“São Moreno” e o milagre de Long Beach

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Roberto Pupo Moreno foi, muito provavelmente, o piloto de melhor desempenho em toda a história dos carros de Fórmula Atlantic/Pacific/Mondial, ainda que sua amostragem não seja tão grande, por exemplo, quanto a de Gilles Villeneuve. Suas atuações ao volante deste grupo específico de carros foram invariavelmente exuberantes, e incluem, por exemplo, três vitórias no GP da Austrália em quatro participações, correndo contra vários campeões mundiais e pilotos de ponta da F1, a primeira vitória brasileira em Macau, a impressionante vitória sob chuva no Selangor GP, o título do FIA Formula Pacific World Cup e do Campeonato Aurora AFX em 1982, além de vitórias em participações esporádicas no campeonato da América do Norte em 1982 e do vice-campeonato da mesma categoria em 1983, atrás de Michael Andretti, mas com número de vitórias superior a despeito da absoluta falta de estrutura e de ter trocado de “equipe” a meio da temporada, deixando de competir numa das etapas.

Qualquer uma das corridas citadas acima renderia um relato impressionante. Mas, para dar alguma dimensão a respeito do quão forte Moreno foi naqueles carros, divido abaixo algumas linhas a respeito de sua impressionante participação na etapa de Long Beach de 1982, que serviu de preliminar para o GP de Fórmula 1.

O ditado popular afirma que o mundo é pequeno, e para pilotos de competição, que tantas vezes se deslocam ao redor do globo, parece ser ainda menor. Mais ou menos nessa altura de sua carreira Moreno começou a formar uma rede de contatos que ajudaria muito a possibilitar a estrutura necessária para que pudesse também começar a construir uma reputação no automobilismo norte-americano.

“O Peewee (Gergory Siddle) morava em Wimbledon naquela época, e acabou ficando amigo de um vizinho italiano, o Dr. Paolo Pozzilli, que já naquela altura era um dos principais pesquisadores do diabetes em todo o mundo, e membro de um grupo de oito cientistas que se reuniam anualmente para atualizar e compartilhar os avanços obtidos em cada uma de suas linhas de pesquisa. Peewee comentou com ele que estava pensando em fazer umas corridas nos Estados Unidos, e Paolo nos colocou em contato com o Dr. M. Arthur Charles, que morava em Irvine, pertinho de onde fica a Disneilândia, e também da oficina do Dan Gurney, chamada All American Racers. “Art”, como o chamamos, também integrava o grupo dos oito cientistas e, além de ser uma das maiores autoridades mundiais no estudo do diabetes, é também um apaixonado por carros e corridas. Ele nos recebeu em sua casa em nossa primeira ida aos Estados Unidos, e mais tarde se hospedou muitas vezes em meu apartamento em Mônaco. Nos tornamos bons amigos, e somos assim até hoje.”

As pontas, aos poucos, começavam a se amarrar. A primeira etapa do campeonato de Fórmula Atlantic da América do Norte estava marcada para 3 de abril em Long Beach, na Califórnia, e teria enorme visibilidade uma vez que, além de atrair a atenção da comunidade automobilística norte-americana, também seria disputada como preliminar ao GP de Fórmula 1 a ser realizado no dia seguinte.

A oportunidade era atraente para vários patrocinadores em potencial, e um deles, Bill Karges, dono da Ocean Motors, fez uma proposta a Moreno, a partir das recomendações feitas por Kathy Weida, secretária de Dan Gurney que tinha testemunhado a habilidade do Baxo em Macau, no ano anterior.

Com o recomeço na Fórmula 3 já bastante encaminhado, Moreno e Peewee não tinham interesse em fazer toda a temporada da Fórmula Atlantic em 1982. Mas, ainda assim, a participação nessa prova especificamente representava uma ótima oportunidade de ampliar os horizontes fazendo novos contatos e abrindo algumas portas num dos maiores mercados do automobilismo internacional. Uma missão que acabou sendo facilitada mais uma vez por Kathy, que conseguiu um espaço na garagem do próprio Dan Gurney para que a “equipe” do brasileiro pudesse ali se instalar. “Foi nessa viagem que eu tive meu primeiro contato com o Dan, uma pessoa que sempre admirei e com a qual sempre tive uma relação muito boa, e guardo várias lembranças daqueles dias. Lembro, por exemplo, de ter visto em sua oficina um motor da Indy sendo testado no dinamômetro, o escape incandescente, fiquei impressionado com aquilo.”

Mais uma vez, no entanto, a realidade iria se provar mais difícil do que a teoria. É o próprio Peewee quem relembra os detalhes. “Diante da distância envolvida, as condições da participação foram acertadas praticamente às escuras. Quando a viagem se confirmou, eu comecei a trabalhar por telefone para alugar um carro que o Baxo pudesse pilotar. E quando chegamos lá, descobrimos que o carro em questão era uma merda, uma coisa horrível.”

Moreno também guarda lembranças a respeito do episódio. “Nós tínhamos que assegurar um carro para correr, e o jeito foi alugar um pelo telefone mesmo. Peewee cuidou disso, mas quando chegamos lá constatamos que o carro estava empenado. E não era pouco não. O gabarito indicava quase 1º de torção entre os eixos dianteiro e traseiro, uma coisa absurda. Diante da situação, David Hanna, que já tinha sido nosso mecânico nas corridas da Ásia, fez um negócio superinteligente. O Ralt tinha duas pernas aparafusadas na lateral do cockpit, que davam suporte à caixa de câmbio, e suportavam toda a parte traseira do carro. Pois bem, ele pegou essas pernas e refurou o cockpit numa posição que reduzia em grande parte os efeitos da torção do chassi. Ou seja: uma solução muito inteligente para contornar o problema de um chassi que já tinha sido batido e alguém havia remendado. Hanna é certamente um dos melhores mecânicos que já conheci, nós somos amigos até hoje. E foi com esse carro que nós terminamos na segunda posição. Num carro decente, provavelmente a gente teria brigado pela vitória.”

De fato, apesar das sinistras condições encontradas, Hanna, Peewee e Roberto mais uma vez fizeram um trabalho que alguns se sentiriam tentados a chamar de milagroso. Mesmo sem conhecer o traçado e tendo de se adaptar ao comportamento do chassi empenado, o Baxo conseguiu largar em quarto entre 36 inscritos, e na corrida superou nomes como Al Unser Jr. para liderar durante algumas voltas, antes de ser ultrapassado por Geoff Brabham. Terminou em segundo, quase 24s à frente de Little Al, o terceiro colocado. Michael Andretti também participou desta prova, mas ficou com o câmbio travado na largada após ter se classificado na 12ª posição.

Baixada a poeira o desempenho do brasileiro causou ótima impressão, sobretudo entre aqueles que tinham conhecimento do contexto que havia sido enfrentado. “Roberto tem todas as características de um grande campeão”, declarou Dan Gurney à imprensa, na ocasião. Entre os mais entusiasmados com seu talento estava certo revendedor de automóveis, que logo iria montar sua própria equipe na Fórmula Indy. Seu nome era Rick Galles, e ele se esforçaria muito para ter Moreno num de seus carros no futuro.

Cabe registrar ainda que esta foi a primeira viagem de Moreno aos Estados Unidos, país que o abrigaria durante boa parte da vida e da carreira. Não obstante, ela significou também que, aos 23 anos recém-completados, o menino que tinha saído de casa com o humilde objetivo de aprender a falar inglês já havia rodado por África, Ásia, Europa, Oceania e duas das Américas.

E sua história estava apenas começando.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

8 Comments

  1. Rubergil Jr disse:

    Que história! Certamente há muitas outras assim na história do Moreno.

    Abraço !

    Rubergil

  2. Leandro disse:

    É de arrepiar!

  3. jorge disse:

    Ouvi falar do livro do Moreno, quando vão lançar? qual editora?

    • Geraldo Flávio Chaves disse:

      Também sou fã desse Danado!
      Mas, a gente não descobre, quando e quem vai lançar!!!

      • Olá Geraldo.
        O livro foi escrito por mim e já está pronto há três anos. Não tem sido fácil publicar. Roberto revisou 300 das 525 páginas, e ao terminar iniciaremos o trabalho com a parte da editora.
        Abraço, e obrigado pelo interesse.

        • Leandro disse:

          Márcio, já tem editora? O Flávio Gomes, Américo Teixeira e o Rodrigo Mattar lançaram pela Racing Books, da Editora Gulliver

    • Olá, Jorge.
      Sim, o livro está escrito, e creio que tenha ficado muito bom, por mais suspeito que eu seja.
      Não vou dar prazo, porque não é algo que dependa de nós – minha parte eu já fiz, e não foi fácil.
      Mas o que posso dizer é que Moreno está empolgado e estamos trabalhando nisso.
      Obrigado pelo interesse.

  4. Fernando Marques disse:

    Márcio,

    Pelo visto teremos as grandes histórias da carreira do Roberto Moreno aqui no GEPETO.
    Uhuuuuu !!!!

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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