Correr em circuitos de rua, com seus muros próximos e piso muitas vezes ondulado, significa estar mais perto do erro e por isso, o piloto precisa ser bastante preciso em sua tocada. Com cinco vitórias em circuitos de rua (sem contar a Sprint desse sábado), Sérgio Pérez já pode ser considerado um especialista em pistas citadinas, mas não foi esse o principal motivo da vitória de Checo nesse domingo.
Um Safety-Car na hora errada transformou no que seria em mais uma vitória de Max Verstappen em 2023 num amargo segundo lugar, com o irascível neerlandês tendo que ser conformado via rádio por Christian Horner, enquanto Checo vencia novamente e completava a dobradinha da Red Bull em Baku, que também teve como característica a dobradinha de corridas soporíferas.
Os fãs mais puritanos da F1 não deverão gostar do que lerão a seguir, mas se teve algo que a F1 evoluiu foi na definição do seu grid. Antes a classificação tinha uma hora de duração e os pilotos tinham doze voltas à disposição para marcar seu tempo mais rápido. Tudo muito descomplicado, mas também poderia não ser muito empolgante para quem assistia, principalmente na primeira metade da classificação. Para quem acompanha a F1 desde antes de 2002 deve se lembrar do marasmo que havia na pista antes que um carro entrasse na pista. Então os pilotos entravam de uma vez para completar suas quatro tentativas e se as câmeras mostravam Schumacher, Barrichello e Montoya, os demais pilotos passavam praticamente incógnitos. Por isso que prefiro a classificação faseada de Q1, Q2 e Q3, pois os pilotos tem mais de uma tentativa e podemos ver as várias brigas no pelotão.
Porém, a Liberty Media e a FIA não pensam assim. E quem sou eu para se achar o dono da verdade. Muitos preferem o modelo antigo, que citei acima, mas as várias tentativas de ‘trazer emoção’ na definição do grid vão tornando esse item, longe de ser um problema, num verdadeiro circo. A chegada da Sprint Race foi mais uma tentativa disso e vem se tornando um retumbante fracasso por um motivo bem simples: ninguém quer arriscar a posição de pista numa corrida de 100 km que vale muita pouca coisa. E tirando as provas em São Paulo, as Sprints vão se tornando um sonífero de trinta minutos, com os pilotos preferindo manter suas posições após a largada. Para evitar a cautela dos pilotos, a Liberty e a FIA resolveram desmembrar a Sprint Race da classificação, iniciando nesse final de semana um novo formato em mais uma tentativa de vingar a Sprint Race e quem sabe seguir a Dorna para colocar as corridas curtas em todo o calendário.
As mudanças transformaram o sábado num evento inteiramente dedicado à mini-corrida inventada não se sabe bem porquê e nem para quê. A minha visão disso tudo é que a Liberty está angustiada por mais receitas e para isso, precisa aumentar o número de corridas no calendário, mas as próprias equipes se negam a fazê-lo pela estafa do próprio staff. Então a Liberty coloca a Sprint como uma forma de barganha para os promotores das corridas para aumentar a quantia a ser paga por prova, algo que deverá funcionar com os países ditos emergentes dentro da F1, como o pessoal do Oriente Médio. Porém, como diria Garrincha, faltou combinar isso com os russos, pois até o momento a Sprint Race vai se mostrando um fracasso de público e crítica, pois tantos os pilotos não gostam, como também as equipes e, mais importante para a Liberty, também a audiência.
Como a Liberty investe nesse formato até mesmo como uma forma de aumentar a grana, ela vai mudando o conceito da ideia, mas parece que nada vai dando certo. Com os pilotos preocupados em marcar pontos no domingo e os chefes de equipe desesperados em não ter grandes danos que afetem o teto orçamentário, qual a motivação de ser agressivo na Sprint Race? Os próprios pilotos e equipes verbalizam isso. Ao bater na classificação da Sprint, Logan Sargeant ficou de fora da mini-corrida e a Williams foi muito clara que o melhor era se concentrar no domingo. Numa regra sem sentido, a FIA resolveu outorgar quais compostos de pneus as equipes usariam na classificação da Sprint. Cada time teria que reservar pneus médios novos para Q1 e Q2 e um jogo de pneus macios novos para o Q3. Norris não tinha mais pneus macios novos e a McLaren o fez de forma consciente, mesmo sabendo que isso prejudicaria a Sprint de Lando. Qual motivo? Muito simples. O foco é no domingo…
A Sprint Race foi vencida de forma tranquila por Sérgio Pérez, mas ficou marcada pelo chilique de Max Verstappen. O neerlandês da Red Bull não largou de forma perfeita e foi atacado por George Russell. Houveram alguns toques TOTALMENTE NORMAIS de corrida entre os dois e no fim, o piloto da Mercedes se deu melhor na primeira volta. Na relargada do Safety-Car causado pelo acidente de Tsunoda ainda na primeira volta, Russell bobeou de forma até inocente e Max deu o troco. Porém, Max não se conformou com os toques na primeira volta e foi tomar satisfação com Russell na frente de todos depois da corrida, amentando a sensação de que mesmo sendo uma baita piloto, talvez um dos mais talentosos da história, Max Verstappen está longe do carisma dos gigantes que passaram nesses 73 anos da F1.
Baku é uma pista de rua com personalidade, com uma sessão de altíssima velocidade bastante longa, uma parte bem capciosa no meio do circuito, onde os pilotos normalmente encostam no muro ou passam muito perto, além da parte estreita do castelo. Ótimas corridas já aconteceram na pista azeri, mas a edição de 2023 esteve longe de entrarem para o rol de provas assim. Mesmo com o SC entrando na pista e praticamente definindo o vencedor, a corrida foi um longo bocejo, mas Sergio Pérez e a Red Bull não tem do que reclamar. Mesmo com Charles Leclerc saindo da pole e mantendo a ponta na largada, até os postes de Baku sabiam que o monegasco não duraria muito à frente da turma da Red Bull. Bastou que o DRS estivesse ativo, para que a Ferrari de Charles fosse engolida pelo duo da Red Bull sem maiores cerimônias. Nem Max ou Checo forçaram a barra, nem Leclerc dificultou a manobra. Era algo tão natural que Leclerc preferiu nem perder muito tempo segurando a turma austríaca. Rapidamente na ponta, Max e Sergio dispararam na ponta, com o mexicano já acossando Max quando Nyck de Vries, amigão de Verstappen, cometeu um erro básico ao quebrar a suspensão batendo na entrada de uma curva. Mesmo com toda a moral dentro da Red Bull, será difícil para Verstappen defender De Vries. Minutos antes, Verstappen reclamava da falta de aderência do carro e isso seria o motivo de Pérez estar tão próximo. ‘Box, box, box’, respondeu de imediato a Red Bull. O problema foi que o timing não foi dos melhores. Com De Vries estacionado com a traseira do lado de fora da pista, era claro como um dia de sol no Ceará que o SC real entraria na pista. E quem estava nela, teria uma vantagem. Verstappen parou, o SC veio e Pérez fez sua parada e não apenas permanecia na liderança, como Max ainda teria que ultrapassar Leclerc novamente.
Verstappen não perdeu muito tempo atrás de Leclerc e logo encostou no seu companheiro de equipe. E assim as demais voltas em Baku viram uma batalha próxima e de alto nível entre Pérez e Verstappen, com os dois andando no limite, com direito e ligeiros toques no muro, mas muito, muito longe de emocionar o público que assistia a corrida in loco ou pela TV. A corrida foi de um bode assustador. Após a única relargada do dia, onde houveram algumas trocas de posições, como a bela ultrapassagem de Alonso em cima de Sainz, a corrida entrou num longo marasmo, onde praticamente nada aconteceu até a bandeirada. Com os pneus duros servindo muitíssimo bem para completar a corrida praticamente inteira, ninguém arriscou uma segunda parada e simplesmente administraram a borracha para chegar bem o bastante para terminar bem a prova. Houveram algumas trocas de melhor volta por parte de dos líderes nas voltas derradeiras, mas lá atrás George Russell se viu incapaz de ultrapassar Lance Stroll e muito na frente do nono colocado. O inglês colocou pneus macios novos e acabou com a brincadeira, mantendo a posição e ainda ganhando um pontinho extra. Pérez venceu, mas no rádio pós-corrida ficava claro de quem é a preferência dentro da Red Bull. Verstappen era consolado por Horner, que com uma voz paternal, dizendo que foi mesmo falta de sorte de Max. Uma situação que deixa clara a situação de Pérez dentro da equipe, mesmo ele estando próximo de Verstappen nos pontos na briga pelo título.
Leclerc não fez maiores esforços para se manter em terceiro, numa corrida solitária e onde teve como as maiores emoções ser ultrapassado três vezes por um carro da Red Bull. Porém, foi o primeiro pódio da Ferrari no ano. Já Carlos Sainz viveu uma corrida ainda mais burocrática, onde levou uma ultrapassagem daquelas de Alonso e ainda se viu motivado a atacar o conterrâneo pelo seu engenheiro via rádio. Não sei o que Carlos entendeu, mas o fato foi que ele terminou longínquos 22s atrás de Alonso e tendo que se defender de Hamilton. Embalado pelas músicas de Taylor Swift, Alonso fez uma corrida decente, depois dos problemas que a Aston Martin enfrentou no final de semana, chegando a esboçar um ataque à Leclerc nas voltas finais, mas Fernando teve que se conformar com o quarto lugar, terminando fora do pódio pela primeira vez em 2023. Stroll chegou a receber dicas alonsianas durante a corrida. ‘O acerto de freio está bom assim’, falou Fernando para Lancinho… que saiu da pista e foi ultrapassado por Hamilton. Quase 30s atrás de Alonso, Stroll vai mostrando a diferença que o separa de Alonso. Após todo o auê na Sprint, a Mercedes teve um desempenho bastante discreto, com Hamilton iniciando a corrida de forma bem sem graça, seguindo Verstappen no SC e com isso perdendo tempo, mas Lewis despertou após a relargada e efetuou quatro ultrapassagens, incluindo uma bem apertada em cima de Russell, mas mesmo com mais carro, Hamilton ficou empacado atrás de Sainz a corrida quase inteira, o mesmo acontecendo com Russell em relação à Stroll.
No pelotão intermediário, Esteban Ocon e Nico Hulkenberg largaram dos pits com pneus duros, esperando e rezando que um segundo SC entrasse na pista e os salvasse. O primeiro já tinha elevando-os à zona de pontuação e ambos ficaram a corrida inteira com os pneus duros, mas como nada aconteceu, Ocon e Hulk pararam já nas voltas finais e saíram da zona de pontuação, entregando a nona e décima posições para Norris e Tsunoda. Porém, destaque negativo para a parada de Ocon. O francês esperou a última volta para entrar no pit-lane e deu de cara com a FIA se preparando para o pódio, fechando a passagem e com vários fotógrafos no local. Numa cena perigosa, Ocon passou perto de várias pessoas, que chegaram a pular para não serem atingidas.
As duas corridas em Baku, a Sprint e o Grande Prêmio, foram tão emocionantes quando assistir uma pintura secar ao vento. Por mais que invente, a Liberty precisa parar de mexer no que está quieto e notar que o final de semana da F1 com treinos na sexta, classificação normal no sábado e corrida no domingo é o arroz com feijão que serviu nos últimos 73 anos e é o cardápio que o fã da F1 precisa.
Pérez ganhou e se aproximou de Verstappen no campeonato, mas se quiser ser campeão, o mexicano teria que fazer um campeonato onde teria que derrotar não apenas Max, uma missão por si só bastante complicada, mas também sua própria equipe, já que a Red Bull praticamente vive em torno de Max Verstappen. Será possível que Pérez emule o que Nelson Piquet fez em 1987 e Fernando Alonso quase fez em 2007? Checo desequilibrará Verstappen como Nico Rosberg fez com Hamilton em 2016? O tempo dirá, mas a próxima corrida será numa pista de rua. Chance para Checo dar um xeque em Verstappen e se confirmar com Rei das Ruas ou Max colocar ordem na casa.
Afinal, a temporada 2023 se resume ao que acontece dentro da Red Bull.
Abraços!
João Carlos Viana
1 Comments
J.C. Viana,
que corrida soporífera?… uma pena até por que acho o circuito de rua de Baku divertida.
A unica maneira e opção que hoje a FIA/Liberty tem para evitar o marasmo e sonifero que tem sido as corridas de Formula 1 esse ano é proibir a RBR de usar o DRS … isso pra trazer uma pouco de emoção … ao contrário é melhor levar o travesseiro pra sala na hora da corrida …
Fernando Marques
Niterói RJ