Há mais de quatro anos*, quando se completavam 25 anos da morte de Stefan Bellof, escrevi o texto abaixo. Um dos personagens mais enigmáticos da história da F1, Bellof se tornou mais “amado” por quem não gosta de Ayrton Senna, dizendo que seria o alemão, e não o brasileiro, o verdadeiro merecedor das glórias e das histórias contadas a partir do GP de Mônaco de 1984.
Bellof merece ser melhor lembrado.
Em 1994, o futebol brasileiro tinha um gênio consolidado e grande esperança – confirmada – para a copa (Romário), mas tinha dois talentos, dois diamantes brutos esperando para serem lapidados: Dener Augusto de Sousa e Ronaldo Luís Nazário de Lima.
Dener era mais velho que Ronaldo, mas ambos se tornaram estrelas nacionais em 1993: Dener pela Portuguesa, e Ronaldo pelo Cruzeiro. O primeiro, encantou pela plástica de seus gols (que não foram muitos) e por dribles sensacionais, o outro, pela massiva quantidade de tentos e por arrancadas que não deixavam brecha para zagueiros.
Ronaldo – à época, Ronaldinho – iria à copa de 1994, depois virou “Il Fenomeno” na Itália, foi campeão mundial, três vezes escolhido o melhor do mundo e por um período seria o maior artilheiro das copas. Já Dener, segundo uma música da torcida do Vasco, era “a mistura de Garrincha com Pelé” . Mas um acidente em abril de 1994 impediu que isso se consumasse.
httpv://youtu.be/vcfOWHeNwWY
Dez anos antes, a Fórmula 1 viveu uma situação parecida: havia pilotos consolidados, mas dois jovens chamavam muita atenção: o brasileiro Ayrton Senna e o alemão Stefan Bellof.
Ambos estrearam na Fórmula 1 em 1984, e num mesmo dia entraram para a história: 03 de junho, em Monte Carlo. A história todos sabem: Senna largara em 13º e, entre abandonos e ultrapassagens, chegou ao segundo lugar, quando a prova foi interrompida. Bellof, que havia partido em 20º, era terceiro no momento da paralisação.
De alguma forma, tanto o brasileiro quanto o germânico ficaram marcados por esses desempenhos, mas sem terem um verdadeiro reconhecimento daquilo que realizaram: da parte de Senna, muitos preferem insistir na “teoria da conspiração” do que propriamente entender sua façanha ao passo que outros afirmam que ele fez naquele dia uma prova medíocre se comparada à do alemão.
Como dito, trata-se de uma injustiça para com ambos: não acredito que a prova tenha sido manipulada em favor de Prost, nem nos que dizem que “Bellof, sim, iria vencer, pois estava descontando a diferença, etc” .
Pelo menos um fato é ignorado para os que apontam a vitória de Ayrton como a coisa mais certa do mundo: John Walton, mecânico da Toleman, informou que a suspensão do carro de Ayrton não resistiria por muito mais voltas, pois estava seriamente danificada após toques na zebra pós-túnel.
Da mesma forma, alguns fatos são ignorados por aqueles que sugerem que Bellof estava “massacrando” Senna e que o iria ultrapassar “com certeza” : ao analisar a tabela de tempos volta a volta, muitos citam os giros 28 e 29 como prova cabal: na 28ª, ele foi 1s6 mais rápido que Ayrton, e na seguinte, foi 1s7 melhor.
Porém, nas duas posteriores, Senna equiparou seus tempos ao do adversário: na 30ª, Bellof foi apenas 0s051 mais rápido, e na 31ª superou Ayrton em 0s214. Importante: no momento da paralisação, Senna estava quase 14 segundos à frente do terceiro colocado. Dessa forma, podemos criar informações enviesadas ao bel-prazer: Bellof descontou 3,5s em 4 voltas ou apenas 0s265 em duas? Façam as contas, e multipliquem pelas voltas restantes.
Outro fator imprescindível: Senna marcou sua melhor volta no 24º giro: 1min54s334. 0s644 abaixo do melhor tempo do alemão (1min54s978). Para aqueles que querem dizer que Bellof era mais rápido, esse fator é esquecido e, inclusive, dizem que Senna só tem o registro da volta mais rápida por conta da desclassificação da Tyrrel (!).
Isso mesmo, não só de Mônaco, mas de toda a temporada, a Tyrrel foi excluída. Motivo: a gasolina estava adulterada e havia influência no peso do carro (muito mais leve). Tudo isso sem contar que a equipe usava motores aspirados, mais “dóceis” em situações como as daquele dia. Coisa que ele mostraria novamente em Portugal, 1985, em uma performance ainda mais vistosa que Monte Carlo.
Mas esqueçamos aquele GP de Mônaco: acredito que a maior injustiça cometida com relação a Bellof é justamente essa: lembrá-lo somente por essa corrida. Poucos sabem, ou lembram, de toda sua qualidade, de todos os seus feitos, e de todo o seu “porvir” .
Sem a menor dúvida ele é um daqueles casos clássicos em que as estatísticas conduzem a um “misleading” , como se diz no inglês. Já escrevi, em outra coluna, que Bellof “poderia ter sido tão grande quanto os quatro primeiros [Piquet, Prost, Senna, Mansell]” dos anos 80.
Dos importantes legados que deixou para o automobilismo, certamente um dos maiores foi o seu recorde no velho Nürburgring: em 1983, ele estabeleceu a volta mais rápida da história da lendária pista – 6min11s130 –, marca que não foi superada nem mesmo pelos F1, pois Nick Heidfeld esteve lá em 2007 e não conseguiu superar o tempo de seu compatriota.
httpv://youtu.be/TA2yYohW1Vs
Há muitas opiniões acerca do seu talento, e todas elas são sempre favoráveis. Gerhard Berger, por exemplo, afirmou que “Bellof era mesmo especial” e que acreditava que ele se tornaria “o grande rival de Senna” . Jochen Mass declarou que ele “tinha as qualidades de um campeão”. Ken Tyrrel, à época, chegou a afirmar que Bellof seria um “novo Jochen Rindt” (outro piloto formidável de quem a Fórmula 1 tirou a vida cedo).
Mas um depoimento definitivo parece ser o de Martin Brundle (eles foram companheiros de equipe nas temporadas de 1984 e 85), reproduzido pela AutoSport. Dentre as muitas coisas interessantes ditas, duas chamam atenção. Primeiro, seu comentário sobre o acidente que vitimou Bellof (em Spa, exatos 25 anos atrás).
Como se sabe, Stefan Bellof e Jacky Ickx correram juntos no mundial de marcas, pela Porsche, em 84. Apesar da notória performance do alemão, Ickx exigiu toda a atenção para si, o que motivou a saída de Bellof da equipe. Brundle diz: “sempre suspeitei, e não estou sozinho nisso, que ele queria fazer a ultrapassagem [sobre Ickx] à vista de todos no pitlane, o que geraria muitos comentários”.
Eis o acidente, visto da câmera do carro de Jacky Ickx:
httpv://youtu.be/2sP_F66NB6Q
Depois, e mais importante, vemos o julgamento de Brundle sobre o que Bellof poderia ter sido: “era absolutamente possível que ele se tornasse um dos grandes. Talvez não um Alain Prost, mas um Gilles Villeneuve. Eu definitivamente o vejo mais próximo de Villeneuve”.
Em outras palavras, Bellof poderia ser um tetracampeão mundial ou mais um piloto absurdamente veloz, sem título. Ninguém pode saber. E será que um dia Dener se consolidaria como um misto de “Garrincha e Pelé” ?
Abraços a todos.
*Coluna publicada originalmente em 01 de setembro de 2010.
3 Comments
Colegas do GPto
Imagine analisar os seguintes pilotos somente por um GP, sendo:
Alesi – EUA 1990
Beltoise – Monaco 1972
Truli – Monaco 2004
Johanson – Portugal 1989
Panis – Monaco 1996
Capeli – Suzuka 1988
Gugelmin/Hebert – Jacarépagua 1989
Barrichello – Alemanha 2000
A vida é feita de todos os dias e não somente um. Os campeões tem como grande característica a constância em sempre bom nível e poucos, raros momentos de pouca qualidade ou erros.
Talento por si só não ganha campeonato, assim como na vida do dia a dia existem muitos detalhes menores que não aparecem mas que decidem.
Excelente publicação. Este GP de Mônaco realmente é histórico, mas prefiro 1972 e 1982, por considera-los mais marcantes.
Uma boa semana a todos
Robinson Araujo
Cuiabá/MT
Show Amigo Marcel.
Essa coluna é muito show, li várias vezes, pois é sempre muito bom lembrarmos Stefan Bellof.
Você ainda tem o link desta entrevista do Brundle?!
Abraço!
Mauro Santana
Curitiba-Pr
Oi, Mauro.
Infelizmente, já não consigo mais encontrar — ou AutoSport proibiu para não-assinantes.
Abs!