar duas vezes por problemas de pneu e assim termina em 4º.

Semana que vem o penúltimo capítulo da saga de Varzi.

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

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