Odisseia

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Me interessam os esquemas mais do que simples das cores dos novos McLaren e Sauber. Não sei se elas durarão até Melbourne, mas gosto desta simplicidade, este despojamento forçado, inclusive pela falta de patrocinadores.

Me lembram os anos 60, uma Fórmula 1 não exatamente romântica e inocente – Enzo Ferrari e Colin Chapman mandavam no pedaço na época e eles não eram nem uma coisa nem outra, muito pelo contrário –, mas onde ambições e pretensões não passavam de certos níveis, um tempo em que um único engenheiro sentava-se à prancheta e desenhava um carro inteiro usando grafite, tinta nankin, régua T e curvas francesas. Depois, ia para a oficina, orientar os trabalhos de uns poucos artesãos, que moldavam chassis e carrocerias com as próprias mãos, usando calços de madeira, martelos e bicos de acetileno, um tempo em que a maior equipe da época, a Ferrari, não se inibia em mostrar que seu túnel de vento era pouco mais do que um ventilador industrial, dos pequenos.

As cores chapadas de McLaren e Sauber sugerem que, de repente, estamos voltando ao simples, depois de uma longa odisseia. Talvez esta seja a solução para os nossos problemas. Complicamos demais, a Fórmula 1, a política, o trabalho, os amores, a vida. Precisamos de cores simples, coisas simples, amores simples.

Mas acho que é só ilusão minha – mais uma.

Olhando os detalhes dos novos carros, vou percebendo uma incrível complexidade, mesmo para os padrões da Fórmula 1. Reparem na quantidade de aletas aerodinâmicas na asa dianteira, especialmente a da Ferrari, reparem nas incontáveis, literalmente incontáveis, ondulações, reentrâncias e recortes no piso dos carros e aparatos aerodinâmicos nas laterais, principalmente nas áreas imediatamente à frente e atrás da suspensão dianteira. Algumas destas traquitanas são explicitamente destinadas a aumentar a turbulência, de forma a dificultar a aproximação de perseguidores.

Há tempos escrevi uma coluna sobre isso. Nela me dedicava a uma tola tentativa de numerar quantos aparatos aerodinâmicas tinha um carro de Fórmula 1. Nos anos seguintes, quando surgiram aqueles tenebrosos candelabros (e vocês reclamam da estética pós-halo…), o regulamento impôs limitações mais severas a aparatos do tipo. Percebeu-se de imediato que a regra não poderia ser aplicada da forma como havia sido concebida e ela foi sendo diluída até que chegamos ao esquema presente.

Até onde pode ir a complexidade aerodinâmica dos carros?

Suponho, pelo que leio, que projetar um carro de Fórmula 1, hoje, não seja exatamente desenhá-lo, mas sim estabelecer parâmetros de dimensão, peso, pressão aerodinâmica e sei lá mais o que, alimentar computadores muito poderosos com estes parâmetros e deixar que eles busquem as formas mais adequadas para atender as diretrizes dos engenheiros. Como a capacidade de processamento dos computadores cresce a cada dia e os engenheiros acumulam mais e mais experiência no uso destas ferramentas, só posso imaginar que a complexidade dos projetos rume ao infinito.

A longa entrevista de Ross Brown a AutoSprint em meados de fevereiro me deixou chocado.

Aquele que pensei ser o mais racional entre os dirigentes da categoria recai nas mesmas ideias de Bernie Ecclestone: precisa haver controle de custos na categoria, de forma a torná-la menos previsível. De novo este papo, que contraria quase 70 anos de história, como se a Force India fosse mais importante que a Ferrari, a Williams que a Mercedes.

Este foi o primeiro choque. O segundo, maior até que o primeiro, foi ler que Brawn, exatamente como Bernie, não considera que o espetáculo seria sacrificado caso os carros se tornassem mais lentos. Brawn apela para um argumento especialmente idiota: sob chuva, os carros se tornam 15 segundos mais lento, mas ninguém acha a corrida menos interessante!

Ele ataca o regulamento de motores, em especial o MGU-H, o kers ligado ao turbo, que fez os custos dispararem, ainda que os fabricantes de motores não se queixem deles. Ele nega enfaticamente que o objetivo da Liberty Media seja transformar a Fórmula 1 numa Nascar, com carros idênticos, mas não se dá conta de que, ao insistir na questão da redução dos custos, empurra a Fórmula 1 nesta direção, a única capaz de impor um controle minimamente eficaz dos custos.

Animara a alguns a informação de Brawn: ele prometeu para breve a extinção do DRS, por considerar o óbvio: eles multiplicam as ultrapassagens, mas isso não significa muito para o desenrolar da corrida. Discordo dele também neste ponto: dada a configuração aerodinâmica dos carros e o fato de elas dificultarem a aproximação dos adversários, acho que o DSR é uma boa iniciativa. Mais alguém no mundo pensa como eu?

Brawn propõe ainda uma novidade legal, mas perigosa, para a temporada 2019: grids de largada com três carros lado a lado, seguidos por dois carros e assim por diante, como se fazia em alguns autódromos até os anos 80, creio eu. Digo perigoso porque este esquema de largada remontava a um tempo em que pretensões e ambições eram mais contidas do que hoje em dia.

Está absolutamente fora do meu alcance tecer qualquer comentário minimamente efetivo sobre os testes efetuados até o momento. Mercedes, Ferrari e RBR tiveram, cada uma a seu tempo, seu momento de gloria. A força de cada uma só pode ser avaliada por poucos observadores privilegiados, capazes de isolar e comparar alguns parâmetros – velocidade em retas e certas curvas ponderadas à quantidade de combustível e tipo de pneu usado, por exemplo.

Os resultados do campeonato 2018 estão sendo tecidos em computadores poderosos, muito distantes dos nossos olhos. E lembrem-se que o fato de Ferrari e RBR eventualmente começarem melhor a temporada do que a Mercedes pode não significar muita coisa. Foi o que se viu no ano passado, mas a competência e a grana dos alemães reverteram a desvantagem inicial.

Boa semana a todos

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

3 Comments

  1. Edu,
    Quanto ao DRS, me junto à você, só faria um pouco diferente. Ao invés do piloto só poder usar o aparato quando estiver 1s atrás do piloto da frente (muito complexo), os pilotos teriam um determinado número de vezes para o usar o DRS (muito mais simples).
    Na Era Turbo, os pilotos utilizavam a pressão do turbo para ultrapassar ou ganhar tempo. Nessa minha utopia, isso seria parecido, pois os pilotos poderiam ultrapassar ou ganhar tempo usando um aparato que pode usar quando o onde quiser.

  2. Fernando Marques disse:

    Edu,

    o regulamento precisa dar mais liberdade de criação aos projetistas e engenheiros da Formula 1. Hoje ele é muito restrito. A cada anos os carros estão mais parecidos entre si e cada vez mais feios. Foi-se ao lixo o DNA e Mclaren, Ferrari, Willians há muito tempo ….;
    Um regulamento mais flexível em todos os setores é o “X” da questão.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  3. Mauro Santana disse:

    Grande Edu!

    É sempre um prazer ler um texto seu!

    Na minha opinião, eu acho que a F1 deveria fazer o seguinte:

    Para a temporada de 2020, os carros deverão ser projetados sem o auxílio dos computadores, deixando fluir o talento dos engenheiros com papel e caneta, num regulamento cuja a única limitação fosse que os carros usem somente 4 rodas, nas medidas dos pneus atuais.

    Aí sim, iríamos poder ver uma F1 sortida, e mais barata.

    Mas como isso nunca mais irá acontecer, me resta apenas sonhar e imaginar como seria a F1 nestes padrões.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

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