Palcos Ilustres – Parte 1

Ombreando gigantes
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Cinco Dedos
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“Tempo que não existe mais em nós, mas continua a viver oculto num sabor, numa flor, numa árvore, num calçamento irregular ou nas torres de uma igreja etc.”

Em Busca do Tempo Perdido de Marcel Proust nos leva a diversas óticas em sua leitura, sem dúvida alguma seu maior tema é o tempo e a memória, que são explorados por Proust através de pequenos atos em que associações geram reminiscências, esse exercício é diferente para cada leitor, que vai tateando pelos diversos elementos que compoem a obra.

A única justificação que conta para traduzir um grande livro, como a única justificação que conta para ler um grande livro, é ser um grande livro, é simples assim.

Um tradutor pode traduzir um grande livro por muitos motivos, como aliás um leitor o pode ler por motivos muito diferentes. Mas no fundo só um irá contar como justificação: ter traduzido um livro porque era grande, ou tê-lo lido porque era importante.

Essa minha preleção é de uma leitura que fiz sobre o que nos move aqui no GP Total, tanto nós colunistas, como diversos de nossos leitores, muitas vezes isso produz as reminiscências que trazemos em nossas colunas

Tenho nostalgia? sim, mas não numa forma que me prenda ao passado, a nostalgia é saudável quando traz lembranças de um passado bem vivido e ajuda a entender o presente

Recentemente o Lewis Hamilton se manifestou contra uma possibilidade de mudança do GP da Espanha, está sendo aventado a mudança de Barcelona para Madri, o heptacampeão destacou que não acha saudavel a saída de alguns circuitos clássicos

Fantastico Lewis, eu também penso de forma semelhante

Aí veio a ideia de escrever sobre quais seriam os classicos dos classicos em termos de circuitos

E nomes que vem a mente: Monza, Monaco, Nurburgring, SPA- Francorchamps, Silverstone, Brands Hatch, Interlagos, Jarama e a lista ainda pode ser complementada por mais uma dezena de nomes

Pesquisando ao longo da história desde os anos 50, encontramos três pistas como Palcos ilustres, são elas, Monza, Silverstone e SPA-Francorchamps

A razão é baseada na combinação de dois fatores o primeiro é nostálgico, e o segundo é que esses circuitos foram palcos de vitórias de Juan Manuel Fangio, Jim Clark e Ayrton Senna, juntos eles somam 23 vitórias nessas pistas lendárias

Vamos relembrar um pouco da história de cada um desses circuitos

 

1.Monza

 

Um verdadeiro teatro do automobilismo, construído há 100 anos, exala caráter, tradição e paixão, e com forte identidade por parte dos torcedores italianos que o consideram a casa da Ferrari

O Autódromo de Monza foi motivo de manchetes desde a idealização de tornar o parque de Monza um local para a construção de uma pista de corridas, a indústria italiana de automóveis capitaneou a ideia com o propósito de ter um local adequado, fechado e permanente para demonstrar a qualidade de seus automóveis, para tal foi escolhido um parque adjacente à Villa real na cidade de Monza como esse local. As obras tiveram início em 26 de fevereiro de 1922, e foi motivo imediato de protestos movido por ambientalistas, contrários a derrubada de parte do parque, após o contorno e o fim dos protestos, com ajustes do plano inicial, a prefeitura de Milão aprovou e cerca de 3.000 trabalhadores levaram a obra a todo o vapor

O esforço acelerado levou a conclusão e tornaria o modelo do circuito uma excitante combinação de estrada e pista inclinada medindo quase 10 km e incorporando imponentes arquibancadas, boxes e uma rede de estradas de serviço, então uma grande novidade para um circuito de corrida.

Em 10 de setembro de 1922, 100.000 espectadores assistiram ao primeiro Grande Prêmio da Itália em Monza.  O futuro parecia garantido, mas a natureza plana da pista, embora se tornasse a assinatura de Monza, trouxe altas velocidades como uma marca e junto traria tragédias e problemas ao longo dos anos.  Quando três pilotos foram mortos em 1933, os organizadores foram forçados a abandonar a combinação original de inclinação.

Vários layouts foram usados ​​até 1955, quando uma remodelação da pista trouxe de volta o anel inclinado, e com ele as controvérsias.  A superfície áspera e as altas velocidades afetariam os carros, até 1960 a discussão estava na mesa, os organizadores não recuaram e a corrida foi disputada com a versão completa, vale o registro que a corrida de 1960 com o uso do anel inclinado teve vitória da Ferrari e a última de um carro de F1 com motor dianteiro.

A pressão aumentou em 1961, quando um acidente levou à morte de Wolfgang von Trips e 15 espectadores depois que a Ferrari do alemão decolou.  Embora o acidente não tenha ocorrido no anel inclinado, ele enfatizou as altas velocidades de Monza e levou à aceitação permanente do circuito rodoviário mais curto em forma de pistola, que forma a base do que vemos até hoje

Mesmo com as mudanças Monza permaneceu com a característica das altas velocidades e nos anos 70 houve introdução de chicanes nas longas retas, principalmente depois que Peter Gethin venceu o Grande Prêmio da Itália de 1971 com velocidade média superior a 241 km/h, lembrando que ele cruzou a bandeirada com mais 4 quatro carros disputando a vitória.

Ao longo dos anos a pista continua atraindo nosso imaginário, teve corridas memoráveis, tragédias e situações inusitadas, uma pista plana, veloz e que mantém um senso de tradição que torna o automobilismo em Monza uma experiência verdadeiramente memorável.

Outros circuitos chegam perto, mas nenhum pode se igualar à atmosfera altamente carregada do Autódromo Nazionale di Monza em uma tarde de guerra em setembro, especialmente se a Ferrari e seus pilotos estiverem no páreo.

 

2.SPA-Francorchamps

 

Idealizado por Um grupo de entusiastas do automobilismo, que tiveram a ideia de realizar uma corrida ao longo de uma série de estradas que ligam as aldeias de Francorchamps, Malmédy e Stavelot.  A cidade de Spa não fazia parte do circuito em si, mas o clube organizador estava sediado lá.  Uma vez que Francorchamps era o mais próximo do local dos boxes propostos, o nome Spa Francorchamps foi adotado quando um Grande Prêmio de motocicletas foi realizado em 1921, seguido por um evento de carros de turismo em 1924 e carros de corrida um ano depois.

O desenho original tinha uma forma aproximadamente triangular e pouco mais de 14,5 km de extensão, subindo e descendo de forma vertiginosa ao longo de sinuosas estradas públicas alinhadas em ambos os lados de um vale, isso fez com que os pilotos da época ficassem motivados a desafiar o perigo e domar aquelas retas e curvas desafiadoras, diferente de Monza a variação topográfica de SPA-Francorchamps faz parte de seu charme, também é lugar de altas velocidades.

Além dos perigos e dos desafios da pista, o elemento climático também faz parte das corridas em Spa, que muitas vezes foram sublinhados por fatalidades e como consequências das pancadas de chuva que atingiram esta região das Ardenas.

No Grande Prêmio da Bélgica de 1939, Richard Seaman perdeu o controle enquanto liderava em uma pista úmida, seu Mercedes-Benz se chocou contra uma árvore e pegou fogo. O inglês de 26 anos morreu devido às queimaduras naquela noite.

Nos anos 40 foi considerado um milagre quando ninguém se feriu mortalmente depois que vários carros bateram na primeira volta de um Grande Prêmio, marcado pela primeira metade da pista seca e a segunda inundada por uma chuva torrencial, essa cena se repetiu na versão de 1998, numa batida com visão plástica de vários carros batendo, em poucos segundos uma quantidade absurda de carros destruídos só que num nível de segurança bem distinto dos anos 40.

Considerado muito perigoso com velocidade média em torno de 257,5 km/h nos anos 60, modificações foram sendo incorporadas que incluiu negociar o gancho na La Source.

SPA-Francorchamps em sua forma original foi usado pela última vez para o Grande Prêmio em 1970.

O circuito foi abandonado e o GP da Bélgica transferido para Zolder, até que em 1983 uma pista de SPA remodelada com uma modernização de primeira linha o traz de volta ao campeonato de Fórmula 1, o circuito foi praticamente cortado ao meio por uma ligação habilmente feita para unir a topografia entre a Les Combes e parte da Blanchimont, com alterações a passagem por Malmédy e em direção a Stavelot ficaram preservadas em sua boa parte, novas curvas e ligações foram adicionados, mas, significativamente, nenhum desafio do circuito original e sua atmosfera foram perdidos.

SPA-Francorchamps continua sendo um local clássico em uma era de chegada das corridas em circuitos modernos e em muitos casos suntuosos, continua sendo um circuito que realmente desafia e satisfaz os pilotos e encanta os espectadores.

 

3.Silverstone

 

Conhecida também como a casa do Automobilismo Britânico, Silverstone foi o palco da corrida inaugural do recém-criado campeonato mundial de Fórmula 1 em 13 de maio de 1950, a pista onde foi disputada a primeira rodada era um antigo aeródromo, foi adaptado e é conhecido como o circuito mais respeitado no calendário da F1.

Silverstone foi construído em 1943 com o objetivo de treinar tripulações de bombardeiros em tempo de guerra.  Quando o aeródromo se tornou redundante no final da Segunda Guerra Mundial e os entusiastas do automobilismo britânico procuravam um local adequado para retomar as corridas, as pistas abandonadas e a estrada perimetral foram uma escolha óbvia.

Depois de sediar duas corridas internacionais em 1948 e 1949. Silverstone foi escolhido como o local para a primeira rodada do recém-criado Campeonato Mundial de F1 em maio de 1950. As pistas foram substituídas em favor da estrada perimetral, tornando Silverstone uma pista de alta velocidade com uma média de volta mais rápida de 151,3 km/h

Uma curiosidade sobre a pista, em sua inauguração suas curvas foram batizadas com nomes em referência a marcos locais e locais escolhidos pelo RAC- Royal Automobile Club, organizador dos primeiros Grandes Prêmios: temos a Stowe, em referência a Stowe School, que fica ao sul do circuito;  Curva do Hangar passando por dois grandes hangares de aeronaves, já demolidos;  Becketts and Chapel , que ficam ao lado da antiga capela de St Thomas á Becket e a Club e a Woodcote, que fica depois das instalações do RAC em Pall Mall e Surrey em Londres.

Silverstone continuou a sediar o Grande Prêmio da Inglaterra, ocasionalmente alternando com Aintree e, em 1964, um novo local em Brands Hatch.

Até os anos 70 o traçado pouco mudou, em 1973 Ronnie Peterson correndo de Lotus estabeleceu a volta mais rápida com uma média 217,3 km/h, uma chicane foi introduzida em 1975 na Woodcote, anteriormente uma curva para a direita pouco antes dos boxes.

A chicane fez seu trabalho por vários anos, mas outras mudanças precisaram ser feitas no interesse da segurança, quando a Williams-Honda turbo de Keke Rosberg conquistou a pole para o Grande Prêmio da Inglaterra de 1985 a uma média de 257,5 km / h. O aumento dos padrões de segurança e de conforto nos boxes em todo o mundo significou que Silverstone precisou se adaptar aos novos tempos e a parte dos boxes foram substituídas em 1988. Para 1992, grandes revisões alteraram o layout da pista e mantiveram o caráter essencial com uma sequência de alta velocidade de curvas em Becketts.

Mais recentemente uma reformulação substancial do layout da pista e boxes ocorreu em 2011 mantendo o traçado com uma extensão de 5,79 km e a adição do moderno centro de boxes.

A forma de Silverstone pode ter mudado ao longo de 60 anos, mas o desafio e a atmosfera única associada a uma das maiores pistas de corrida do mundo permaneceram.

Ocasionalmente os dirigentes da Fórmula 1 ameaçam retirar o circuito do campeonato, até agora ficou em bravatas e esperamos que continue dessa forma

O clima desses três circuitos permanece, as declarações dos muitos pilotos, fãs, entusiastas mundo afora mantém uma ligação entre o passado e o presente, um passado de glórias e um futuro promissor

Na próxima coluna no dia 29/06 vamos resgatar as 23 vitórias que Fangio, Clark e Senna obtiveram nesses três circuitos

 

Até lá

 

Mário

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

2 Comments

  1. wladimir disse:

    Grande texto, Mário!
    Só tenho ressalva quanto a Nurburgring e Interlagos: Este super kartódromo que fizeram é uma farsa. O único e verdadeiro circuito é o Nordschleiff. Assim como Interlagos foi mutilado e descaracterizado quando o traçado original poderia muito bem ser mantido. Monza, Silverstone, Brands Hatch, Spa-Francochamps(também mutilado mas manteve a essência) e Jarama(que apesar de curto trouxe muitas corridas emocionantes) foram preservados. Se Watkins Glen pode receber a Nascar, por que não tem mais lugar na F1 com as devidas reformas e alterações?

  2. Fernando Marques disse:

    Mario,

    a cada ano que passa as suas colunas ficam mais sensacionais.
    “Palco Ilustres” … esse tema é incrivelmente bacana … e começar falando de Monza, SPA e Silverstone é mais que justo e merecido … esses três circuitos (detalhe todos de alta velocidade) na minha visão são as verdadeiras almas do automobilismo mundial.
    Para quem gosta e acompanha a Formula 1 desde 1970 nada melhor que, como bom saudosista que também sou, vir as lembranças das grandes corridas que tive o privilégio de poder assistir … e aquela corrida em Monza 1971 é para mim o ápice de tudo .

    Não sei se está na sua play list … gosto muito do traçado de Suzuka e da antiga Honckenheim … (…”Monza, Monaco, Nurburgring, SPA- Francorchamps, Silverstone, Brands Hatch, Interlagos, Jarama e a lista ainda pode ser complementada por mais uma dezena de nomes” …) está aí minha dica …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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