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No principio do século passado, concretamente em 1904, quando o automobilismo ainda dava seus primeiros passos, nasceria no condado de Hertfordshire, ao norte de Londres, na Inglaterra, Henry Graham Greene, quem se converteria num escritor de fama mundial, principalmente por suas novelas de espiões e agentes em missões secretas por conta do governo. Chegando a ser popularmente conhecido apenas como Graham Greene, entre suas mais famosas novelas, temos “O Agente Confidencial”, “O Terceiro Homem”, “O Fator Humano” ou “O Americano Tranquilo“.

Naquela mesma época, ainda que alguns meses antes, havia nascido William Charles Frederick Grover. De pai inglês e mãe francesa, William veria a luz por primeira vez em 1903 na pequena localidade de Montrouge, nos subúrbios ao sul de Paris. William passaria a sua mais tenra infância na França, chegando assim a dominar tanto o idioma materno quanto o paterno. No entanto, quando se deflagra a primeira guerra mundial em 1914, e para sua segurança, o pequeno William é enviado a morar com uns parentes em… Hertfordshire. Assim, Graham e William seriam vizinhos durante alguns anos, ainda que não haja constância de que se tivessem conhecido.

Uma vez William já instalado com seus parentes, pouco depois seus pais, seu irmão Frederick e suas irmãs Elizabeth e Alice, também se refugiariam em Hertfordshire, e foi durante aqueles anos que, enquanto Graham mostrava um claro interesse pela literatura, William se sentia atraído pela mecânica e os automóveis. Conforme a guerra seguia seu curso, Graham e William continuavam desenvolvendo suas respectivas inquietudes: Um até se atrevia a escrever poemas e o outro seguia sonhando com os carros até desenvolver uma verdadeira afeição pelos automóveis, quando o namorado da sua Irmã Elizabeth lhe ensina a dirigir seu Rolls-Royce.

William Grover e Graham Greene

Com o fim da guerra em 1918, a família Grover retorna à França, instalando-se em Monte Carlo e William, com motivo do seu décimo quinto aniversário, receberia de presente uma motocicleta “Indian” com a que começa a participar em corridas locais, mentindo sobre a sua idade para ser admitido e inscrevendo-se com o nome falso de W. Williams, para manter o anonimato perante a sua família, que não teria aprovado tais atividades. Pouco depois, também obtém sua licença para dirigir.

Assim, ambos chegariam à adolescência e com 16 anos de idade, Greene descobriria que o campo da novela era onde melhor podia desenvolver seu talento, enquanto que William, graças ao seu conhecimento no manejo de Rolls-Royce, conseguiria emprego em Paris como chofer numa empresa de limusines. Um dos clientes da empresa era Sir William Orpen, então um afamado pintor e ilustrador, que acabaria contratando o rapaz como seu chofer particular quando Orpen decide comprar um “cabriolet” da marca britânica. Orpen estava muito bem relacionado com a alta sociedade da época e resultaria de suma importância para as aspirações esportivas de William, pois foi graças ao seu trabalho de chofer que William conheceria o famoso piloto galo Robert Benoist, quem então trabalhava na exposição da Bugatti em Paris.

Naqueles anos com Orpen, William conheceria a Yvonne Aupicq, a jovem modelo do pintor, e de quem Grover logo se apaixonaria. Naquela época o maduro pintor e a jovem modelo mantinham um idílio, portanto o rapaz não se atrevia a manifestar seus sentimentos à moça.

Em 1925, com a ajuda financeira de Orpen, William compra um Hispano-Suiza de segunda mão e começa a competir de forma esporádica em rallyes e subidas de montanha. Uma de suas participações foi no rally de Monte-Carlo daquele ano, onde conseguiu terminar entre os 32 primeiros. No entanto, o Hispano-Suiza não podia competir com os Bugatti e, no fim do ano, segundo parece com mediação de Benoist, William consegue convencer a Ettore Bugatti que lhe venda um de seus carros, ainda que fosse de segunda mão. Com aquele carro, Grover conquistaria o segundo lugar no GP de Provence em  Miramas de 1926, em dura pugna com Henry Seagrave e seu potente Talbot.  Ainda em 1926, conseguiria a sua primeira vitória numa prova de montanha: Mont des Mules. Alem dessa vitória, com suas boas classificações nas três provas na Costa Azul ( Mont Agel, La Turbie e Esterel ) onde conseguiria o melhor tempo nelas, Williams receberia o troféu do automóvel clube de Niza.

A vitória serviria de estímulo para que William se dedicasse de cheio ao automobilismo. Assim, aquele ano de 1926 foi determinante para os nossos dois protagonistas, pois nesse mesmo ano, Graham começaria sua carreira profissional com seu primeiro emprego no jornal “Times” em Londres. Deste modo, as tendências que ambos jovens haviam mostrado nos anos anteriores pela pluma e pelo volante… se confirmavam.

As cada vez mais notáveis performances de Grover chamam a atenção da equipe Sunbean-Darraq, que lhe oferece ser piloto oficial com eles para 1927. Porem, o carro nunca esteve à altura da competência e os resultados não chegaram, sendo seu melhor resultado um quarto lugar no GP da França. Assim, em 1928, Grover volta a competir com um Bugatti T35 privado. Muitos na época se surpreendiam que William, um simples chofer, pudesse se permitir o luxo de comprar um Bugatti, mas a resposta ao enigma pode ser que fosse Orpen. O pintor e William, ao longo dos anos haviam desenvolvido uma relação pessoal muito boa e, possivelmente, Orpen via o jovem William como o filho que nunca teve, e lhe brindava seu apoio.

O caso é que, novamente com um Bugatti nas mãos, os resultados não tardaram a chegar e Williams, alem de vencer o GP da França, também ganharia a corrida classificatória para o GP Bugatti, sendo quarto na prova final, enquanto que conseguiria o segundo lugar no GP de Antibes, marcando a volta rápida. A temporada terminava com o GP de Monza onde, depois de largar em quarto lugar, abandonaria com problemas no motor na quinta volta, depois de liderar as quatro primeiras com facilidade. Ettore Bugatti, já impressionado pelo talento do rapaz, o convida a formar parte da equipe oficial Bugatti. No plano pessoal, Orpen e Yvonne terminam seu romance e William, depois de quase dez anos fascinado pela modelo e reprimindo a sua paixão, finalmente declara seu amor à moça e esta corresponde os sentimentos do jovem chofer. Porem, por respeito e consideração ao seu benfeitor, William pede a Orpen licença para namorar Yvonne e ele concorda sem por nenhuma objeção.

William estava já se afiançando no automobilismo e sua consagração definitiva chegaria em 1929. Com varias corridas já se disputando na costa azul francesa, a ideia de celebrar uma prova em Mônaco, vinha sendo cogitada desde fazia tempo, promovida pelo rico industrial Antony Nogués e a estrela local o piloto Louis Chiron. Assim, com apoio do próprio príncipe Louis II, finalmente um GP nas ruas do principado se tornaria realidade no dia 14 de abril. A prova reunia todos os ingredientes para o sucesso, pois contava com a presença de varias estrelas da época, alem de um suculento prêmio de nada menos que 100.000 francos para o vencedor, uma fortuna na época !. Rudolph Caracciola e Philippe Etancelin eram os favoritos à vitória, contudo, dada a largada, William, que partia do 5º lugar, logo avança duas posições e assume a liderança já no fim da primeira volta. O jovem William manteria com determinação essa posição, defendendo-se do constante acosso ao que lhe submetia o alemão com seu poderoso Mercedes SSK. Na volta 49ª William entra nos boxes para reabastecer, deixando a Caracciola no comando da prova, mas quando Grover retorna à pista, logo recupera a prezada primeira posição mantendo-se na frente até o fim das cem voltas das que constava a prova e ainda marcando a volta rápida. As cem voltas da prova haviam sido cobertas em esgotadoras 3 horas e 56 minutos.

Grand Prix de Mônaco 1929

 

Na segunda parte da coluna dia 25, vamos continuar a saga de William e sua carreira no automobilismo como remédio contra o tédio

Até lá e fiquem bem

Manuel

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

3 Comments

  1. Edu disse:

    História que começa com Graham Greene só pode ser boa

    Abração, Manuel

    Edu

  2. Fernando marques disse:

    Por isso sou fã incondicional do Gepeto

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  3. Marcos Gerson Rodrigues Pascoal disse:

    História maravilhosa!

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