Por 1,5 kg…

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George Russell havia feito a corrida da sua vida em Spa. Não apenas pelo desempenho brilhante na pista, como também pela ótima visão de corrida dentro do cockpit, dando feedbacks aos engenheiros nos pits que se tornaram essenciais para que o inglês cruzasse a linha de chegada em primeiro após executar uma estratégia arriscada e certeira, logo à frente do seu companheiro de equipe Lewis Hamilton, consolidando uma dobradinha da Mercedes, algo que não acontecia fazia quase dois anos. Mas por 1,5 kg, George Russell viu todo esse quadro desmoronar, se tornando o primeiro piloto a perder uma vitória por desclassificação desde Michael Schumacher trinta anos atrás, na mesma Spa, mas por motivos diferentes.

Uma pena que uma corrida tão boa tenha terminado num frio escritório da FIA, com a desclassificação do grande piloto do dia. Menos mal para a Mercedes que Hamilton herdou o triunfo, ganhando pela 105º vez na sua carreira na F1, a segunda em três corridas, consolidando o crescimento da Mercedes nesse equilibrado cenário atual da F1. Contando com o desclassificado George Russell, os seis primeiros colocados, de quatro equipes diferentes, receberam a bandeirada separados por 10s.

O circuito de Spa-Francorchamps teve parte do seu asfalto recapeado, fazendo com que as equipes só falassem sobre um assunto após os treinos livres de sexta-feira: o desgaste de pneus. Mesmo com a esperada chuva aparecendo no sábado, todos os pilotos falavam apenas de pneus para a corrida e havia uma certeza: todos fariam a estratégia de duas paradas.

A chuva já tinha causado algumas surpresas no sábado com a pole de Charles Leclerc, com o ameaçado Sergio Pérez completando a primeira fila. Mesmo com a nacionalidade neerlandesa, Max Verstappen nasceu na Bélgica e correndo praticamente em casa, o representante da Red Bull queria dar uma resposta aos críticos depois da infantil corrida na Hungria semana passada. Max dominou a classificação, algumas vezes colocando mais de 1s sobre os rivais, como aconteceu no Q3, mas como tinha que pagar uma punição por ter estourado a cota de motores no ano, Verstappen teria que largar apenas em décimo primeiro no domingo, mas todos esperavam que o neerlandês atropelasse, mesmo tendo que encontrar no meio do caminho a dupla da McLaren, que tinha mostrado o ritmo mais forte com pista seca na sexta-feira.

O domingo contrariaria todas essas certezas, com outra ótima corrida nessa temporada 2024.

Nem sempre circuitos tradicionais são palcos de grandes corridas, mas em 2024 Spa viu uma das melhores corridas dos últimos anos, nessa surpreendente temporada de 2024, donde se esperava corridas enfadonhas em mais um domínio da Red Bull e na verdade estamos vendo corridas acirradas. Na Bélgica, as quatro principais equipes estiveram em claro equilíbrio, mesmo que a Ferrari esteja um degrau abaixo de McLaren, Mercedes e Red Bull, mas ainda assim os italianos tem um carro bom o suficiente para fazer com que Leclerc fizesse uma bela corrida.

Todos os olhos estavam em cima de Max Verstappen, que massacrou a concorrência nos treinos e todos esperavam uma corrida de recuperação avassaladora como havia feito nos dois anos anteriores, quando a Red Bull aproveitou as características de Spa para trocar o motor de Max, lhe propiciando duas corridas de recuperação rumo à vitória. Haviam até apostas de quando Max chegaria à liderança, mas o próprio neerlandês havia alertado que ao contrário de 2022 e 2023, a Red Bull não tem o mesmo domínio.

A largada foi bem convencional e logo de cara Lewis Hamilton mostrou a que veio, superando Sergio Pérez na curva um, numa manobra no limite para subir para segundo. Já Lando Norris continuava a sua triste tradição de largar mal. O inglês pegou cascalho na saída da Surcis e de quarto, foi parar em sétimo, chegando a atrasar ligeiramente Verstappen no processo. Saindo de décimo primeiro, rapidamente Max pulou para oitavo, superando os pilotos do pelotão intermediário, mas quando viu a traseira de Lando Norris, a escalada de Max terminou aí. Ainda na segunda volta, Hamilton pegou o vácuo de Leclerc na saída da Radillon e assumiu a ponta da corrida. Com os pilotos bastante preocupados com o desgaste de pneus, o pelotão estava compacto, sem maiores trocas de posições.

Enquanto o pessoal do pelotão intermediário, liderados por Alonso, procurou os pits bem cedo, os oito primeiros colocados faziam uma corrida de espera. Verstappen pensou em fazer o chamado undercut e ultrapassar alguns carros à sua frente, mas o que a Red Bull não esperava era ver George Russell fazer o mesmo, se mantendo confortavelmente na frente de Verstappen. Isso inaugurou a primeira rodada de paradas dos líderes, com Sainz e Norris ficando mais tempo na pista, ensaiando algo que ninguém havia pensado: parar apenas uma vez. Com os pilotos parando em voltas diferentes, vimos Piastri superando Pérez, que começava a perder rendimento.

Lando Norris esticou seu primeiro stint ao máximo e quando fez sua primeira parada, sem surpresas, voltou à pista 6s atrás de Verstappen, mas com pneus melhores, se aproximou do piloto da Red Bull. E por lá ficou. Sainz esboçou levar sua Ferrari até a metade da corrida, numa clara manobra de fazer uma única parada, mas o espanhol desistiu e indicou que seguiria a mesma tática dos demais. A estratégia de Verstappen não funcionara a contento e se não fossem as paradas tardias de Norris e Sainz, Max teria ficado onde estava. A corrida de recuperação esperada de Verstappen não aconteceria.

A corrida se mantinha próxima, com Hamilton, Leclerc e Piastri andando próximos, com um ligeiro espaço para Russell, Pérez, Verstappen e Norris. A corrida era tensa, pois fazer uma parada mais cedo poderia fazer toda a diferença. Leclerc abriu os trabalhos na segunda rodada de paradas, sendo seguido por Hamilton e a dupla da Red Bull. Piastri ficou com ar limpo e começou a virar tempos parecidos com o que Lewis e Charles faziam com pneus novos. Norris e Sainz repetiram suas táticas, estragando de vez a corrida do espanhol, enquanto Norris permaneceu com a traseira de Verstappen bem grande estampada na sua frente. A situação de Pérez piorava na medida em que foi solicitado a ser ultrapassado por Verstappen e não teve condições de segurar Norris.

Piastri liderava à frente de Russell, ambos tendo que completar algo em torno de trinta voltas com o mesmo pneu duro se quisessem terminar a corrida sem parar, algo impensável antes da largada. Porém, a Mercedes e Russell arriscaram nessa tática, enquanto Piastri foi aos pits fazer sua segunda parada, mas um ligeiro erro o fez perder tempo, que seria crucial no final. O último stint tinha Russell liderando à frente de Hamilton, com Piastri partindo para cima de Leclerc. Bem mais rápido, o australiano ultrapassou a Ferrari e partiu em perseguição à dupla da Mercedes, enquanto Leclerc, com o quarto carro mais rápido, teve que lidar com Verstappen e Norris lhe fungando no cangote até o final da prova. Mesmo saindo de uma surpreendente pole, Leclerc mostrou força em levar a Ferrari nas costas e segurar carros nitidamente mais rápidos que o seu.

Hamilton recortou a diferença para Russell e quando o veterano inglês chegou no alcance do DRS, parecia que a ultrapassagem seria consumada até mesmo com facilidade, mas mostrando que estava num dia abençoado, Russell praticamente não deu chances ao seu companheiro de equipe. Hamilton viu Piastri se aproximar e os três primeiros colocados receberam a bandeirada juntos. Cinco segundos depois, o trio Leclerc, Verstappen e Norris chegaram igualmente colados para receber a bandeirada.

Russell comemorou bastante essa que foi a sua melhor corrida na F1. Também era uma resposta para quem via apenas em Lando Norris a próxima esperança britânica na F1, além de dizer à Toto, que procura um piloto para o lugar de Hamilton a partir de 2025, que, sim, George poderá liderar a Mercedes a partir da próxima temporada. No entanto, a pesagem dos carros mostrava que o Mercedes de Russell tinha 1,5 kg a menos do que o regulamentar. Nesses casos, não há muita argumentação e a brilhante prova de Russell se transformou numa dolorosa desclassificação.

Hamilton não parecia muito contente por ter perdido uma corrida em que liderou a maioria das voltas por uma estratégia superior do seu companheiro de equipe, mas Lewis acabou ficando com a vitória, a sua segunda em três corridas, se tornando o segundo piloto a ter mais de uma vitória em 2024. Mesmo perdendo a dobradinha, a Mercedes tem muito o que comemorar nesse início de recesso de F1. Após iniciar o ano lutando com Aston Martin pela quarta força da F1, a Mercedes parece ter achado o caminho correto de desenvolvimento após dois anos sofríveis, desde a chegada do novo carro-asa. Perguntado se ainda pode lutar pelo título este ano, Hamilton negou qualquer esperança, mas a Mercedes pode se animar para 2025, mesmo que não tenha mais Lewis ano que vem e ainda corra atrás de um piloto para correr ao lado de Russell.

A McLaren conseguiu bons pontos, se aproximou ainda mais da Red Bull no Mundial de Construtores, mas novamente pisou na bola na estratégia, quando era nítido que manter Piastri na pista, com o mesmo ritmo de Hamilton e Leclerc, que tinham acabado de fazer suas paradas, era o correto. Se a primeira vitória encheu de confiança Norris depois de Miami, o mesmo parece ter acontecido com Piastri após seu primeiro triunfo na Hungria, com o australiano fazendo uma corrida muito boa, superando novamente Lando.

Depois das brigas com Verstappen na Áustria, muito se esperava que Norris poderia ser um rival para o neerlandês no Mundial de Pilotos, mas o inglês fraquejou novamente em Spa. Mesmo com mais carro, em nenhum momento Norris tentou um ataque mais incisivo em cima de Max, que mesmo com todas as dificuldades, ainda aumentou sua margem no campeonato. Sem contar que Lando errou novamente na largada…

Pelo o que se viu na corrida em Spa, a Red Bull hoje é a terceira força da F1 no momento, com Max Verstappen limitando os danos, pelas próprias palavras do neerlandês. No Mundial de Construtores os quatro primeiros estão separados por meros 140 pontos (muito pouco, com metade do campeonato por vir) e hoje a Red Bull perdeu muito terreno para McLaren e Mercedes.

Sergio Pérez teve mais uma chance de convencer Horner, Marko e seus blue caps que poderá honrar o contrato já assinado com os austríacos, mas novamente Checo deixou a desejar. Largando na primeira fila, Pérez mostrou um ritmo fraco e terminou em oitavo, ainda salvando um ponto da melhor volta, ao fazer um terceiro pit-stop. Se não fosse a desclassificação de Russell, oitavo também seria a posição de Pérez no campeonato, além de ser o único piloto das quatro equipes grandes a não ter uma vitória esse ano. São muitos pontos desabonadores para Sergio Pérez, que poderá ter feito sua última corrida na Red Bull e até mesmo na F1. Depois da corrida Horner foi visto conversando animadamente com Daniel Ricciardo e Laurent Meckies, chefe da Racing Bulls. Enquanto Russell era desclassificado, Verstappen deixava o circuito de Spa de carona no helicóptero de… Ricciardo!

Se Ricciardo for mesmo confirmado na Red Bull na próxima corrida ou em 2025, ainda haverá problemas para a Red Bull. O australiano não fez uma boa corrida em Spa e se não fosse a desclassificação de Russell, Ricciardo teria perdido o último ponto da zona de pontuação para Ocon nas últimas voltas. Ricciardo dá mostras que já não tem a mesma confiança dos seus bons tempos e talvez trocar Pérez por Ricciardo seja o mesmo que trocar seis por meia dúzia.

O lamentável disso tudo é que Sérgio Pérez, que em outras oportunidades mostrou ser um bom piloto, tenha sua carreira na F1 arruinada e até mesmo terminada dessa forma.

Revelando o abismo entre as quatro grandes e o resto, Alonso liderou soberano o pelotão intermediário e recebeu a bandeirada 50s atrás dos líderes. Os dois pontos do nono lugar é o máximo que Alonso pode esperar numa corrida sem abandonos ou problemas para os pilotos de Red Bull, McLaren, Mercedes e Ferrari. E com a desclassificação de Russell, Alonso viu sua conta aumentar para quatro pontos. A Aston Martin deixou de lutar com a Mercedes pela quarta força para fugir do pelotão intermediário.

Desde que foi anunciado a sua saída da Alpine, Esteban Ocon passou a encaçapar Pierre Gasly de forma sistemática, superando o compatriota com sobras nesse domingo. Albon largou entre os dez primeiros, mas não teve ritmo para se manter nos pontos, enquanto a Sauber permanece sendo a única a não pontuar e viu o único abandono do dia, com Zhou. Porém, assim, como lá na frente, o pelotão intermediário viu bastante equilíbrio entre si, com apenas 20s separando Alonso (8º) e Bottas (15º).

A corrida em Spa mostrou que a F1 vive um ótimo momento, com quatro equipes brigando pela vitória de forma apertada. A esperada convergência de regulamento veio e de equipe dominante, a Red Bull agora luta para chegar junto com as duas equipes principais da Mercedes, mesmo a McLaren jogando pontos pela janela por erros estratégicos.

Se no Mundial de Construtores teremos disputa, o Mundial de Pilotos parece ainda bem tranquilo para Verstappen, pois Lando Norris não nos anima mais. Já são quatro corridas sem vitórias para Max Verstappen, mas o campeonato ainda está nas mãos dele. O certame de pilotos pode não ter muita emoção, mas não podemos reclamar da qualidade das corridas. Sorte a nossa!

Abraços!

João Carlos Viana

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

4 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    J.C. Viana,

    RBR hj terceira força … como vão administrar a gordura que o Verstappen tem pra queimar no campeonato?

    Apesar de fazer uma grande corrida, me pareceu que Hamilton tinha mais carro no fim e que possivelmente não passou Russel por ordem da equipe. Com desclassificação, Hamilton não só herdou a vitoria como passou seu companheiro nos pontos. Como será que a Mercedes vai se comportar agora?

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  2. Rafael Friedrich Rudolf Brandão Manz disse:

    Como Russel acertou em uma parada só, ele deveria saber que os pneus mais desgastados poderiam dar problemas e deveria ter dado a volta completa na volta para os boxes ou não é permitido? Boa semana a todos os Gepetos.

    • João Carlos Viana disse:

      Como Spa é um circuito muito longo, já faz muitos anos que após a bandeirada, os pilotos completam a Surcis e voltam na contramão pelos pits. Portanto, por mais que Russell supostamente soubesse do problema de desgaste de pneus, ele não poderia dar a famosa volta de desaceleração.

      Boa Semana!

  3. Leandro disse:

    Assim como muitos, eu esperava que 2024 e 2025 proporcionassem corridas sem nenhum surpresa e ainda bem que estava enganado e me animo para 2025, penso que estes resutados podem animar as equipes e tentarem algo para 2025

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