Os xeiques do emirado de Abu Dhabi desembolsaram 400 milhões de euros em 2009 para construir o circuito de Yas Marina e receber a F1. Primeiro foi canalizado um rio para que ao lado de um nababesco hotel cinco estrelas recém-construído, que receberia todo o circo da F1, fosse criada uma marina, para tentar dar um charme parecido com Mônaco. Os iates ficam ancorados ao lado da pista como em Monte Carlo, mas essa é a única semelhança entre Yas Marina e a pista de rua no principado.
O autódromo que fica a poucos quilômetros de Abu Dhabi pode ser o mais caro do mundo, mas o dinheiro dos árabes não conseguiu comprar a alma e o coração que poucas pistas no mundo têm. Comparar com pistas icônicas é até covardia, mas falta a Yas Marina o caráter da pista de rua de Cingapura, que foi inaugurada dois anos antes. Duas retas enormes, seccionadas por grampos e chicanes sem fim fazem de Abu Dhabi a pista mais sem graça do calendário da F1. Já que os xeiques também fazem questão de pagar caro para receber o encerramento da temporada, está passando da hora de alguém sinalizar aos administradores do autódromo para realizar mudanças urgentes no traçado insosso que deixa entediados fãs e pilotos.
As onze edições do Grande Prêmio de Abu Dhabi sempre pareceram ruins e a edição 2019 não foi exceção. Foi uma corrida arrastada e que mesmo contabilizando várias ultrapassagens, não emocionou ninguém. Não deixa de ser um grande anticlímax de uma temporada que, como falou bem na última sexta-feira o Flaviz, foi uma das melhores dos últimos anos. Mesmo com a Mercedes vencendo pela sexta vez consecutiva e Hamilton tendo garantido o hexacampeonato com duas provas de antecedência, houve várias corridas excelentes, muita polêmica e várias histórias para contar. Pena que a última impressão que ficará será uma corrida horrorosa e sem sal como a de hoje.
Claro que Lewis Hamilton não tem nada com isso e venceu hoje com direitos a mais alguns recordes para guardar em sua já vasta poupança. O inglês garantiu o sexto Grand-Chelem (pole, vitória, volta mais rápida e todas as voltas lideradas), se aproximando de Jim Clark, além de ter empatado com seu ídolo Ayrton Senna em vitórias de ponta a ponta, mas essa história eu deixo para o Marcel Pilatti contar nesta semana. O que chamou a atenção foi sua melhor volta. Lewis Hamilton estava com pneus desgastados, com mais de 12s de vantagem sobre o segundo colocado Max Verstappen, mas bateu o recorde da pista de Abu Dhabi já nas voltas finais, além de meter meio segundo em Bottas e 1s no primeiro carro não-Mercedes. Hamilton deu um aviso claro. Por mais que ele respeite os jovens que estão chegando à F1, Lewis Hamilton está nesse momento em outro patamar.
Por sinal, foram justamente as jovens estrelas que levantou as sobrancelhas de quem acompanhou as sofríveis 55 voltas da prova de hoje. Usando a força do motor Ferrari Charles Leclerc ultrapassou Max Verstappen na primeira volta e seguiu de longe Lewis Hamilton no primeiro stint. Como a Ferrari não trata muito bem os pneus Pirelli, o monegasco parou mais cedo, deixando Max Verstappen em segundo. Quando o holandês fez sua única parada e voltou em terceiro, ele rapidamente se aproximou de Leclerc e numa ultrapassagem agressiva, retomou a segunda posição e com o mesmo ímpeto, segurou o ferrarista quando este tentou dar o troco. Com o segundo lugar Verstappen garantiu o terceiro lugar no Mundial de Pilotos, enquanto a Ferrari amargou um ano esquecível, com vários problemas de gestão a resolver se quiser enfrentar o poderio da Mercedes em 2020. Bottas fez uma protocolar corrida de recuperação rumo ao quarto lugar, quase beliscando o pódio quando os pneus macios de Leclerc acabaram nas voltas finais. Segundo Bottas, ele tem um plano para derrotar Lewis Hamilton ano que vem. Bom, conseguir 22 sequestros num ano é meio complicado…
Carlos Sainz coroou seu ótimo ano pela McLaren com um sexto lugar no Mundial de Pilotos, um verdadeiro feito lembrando o abismo que existe entre as equipes top-3 e o resto. Um ano atrás Alonso se despedia da F1 e da McLaren em baixa, mas a saída do espanhol pareceu fazer bem a McLaren. O clima dentro da equipe de Zak Brown é outro e bem melhor. O novato Lando Norris se emocionou na despedida do seu engenheiro ao final da corrida de hoje.
Falando em despedidas, como em toda corrida derradeira, a F1 sempre se despede de alguém e no caso de 2019, dois pilotos que marcaram a última década por não terem entregado o que deles prometiam. Dez anos atrás Nico Hulkenberg conquistava a GP2 e subia a F1 com a fama de novo Schumacher, até mesmo porque o alemão era empresariado por Willi Weber, que por anos também foi representante de Schumacher. Contemporâneo de Sebastian Vettel nas categorias de base alemãs, Hulk era tido como tão talentoso como Seb, mas a falta de oportunidade de Hulkenberg em equipes grandes nunca fará possível uma comparação justa com seu conterrâneo. Hulkenberg sempre pilotou por equipes médias e mesmo bem conceituado, o alemão nunca chamou verdadeiramente a atenção de nenhuma equipe de ponta. Mesmo vencendo as 24 Horas de Le Mans em 2015, Hulkenberg sairá da F1 sem nunca ter mostrado seu potencial e ficará mais conhecido pelo folclore da F1 por nunca ter subido ao pódio.
Já Kubica teve a desculpa do seu terrível acidente de rali em 2011 para não entregar o que dele se esperava. Olhando unicamente os números passa a sensação que o retorno de Kubica a F1 depois de oito anos de fora foi um verdadeiro fracasso, onde o polaco tomou sonoros 21×0 para o seu jovem companheiro de equipe George Russell na Williams e andou a maior parte do tempo em último. Porém, basta olhar o estado do braço direito de Kubica para perceber que o polonês ter participado de forma digna de toda a temporada já tinha sido um feito e tanto, sem contar que foi Kubica, não Russell, que marcou o único ponto da decadente Williams.
Hoje foi a primeira corrida após a repentina saída de Reginaldo Leme da Rede Globo. No nosso já afamado grupo de Whatsapp, muitas vezes lamentamos algumas falhas de Reginaldo nos últimos tempos quando este resolvia contar uma história usando unicamente a memória. Afinal, Reginaldo Leme é uma bandeira para todos nós que acompanhamos a F1, sejamos jornalistas ou não. E perceber um equívoco de Reginaldo Leme chegava a ser uma heresia para uma pessoa tão importante!
Foram mais de quarenta anos na Rede Globo e por isso que foi extremamente lamentável que durante a transmissão da corrida, além dos treinos, Reginaldo Leme sequer fosse citado. Por mais que isso fosse até esperado pela forma como Reginaldo saiu da Globo, não deixa de ser lamentável!
Foi uma corrida sem graça que ocorreu num palco indigno para uma temporada tão legal como essa de 2019. Essa também é minha última coluna de 2019 e para todos que acompanham o GPTotal, meus sinceros votos de Feliz Natal e que 2020 seja de muita paz, saúde e sucesso para todos nós!
Até 2020!
João Carlos Viana
2 Comments
JC Viana,
até concordo que a pista de Yas Marina é sem graça … mas a corrida em si para mim foi boa de se ver … obvio que ninguém viu o L. Hamilton que disparou na frente (parecendo até o Mengão no Campeonato Brasileiro deste ano) … mas a partir do vice líder a corrida foi movimentada … fora isso creio que seria impossível, mesmo sendo em Yas Marina, a Formula 1 nos apresentar uma corrida tão chata e enfadonha como foi o GP da França … até por isso então, já que ela seria a principal favorita a corrida mais chata do ano. fazer por merecer alguns créditos a mais neste sentido …
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Quanto ao Reginaldo Leme, assino embaixo o que voce disse …
e fica aqui uma sugestão pro GEPETO … convoquem o Reginaldo Leme para fazer parte do time de colunistas do melhor site de automobilismo do Mundo …
Fernando Marques
Niterói RJ