Salute, Campari!

Reflexões ao fim do 1º stint
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Achou excessivo o calor que domina a Europa neste verão de 2022?

Talvez tenha ocorrido algo parecido décadas atrás, criando dificuldades para a escolha de pneus, assim como este GP da França.

Em 1924 o Ministro Giacomo Acerbo tinha criado a Coppa Acerbo, em sua região natal, para homenagear seu irmão, Capitão Tito.

Este tinha se destacado como militar durante o primeiro conflito mundial, recebendo diversas condecorações, inclusive a Cruz de Guerra francesa, morrendo em combate em 1918 após um bem sucedido confronto com um número superior de inimigos. Ele retornava às linhas italianas trazendo prisioneiros quando foi baleado, provavelmente por um franco-atirador, e tombou incentivando seus camaradas.

Em 1931 essa prova estava entre as mais importantes da temporada, tanto no cenário internacional quanto no campeonato italiano.

A largada era dada nas proximidades de Pescara, em uma reta junto ao mar de um quilômetro de extensão. Antes de chegar à cidade os competidores tinham que contornar uma curva larga para a direita e seguir por um trecho sinuoso de cerca de 11 km subindo as montanhas Abruzzi, passando pelas cidades de Villa Raspa, Spoltore e Capelle. A seguir vinha outro trecho de altíssima velocidade também de 11 km, montanha abaixo, até Montesilvano. Entrando nessa cidade o circuito fazia uma curva rápida para direita, junto à estação de trem, seguindo por outra reta ao longo do mar até alcançar uma chicane pouco antes da linha de chegada, cumprindo um trajeto de 25,5km em formato triangular.

Essa chicane é uma espécie de avó das atuais, destinava-se a diminuir as então alucinantes velocidades atingidas por carros tão inseguros.

 

A Bugatti novamente apareceu disfarçada por meio de inscrições independentes, com as habituais T51 particulares vermelha e azul, respectivamente de Achille Varzi e Louis Chiron, cuidadas por mecânicos da fábrica e o famoso chefe de equipe Meo Constantini dando todo o apoio.

A Alfa também compareceu extra-oficialmente, via Scuderia Ferrari. Mas os caminhões que transportaram as Tipo A de 2 motores vieram da fábrica de Portello e os que transportaram as Monza saíram de Maranello. Nuvolari e Campari estavam escalados para pilotar as 12 cilindros, Borzacchini e Severi as 2,3L.

A Maserati compareceu oficialmente, com a 2,8L para Luigi Fagioli, a 16 cilindros 4,0L para Ernesto Maserati e duas 2,5L 26M para Dreyfus e Klinger.

Completavam o grid três Bugatti, Ghersi (T35B 2,3L), Balestrero (T35C 2,0L) e Biondetti (T35), uma Maserati (Sebastiani, 26 1,5L) e Ruggeri, com Talbot 700 1,5L.

 

O domingo amanheceu quente e a temperatura continuou subindo.

Nos treinos já tinha ficado claro que a combinação pneus e alta temperatura teria grande influência na prova. Todos usavam pneus Dunlop mas havia modelos diferentes à escolha.

A Alfa, a primeira a ter problemas com os pneus nos treinos, optou pelo modelo com estrutura mais resistente, com banda de rodagem com mais borracha, e Varzi fez o mesmo. A Maserati optou por pneus mais leves no carro de Fagioli, o que fazia sentido por ser mais leve que os rivais.

 

A posição dos favoritos no grid era: Campari na primeira fila, Borzacchini na segunda, Fagioli, Ernesto e Tazio na terceira, Varzi e Chiron na quarta.

Às 10:00 o Marechal Italo Balbo (também ele herói de guerra) deu a largada.

Campari toma a ponta, seguido por Fagioli que se aproveita da má partida de Severi, que estava na primeira fila. Quando atingem Capelle é Varzi quem está em terceiro, duelando com Tazio, ambos apenas um segundo atrás dos ponteiros.

 

Campari fecha a primeira volta com média de 131,13 km/h, com os 5 carros do pelotão dianteiro virando abaixo do recorde, 125,85 km/h, estabelecido no ano anterior por Fagioli com uma 2,5L.

Borzacchini vem em quinto, seguido por Chiron, Ernesto, Severi, Ghersi, Klinger, Biondetti, Ruggeri, Balestrero e Sebastiani, tendo Dreyfus abandonado quando se aproximava de Montesilvano.

 

Na segunda volta Tazio leva a melhor sobre Achille.

Com a temperatura continuando a subir os pneus começam a entregar os pontos, afetando

particularmente as Maserati. Fagioli vê uma banda de rodagem se destacar de um pneu na segunda reta após Montesilvano e o mesmo ocorre com Ernesto Maserati.

Inabalável, Campari continua imprimindo um ritmo forte, virando em 11’28”4 e assim abrindo 20 segundos de Nuvolari. Achille está a 2 segundos de Tazio.

O motor de Borzacchini tem problemas e ele é obrigado a abandonar.

Chiron assume o 4º posto, com mais de 45” de diferença para o terceiro colocado, seguido por Fagioli e Ernesto, ambos com pneus novos mas naturalmente muito atrasados.

Vai ficando claro que as Alfa de 2 motores instalados lado a lado levam boa vantagem sobre as Bugatti T51 na parte sinuosa, perdendo (um pouco) nas retas.

 

Na terceira volta, ainda mantendo os confortáveis 20” de dianteira para Tazio, Campari pode se dar ao luxo de virar quase seis segundos mais lento. Mas Achille e Louis seguem o mantuano de perto. Com o atraso de Fagioli e Ernesto é um surpreendente Severi quem assume o 5º lugar.

Atrás da dupla principal da Maserati aparecem Ghersi, Klinger, Ruggeri, Balestrero, Sebastiani e Biondetti.

 

Na quarta volta Tazio e Achille aumentam o ritmo e Campari diminui, 2 segundos mais lento. Mesmo assim sua vantagem é de quase 12 segundos, ao passo que os rivais estão separados por meros 2 décimos. Chiron está a longínquos sete segundos do colega de equipe e Severi a 20 segundos da T51 azul. Ghersi segue em 6º, depois Fagioli, Ernesto, Klinger, Ruggeri, Balestrero, Biondetti, Sebastiani.

 

Na quinta volta Nuvolari aperta mais o ritmo, batendo o recorde da volta com 11’24”4, 134,13 km/h, e assim alcança Campari. As duas Alfa emparelham justo em frente à grande arquibancada e a turma se levanta quando Tazio avança um pouco mais.

Agora é a vez de Achille sofrer com os pneus, tendo que ir aos boxes.

As Maserati também, ambas precisam trocar pneus novamente e Ernesto acaba abandonando.

Ghersi também precisa borracha nova e Biondetti abandona.

Ou seja, a Alfa conseguiu encontrar um modo de fazer os pneus de seus carros durarem mais, mesmo as Tipo A com 2 motores, naturalmente mais pesadas. Possivelmente um estudo mais acurado na combinação peso/ritmo de corrida/pneu com mais borracha.

Varzi não consegue o mesmo resultado, tendo feito a mesma opção.

Assim a ordem fica Tazio, Campari 2 décimos atrás, Varzi com um minuto e dez segundos de desvantagem, seguido por Chiron a mais de 30 segundos, antes de inverterem as posições após a parada nos boxes do galliatese. Permanecem na pista, com atraso cada vez maior, Severi, Fagioli, Klinger, Ruggeri, Balestrero, Ghersi e Sebastiani.

 

Com metade da prova cumprida Tazio se mantém na ponta, Campari 16 décimos atrás com quase dois minutos de vantagem sobre Chiron, que está 22 décimos à frente de Varzi. Na turma de trás a única alteração é o abandono de Ruggeri.

 

Sétima volta e Achille tem um pneu furado no trecho entre Spoltore e Capelle, longe dos boxes.

A Maserati de Fagioli definitivamente não se dá bem com os pneus e ele precisa parar mais uma vez, com os dois traseiros em pedaços.

 

Durante a oitava volta Nuvolari percebe que o motor direito está superaquecendo. Vai para os boxes e os mecânicos detectam que uma das juntas de cabeçote queimou. Não há o que fazer. Eles completam a água do radiador e o mantuano parte novamente, em segundo lugar.

Campari pode controlar a corrida a seu gosto agora.

Faz a nona volta em 11’42″2 e mesmo assim amplia a liderança.

Tazio agora tem que se preocupar em simplesmente chegar.

E assim Chiron o ultrapassa na volta 10, Fagioli fazendo o mesmo sobre Severi. Na volta seguinte Luigi precisa trocar pneus novamente mas não perde a posição.

E assim os dois carros que não tiveram problemas mecânicos nessas quase duas horas e meia cruzam a linha de chegada, Alfa Tipo A e Bugatti T51. Tazio, Varzi, Fagioli, Severi na mesma volta, Klinger, Balestrero, Ghersi uma volta atrás.

 

Campari provou que ainda era um piloto de ponta e mostrou-se impecável na administração dos recursos que tinha à mão. Aproveitou muito bem a oportunidade de largar à frente de Nuvolari, Varzi, Fagioli e Chiron, estabeleceu boa vantagem logo e depois poupou pneus e motores.

 

Um brinde para a veterana raposa, por sua terceira conquista da Coppa Acerbo.

 

abraços

Carlos Chiesa

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

1 Comments

  1. Fernando marques disse:

    Chiesa,

    Mais uma grande corrida narrada de forma sublime.

    Os pneus … Já naqueles idos tempos dando trabalho …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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