Piquet e a Brabham mudam o jogo

Quanto mais longe, melhor
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Elis&Tom
19/10/2023

Nota dos editores: Essa coluna foi publicada originalmente em outubro de 2015

Foi em 17 de outubro de 1981, na primeira edição do GP de Las Vegas que veio a conquista do primeiro título de Nelson Piquet, na terça-feira completando 42 anos (atualizando para 2023).

Lembro de ter assistido a corrida e de todas as emoções que aconteceram naquela data e como foi suada e emocionante a corrida em Las Vegas. Toda uma dose de suspense e emoção tomaram conta dos que, como eu, tiveram a oportunidade de acompanhar, naquele ano, uma das conquistas de títulos mundiais mais difíceis.

Em 1981, olhando para trás, tanto a trajetória de Piquet como a da equipe Brabham não apontavam que um título mundial seria algo a ser esperado, ao menos num espaço de tempo tão curto.

Em setembro de 1979, após 4 anos de parceria, infelizmente malsucedida em termos de resultados, a equipe Brabham e a Alfa-Romeo anunciam o rompimento de seu acordo operacional no fornecimento de motores por parte dos italianos. Foram anos improdutivos para ambas as partes; juntos eles realizaram 62 corridas conquistando apenas duas vitórias, ambas em 1978, em circunstâncias consideradas fora do padrão competitivo. A primeira foi na Suécia com o famoso “carro-ventilador” declarado ilegal para as próximas corridas, e a segunda e última na Itália, em um conturbado GP após o acidente na largada que culminou com a morte de Ronnie Peterson.

Bernie Ecclestone e Gordon Murray resolvem voltar ao velho e confiável Ford-Cosworth, como um tampão provisório, enquanto a velha raposa iria em busca de outro fornecedor mais competitivo. No GP do Canadá, eles aparecem com 3 Brabham BT49 novinhos; Gordon Murray levou apenas seis semanas entre a decisão de romper com a Alfa e a construção desse modelo.

Foi um feito e tanto do projetista sul-africano, que declarou na época: “Foi como estar em férias, me diverti muito com esse desafio. Como o motor Ford é mais compacto que o Alfa, pude integrar melhor o motor ao chassi, utilizando uma maior combinação de materiais em alumínio e fibra de carbono e fazer um aprimoramento aerodinâmico mais refinado para uso do efeito-solo”.

Em 30 de setembro, a Brabham chega ao GP do Canadá com seus carros ainda pintados de vermelho (a lembrar que a Brabham foi do branco para o vermelho ‘italiano’ justamente quando assinou com a Alfa-Romeo), mas já modificados e preparados.

Na sexta-feira vem a notícia que pega todos de surpresa, inclusive os membros da Brabham: Niki Lauda anuncia após o primeiro treino que vai parar de correr. Estava cansado de “correr em círculos” foi sua justificativa, e em seguida pegou um avião e foi embora. O inexperiente Nelson Piquet, que era o segundo piloto, de repente é alçado à condição de primeiro piloto. Para muitos do paddock, tal qual o motor, o brasileiro também foi colocado como um tampão, ainda mais que vão buscar o desconhecido piloto Ricardo Zunino para substituir Lauda.

Na corrida, Piquet surpreende. O novo carro se mostra bastante competitivo e ele anda em terceiro por quase 50 voltas, quando seu câmbio acaba falhando e o obriga a abandonar.

Na corrida seguinte, em Watkins Glen, Piquet se classifica na segunda posição. Uma má escolha de pneus na hora da largada – havia chovido bastante e diferente de todos os pilotos, ele larga com pneus slick- o faz cair para as últimas posições. Ele percorre várias voltas até entrar nos boxes para trocar por pneus corretos. Mas isso não importa tanto, já dava para perceber que a temporada de 1980 seria bem diferente para a Brabham e seu novo primeiro piloto.

No primeiro GP de 1980, na Argentina, Piquet é segundo, atrás apenas de Jones, o franco favorito daquela temporada com sua Williams FW07.

No quarto GP do ano, em Long Beach, com um carro cada vez mais aperfeiçoado por Gordon Murray – dessa vez o câmbio foi substituído por uma caixa transversal Weismann o que permitiu modificar a traseira do carro deixando ela ainda mais limpa – Piquet foi perfeito; conquistou a pole e numa largada limpa e fulminante liderou todas as voltas, para assim conquistar sua primeira vitória na categoria.

Durante o restante da temporada de 1980, Piquet conquistou mais duas vitórias, Holanda e Italia – na única edição do GP italiano não disputado em Monza, mas sim em Imola – mas o ano seria de Jones e sua favorita Williams. Piquet manteve-se na disputa do título até o Canadá, mesmo palco de tantas modificações no ano anterior. Era a penúltima prova do ano. Piquet e Jones e se tocam na largada e o brasileiro quebra seu carro no muro. Na segunda largada, Piquet pega o carro reserva que, no entanto, estava com motor de treino, envenenado, sem preparação para a distância da corrida. Ele dispara na liderança apenas para inevitavelmente quebrar nas voltas seguintes. Assim, o australiano confirmava o favoritismo e levava o título de 1980 – diga-se passagem, de modo merecido.

Para 1981, Murray estava decidido a fazer o melhor para Piquet, agora considerado um piloto de primeira linha e sério candidato a disputar o título daquele ano.

A temporada de 1981 foi também marcada por muitas disputas de bastidores. Na verdade, desde 1980 havia uma briga pelo poder entre a FOCA (Bernie Ecclestone) e a FISA (Jean-Marie Belestre) por conta das mudanças do regulamento técnico que a entidade esportiva havia sancionado. As equipes lideradas pela FOCA argumentavam ter gasto muito dinheiro no desenvolvimento de carros com efeito-solo, enquanto a FISA aludia a questão da segurança como argumento para retirar e banir esse efeito. A entidade esportiva ganhou a queda de braço, e os carros seriam obrigados a retirar as saias moveis, ficando a 6 centímetros do solo.

Com pouco tempo para mexer e modificar o carro, a ideia inicial de Murray ao ler minuciosamente o novo regulamento seria a de que todos usariam molas macias – para deixar a força vertical empurrar o carro até próximo ao solo, dando às novas saias fixas a possibilidade de refazer o efeito-solo. Murray tinha tanta certeza de que todos pensariam igual que declarou na ocasião: “Escolhemos modelos de molas que podiam guardar a energia num reservatório central através de pistões hidráulicos. Escolhendo o tamanho correto dos orifícios, o fluido poderia voltar para cilindros acoplados à suspensão e levantar o carro quando ele estivesse parado”. Segundo ele, essa brecha no regulamento era muito óbvia, mas diferente do que pensou, ninguém no paddock sequer havia cogitado tal possibilidade.

Nas duas primeiras provas, o sistema não gerou frutos, com Piquet conseguindo apenas um terceiro lugar na prova de abertura, em Long Beach, enquanto que a Williams vencia essas duas provas. Mas um racha se estabelece na Williams pela briga entre Jones e Reutemann no episódio da não entrega de posição no GP Brasil pelo argentino.

Nas duas provas seguintes, Argentina e Imola, Murray aperfeiçoa o sistema. Para a prova argentina, o sistema é batizado de Mark II, ainda apresentando pequena deficiência na saída de curvas lentas – em curvas rápidas, o sistema compensa e recupera bastante tempo. Piquet vence a prova com bastante propriedade. Na prova seguinte, em Imola, o sistema é o Mark III, que traz ainda mais refinamentos e já é bem mais confiável em durabilidade. Os inspetores aprovam o sistema, mas rejeitam o material das saias, obrigando a Brabham a substituir as saias por outras com material mais rígido, o que no fim não faz diferença, já que Piquet volta a vencer.

Nas três provas seguintes, Bélgica, Mônaco e Espanha, Piquet abandona por acidentes o que faz com que ele perca pontos importantes, principalmente em Mônaco onde liderava com bastante folga até bater ao ser atrapalhado por Patrick Tambay, que era retardatário.

Para o GP da França, a Brabham volta a utilizar a Goodyear como fornecedora de pneus, abandonando a Michelin. Só que o fabricante americano volta defasado em relação aos franceses, o que faz com que Piquet termine em terceiro. Na prova seguinte, em Silverstone, ele sofre um acidente quando um pneu estoura. Enquanto isso, Carlos Reutemann acumulava pontos importantes e estava liderando o campeonato, a despeito do clima hostil que ele enfrentava nos boxes de sua equipe.

A partir do GP da Alemanha, que marcava o início da segunda metade do campeonato, a sorte volta a sorrir para Piquet; ele vence essa corrida, vendo seus dois adversários na briga do campeonato abandonarem. A partir dela, Piquet vai marcar pontos em todas as provas até o final da temporada, enquanto que Reutemann só marca pontos em duas das sete provas.

A decisão do título é levada para a última prova, disputada em Las Vegas, no estacionamento do Caesars Palace Hotel. Sobre essa prova, muito já debatemos aqui no GPTo e relembrá-la sempre merece um capítulo à parte. Como sabemos, Piquet levou a melhor e ficou com o título de 1981, em sua terceira temporada completa na F1.

Avaliando esse campeonato, dá para ratificar o conceito da bela coluna que Márcio Madeira escreveu sobre o chamado “Plano B” (https://gptotal.com.br/plano-b/) semana passada. Piquet foi, dos postulantes ao título, o piloto que mais marcou pontos nas provas disputadas, ficando na zona de pontos em 10 das 15 provas; Reutemann marcou em 9 provas, Jones em 8, Laffite em 9 e Prost em 6.

O campeonato de 1981 foi muito regular e disputado em termos de números: 7 pilotos venceram corridas, Piquet e Prost foram os que alcançaram maior número tendo ambos vencido 3 GPs cada; 7 pilotos conquistaram poles; 11 diferentes pilotos estiveram presentes em pódios; 10 pilotos lideraram provas – números que reforçam a tese de uma temporada muito equilibrada e que coroou quem soube enxergar melhor cada GP como um caminho para pavimentar o caminho ao título.

Ainda hoje é muito debatido, nas rodas mais calorosas entre torcedores, que Piquet levou esse campeonato por conta da briga que assolou a Williams e seus dois pilotos.

À luz de alguns dados estatísticos e de uma análise mais refinada, dá para defender que a inteligência e visão de corrida de Nelson já era uma boa arma para ele ser um adversário sempre a ser temido e considerado, sendo a conquista do título de 1981 um merecido mérito pelo uso correto dessas armas.

Boa semana!

Mário Salustiano

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

9 Comments

  1. wladimir disse:

    Olá, Mário.
    Excelente artigo que leio e releio desde a primeira publicação. Sobre o debate do mérito do título de Piquet ser por conta da briga interna na Williams tenho a dizer: Nosso primeiro tricampeão seria um tolo de não se aproveitar da instabilidade dentro da equipe rival para conquistar o campeonato de 1981. Curiosamente Piquet, por uma série de fatores já expostos aqui no GPtotal, caiu na mesma armadilha que Reutemann em 1986 e o título ficou com Alain Prost. Onze anos depois Ron Dennis caiu na mesma armadilha e o título ficou com Kimi “iceman” Raikkonen. Outra crítica a Piquet foi ele confiar em Frank Williams e não elaborar um contrato que o garantisse e neutralizasse Nigel Mansell em caso de uma eventualidade(como se deu com o acidente que quase matou Frank e o deixou tetraplégico).

  2. Geraldo Flávio Chaves disse:

    Muito Bom, aqui no GP Total , os colunistas lembrarem dos 40 anos do Bi, e os 42 anos do Primeiro Campeonato!
    Tenho observado outros sites , blogs,ninguém faz referência nenhuma ao Piquet!
    Parabéns aos nossos colunistas !

    • Mário Salustiano disse:

      olá Geraldo,

      obrigado pelo comentário e elogios, como fã e tendo acompanhado esses acontecimentos na época te confesso que é difícil esquecer, foram muitas emoções como diz a música..rs

      escreva sempre, bom termos leitores e fãs por aqui

      abraços

      Mário Salustiano

  3. Rafael Friedrich Rudolf Brandão Manz disse:

    Acompanho automobilismo desde os tempos do Rato na fórmula três via revistas e agora mais este presente de meus escribas. Parabéns a todos e excelente semana, Vida longa e próspera a todos.

    • Mário Salustiano disse:

      Rafael bom ter você aqui comentando

      somos da mesma geração..rs, comecei na mesma época, sempre é bom encontrar leitores e fãs da minha geração , vida longa e prospera para nós

      grande abraço

  4. Fernando Marques disse:

    Mario

    sempre lembro também que nessa época, a TV Globo julgou que depois de Emerson Fittipaldi dificilmente um brasileiro se sagraria campeão na Formula 1. E se não estiver enganado não transmitiu o campeonato de 1981 … quem transmitiu foi a Band.
    Eu vibrei muito com este título … foi a confirmação daquilo que parecia pra mim ser um caminho natural pro Piquet depois do que ele fez na Super V (aqui no Brasil) e na Formula 3 na Inglaterra …
    Estou achando sensacional o GP Total homenagear as conquistas do Piquet e como o tempo passa e a gente não percebe … 42 anos do primeiro titulo e 40 do Bi …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Mário Salustiano disse:

      olá Fernando

      Sempre bom ler seus comentários, pautado por conhecimento e boas lembranças, sim lembro bem dessa fase onde ninguém apostaria numa nova conquista de títulos por brasileiros, e interessante a partir dessa conquista de Nelson viriam nas dez temporadas seguintes mais 5 títulos, me permita lembrar que em 1981 a Globo retomou as transmissões da Fórmula 1, naquele ano o locutor era o saudoso Luciano do Vale, Galvão Bueno assumiria esse papel na Globo em 1982

      grande abraço

      • Fernando marques disse:

        Mário,

        Somos da mesma geração e minhas lembranças já não são as mesmas. Hehehehehe.

        Fernando Marques

        • Mário Salustiano disse:

          Fernando você é um bom amigo e fã, obrigado por acompanhar nosso trabalho

          abraços

          Mário Salustiano

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